Acórdão nº 2084/18.6T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.

  1. M…, residente …, em Santarém, intentou a presente ação declarativa comum, contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede na Av. Da República, n.º 59, em Lisboa; A…, residente …, Vale de Santarém; e … COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

    , atualmente … COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

    , com sede …, em Lisboa, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de € 70 000,00, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual.

    Alegou, em resumo, que o seu filho P… foi vítima de um acidente de viação, do qual resultou a sua morte. Em ação anterior intentada contra os mesmos réus houve transação, pela qual os réus Fundo de Garantia Automóvel e A… se obrigaram a indemniza-la em € 40 000,00, suportando € 20 000,00 cada um, a título de danos morais próprios e em 50% quanto ao direito a vida, peticionados pela autora. Considera-se a única pessoa a integrar o grupo “pais e outros ascendentes”, a que alude o art.º 496.º/2 do C. Civil, e, por isso, tem direito a que lhe seja concedida a totalidade da indemnização pelo dano da morte causado ao seu filho, uma vez que o pai deste o abandonou quando o mesmo tinha apenas 8 anos de idade.

    Reclama, pois, a condenação dos Réus no pagamento de € 20.000,00 por danos não patrimoniais da A., por direito próprio, nos termos do art.º 496.º, n.ºs 2 e 3 CC, considerando o que já recebeu a esse título; e atribui, pela perda do direito à vida do seu filho Paulo Dias a quantia de 100.000,00 euros, pelo que reclama para si, metade de tal quantia, isto é 50.000,00 euros, pois os restantes 50% do referido direito foram já objeto de transação.

    O réu Fundo de Garantia Automóvel contestou, arguindo a ilegitimidade da autora para intentar a presente ação, já que vem arrogar-se de direitos que não são seus mas sim do pai do falecido P…, e, para além disso, já foi ressarcida no âmbito do processo n.º 1141/13.0TBSTR, que correu pela Secção Cível da Instância Central de Santarém, Juiz 5, o qual veio a terminar por transação, homologada por sentença transitada em julgado, invocando, por isso, a exceção dilatória do caso julgado.

    A ré … Companhia de Seguros, S.A. contestou, arguindo a exceção perentória de autoridade do caso julgado e a exceção de cumprimento da obrigação.

    A autora respondeu, concluindo pela improcedência das exceções invocadas pelos réus.

    Foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa da autora e proferido saneador-sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decido julgar totalmente improcedente a presente ação com base na autoridade de caso julgado da decisão proferida na ação que correu termos no Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 5 sob o n.º 1141/13.0TBSTR, e por virtude da ilegitimidade substantiva da autora, e, em consequência decido absolver os réus FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, A… e … COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

    , dos pedidos formulados pela autora M…”.

    Desta sentença veio a Autora interpor o presente recurso, apresentando alegações e terminando com as seguintes conclusões: 1- Por se encontrarem provados documentalmente e terem interesse para a causa, devem ser também julgados provados os seguintes factos que devem ser aditados à matéria de facto: e) A requerente encontra-se divorciada de A… que também usa Am…, pai do falecido P…, desconhecendo o seu paradeiro desde há mais de 31 anos. (Doc. 2) (art. 10º da PI).

    1. A requerente e o dito A…, são os únicos e universais herdeiros de seu filho P…, que faleceu sem deixar descendentes e não outorgou testamento ou qualquer disposição de última vontade, conforme resulta do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos, nº … da Conservatória do Registo Civil de Santarém, de que as RR têm conhecimento. (art. 11º da PI).

    2. A A. já deu a conhecer às RR em 24/05/2016 através de notificação judicial avulsa a sua pretensão de lhe ser paga, a totalidade da indemnização por danos não patrimoniais e do direito à vida do seu falecido filho, pretendendo ser indemnizada nos restantes 50% não contemplados no pedido formulado na ação judicial e acordo que correu com o nº 1141/13.0TBSTR no Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 5. (Doc. 3) (art.18º da PI) 2- Na presente ação, a autora vem peticionar os 50% (restantes) da indemnização pelo dano morte que caberiam ao pai de seu filho P…, pelos danos morais que sofreu com a morte do filho, por entender que sempre exerceu as funções de pai e mãe, que de forma exclusiva, criou, alimentou, cuidou na doença, educou, acompanhou nos bons e maus momentos, até na morte, o seu filho P…, considerando-se a única pessoa a integrar o grupo "pais e outros ascendentes", e que, em função disso tem direito a que lhe seja concedida a totalidade da indemnização pelo dano da morte causado ao seu filho.

    3- Defende o Tribunal a quo que “O que importa é que estando os progenitores do falecido vivos (e não tendo o mesmo cônjuge e descendentes) o direito indemnizatório é repartido entre eles na proporção de 50% para cada um.” 4- Conclui, assim, o Tribunal recorrido que “está este tribunal impedido de conhecer da presente ação por força da autoridade de caso julgado da decisão proferida na ação que correu termos no Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 5 sob o n. 1141/13.0TBSTR, e por virtude da ilegitimidade substantiva da autora para peticionar dos réus a indemnização a que alude o art.º 496.º, n.º 2, do Código Civil.

    5- Na ação que correu com o nº 1141/13.0TBSTR no Juízo Central Cível de Santarém a A. veio deduzir o pedido, isoladamente do outro progenitor, de indemnização resultantes da morte do seu filho, vítima de acidente de viação e aí reclamou apenas 50% daquele direito à vida deste.

    6- Em tal ação foi alcançado o seguinte acordo entre as partes: “Os Réus Fundo de Garantia Automóvel e A… comprometem-se a indemnizar a Autora em 40.000,00€, suportando 20.000,00€ cada um, sendo que, quanto ao direito à vida, apenas contempla os 50% peticionados pela Autora.” 7- A A. fundamentou o seu pedido na seguinte causa de pedir: “A A. entendeu que, em face do pai do seu filho nada ter reclamado até ao final do prazo de prescrição do seu direito, nem ter fundamento para tal que terá o direito a peticionar aos restantes 50% de tal indemnização pelas razões que expandiu na sua PI e que genericamente são as seguintes, (e daí ser parte legitima).

    8- O seu falecido filho P…, sempre viveu com a requerente desde que nasceu até à data do acidente, sendo que o pai o abandonou quando tinha 8 anos, sem nunca mais ter dado notícias, nem se sabendo do seu paradeiro desde então, A requerente desde sempre exerceu as funções de pai e mãe.

    9- A requerente encontra-se divorciada de A… que também usa Am…, pai biológico do falecido P…, desconhecendo o seu paradeiro desde há mais de 31 anos.

    10- Sempre foi a requerente que, exclusivamente, criou, alimentou, cuidou na doença, educou, acompanhou nos bons e maus momentos, até na morte, o seu filho P…”. (cfr requerimento de 17/12/2019 com a refª 34337995 de resposta da A. às exceções deduzidas pelos RR) 11- A requerente alegou que é a única pessoa a integrar o grupo “pais e outros ascendentes”, e, em função disso tem direito a que lhe seja concedida a totalidade da indemnização pelo dano da morte causado ao seu filho e por isso ser parte legitima, e que, além de ser titular do direito à indemnização por tais danos, foi a única que sofreu danos morais.

    12- Nos termos nº 2 do art. 496º do CC, “por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separada judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta deste, aos pais ou outros ascendentes; e, por últimos, aos irmãos ou sobrinhos que os representem”.

    13- Foi já defendido, e decidido, pelo Tribunal da Relação de Coimbra “que faz todo o sentido considerar que a atribuição de indemnização não é devida aos pais em conjunto quando se prove que um deles está inibido do poder paternal em relação ao filho, tendo sido o outro progenitor – no caso, a mãe - quem exerceu as funções de " pai e de mãe", abandonado que foi o filho pelo seu próprio pai.” (Ac Rel Coimbra no processo 1380/13.3T2AVR.C1) 14- Foi, também, já decidido pelo STJ que o tribunal pode atribuir à progenitora a totalidade da indemnização por danos não patrimoniais nesta se incluindo a parcela respeitante à perda do direito à vida.

    15- Como, também, foi já decidido pelo STJ, “Não faria efetivamente sentido, dada a prova produzida, que o...

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