Acórdão nº 253/19.0T8SNS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMOISÉS SILVA
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: E…, Lda (ré).

Apeladas: M…, Ma…, A…, Na…(autoras).

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Sines.

  1. As AA. intentaram ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum contra a ré, pedindo que pela sua procedência seja a ré condenada no pagamento: 1.À 1.ª autora, do montante € 6 220,05, a título de abonos para falhas devidos e não pagos, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento; 2. À 2.ª autora, do montante € 7 154,05, a título de abonos para falhas devidos e não pagos, acrescidos de juros à taxa Legal desde a citação até efetivo e integral pagamento; 3. Ao 3.º autor, do montante € 6 556,05, a título de abonos para falhas devidos e não pagos, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento; 4. À 4.ª autora, do montante € 5 104,05, a título de abonos para falhas devidos e não pagos, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    Alegaram, em síntese, que: (i) foram admitidos ao serviço da R., respetivamente em 31.03.2004, julho de 2001, março de 2003 e 13.04.2017, mediante contrato de trabalho a termo certo, todos com categoria de Empregado de Balcão de 1.ª, tendo os contratos cessado em janeiro de 2019, altura em que a R. deixou de ter a concessão do estabelecimento que passou para a C…; (ii) apesar das suas funções implicarem também movimentar regularmente dinheiro, recebendo dinheiro dos clientes na Caixa, tendo individualmente uma senha atribuída para acesso à Caixa, desempenhando assim as funções de caixa, durante toda a vigência dos seus contratos, não receberam, como deveriam pelo CCT aplicável, abono para falhas; (iii) a R. pagava a outros colaboradores este abono que exerciam as funções de cobrança na caixa, inclusivamente com a mesma categoria profissional dos autores.

    Concluíram ser-lhes devido o abono para falhas, correspondente a toda a duração dos respetivos contratos.

    Teve lugar a audiência de partes a que alude o artigo 54.º, do Código de Processo Trabalho, não se tendo logrado a conciliação entre as partes. Nessa sede, pela ré foi requerida a apensação das ações individualmente intentadas por cada um dos autores, o que não tendo merecido oposição destes, foi deferido, determinando-se a apensação de todas as ações à primeira entrada.

    Foi desde logo designada data para realização da audiência de discussão e julgamento.

    Regularmente citada, a ré contestou, alegando, em síntese: (i) por exceção a litispendência, com a consequente absolvição da ré da instância, pois anteriormente à citação para os termos da presente ação, foi citada para apresentar resposta escrita em processo de contraordenação a correr termos pela ACT – unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo, encontrando-se aí em causa os mesmos factos e tendo-lhe sido imputada a violação do disposto na cláusula 76.ª do CCT, sendo peticionadas quantias a título de abono para falhas alegadamente em dívida aos ora autores, aguardando os autos decisão final da ACT, constituindo, por isso, a presente ação repetição de causa anterior a correr termos por aquela entidade; (ii) a cláusula 76.ª do CCT aplicável à relação laboral entre as partes, não tem aplicação no caso dos autores, pois estes foram contratados para exercer as funções de Empregado de Balcão, não se dedicando, em exclusividade, com regularidade e por períodos prolongados, a funções de movimentação de dinheiro; (iii) o abono para falhas justifica-se pelo risco que implica o exercício das funções de caixa, não existindo este risco no caso de trabalhadores que se dedicam a diversas funções em simultâneo, entre as quais a cobrança, aplicando-se aquela cláusula apenas às categorias profissionais aí expressamente contempladas, pelo facto de se tratar de funções essencial e permanentemente de cobrança e de movimentação de dinheiro, os quais, devido à rotina e pressão inerente, envolvem um grau elevado de risco de erros e falhas; (iv) por outro lado, aquela cláusula recebeu nova redação, deixando de estipular o pagamento do abono para falhas também aos “cobradores”, contrariamente às suas versões anteriores, o que reforça o entendimento de que a obrigação de pagamento de abono para falhas está unicamente relacionada com as categorias profissionais especificamente indicadas no CCT, desde que em simultâneo, movimentem regularmente dinheiro, o que não se verifica com os autores; (v) nunca solicitou aos autores a reposição de valores em falta, justamente por entender não lhes ser devido o abono para falhas; (vi) existem alguns trabalhadores da unidade, em front office que auferiam abono para falhas, o que ocorria quando a unidade abriu em 1999, tendo-se mantido esse pagamento; (vii) relativamente aos demais, devido à evolução dos meios tecnológicos de controlo, com diminuição de riscos, o critério de atribuição do abono foi alterado, passando a ser atribuído apenas aos trabalhadores que tenham a caixa sob a sua responsabilidade, o que apenas ocorre quanto aos chefes de turno, únicos responsáveis pelo fecho de caixa, sendo os únicos a responder por eventuais falhas; (viii) os autores não procederam à contabilização dos valores alegadamente em dívida, dado que não tiveram em conta a sua assiduidade, o que se pode conferir pela diferença desses valores com os apurados pela ACT, valores máximos por hipótese de raciocínio.

    Concluiu dever ser julgada procedente a exceção da litispendência, absolvendo-se a ré da instância, ou, caso assim não se entenda, deverá a ação improceder por não provada e, em consequência, ser a ré absolvida da totalidade dos pedidos.

    Os autores apresentaram resposta à exceção da litispendência, pugnando pela sua improcedência, tendo em conta a distinta natureza dos processos em causa, judicial e administrativo.

    Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção da litispendência, nos termos seguintes: “A R. invoca a verificação de litispendência, tendo por base o facto de se encontrar pendente processo de contraordenação na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) – Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo, no âmbito do qual foi notificada em 10.10.2019 para apresentar resposta escrita, sendo que nesses autos é-lhe imputada a violação do disposto na cláusula 76.ª do CCT entre a AHRESP e a FESAHT, relativamente aos trabalhadores aqui autores, tendo a ACT peticionado quantias a título de abono por falhas e que considera que se encontram em divida aos mesmos, agindo assim em sua representação.

    Conclui que tendo apresentado oportuna resposta no processo de contraordenação, apesar de ainda não ter sido proferida decisão pela ACT e ainda que os presentes autos e o processo de contraordenação tenham natureza distinta, verificam-se os pressupostos da litispendência, pelo que que deverá a exceção proceder, absolvendo-se a ré da instância.

    Os autores pugnaram pela improcedência da exceção invocada, com fundamento na distinta natureza dos processos, devendo como tal os autos prosseguir os seus termos.

    Apreciando e decidindo A litispendência constitui exceção dilatória, cfr. art.º 577.º al. i) do CPC, pressupondo a sua verificação a repetição de um litígio em dois processos que se encontram pendentes no mesmo tribunal ou em tribunais diferentes, cfr. art.º 580.º, n.º 1, do CPC.

    Visa a litispendência acautelar, no seu efeito jurídico, que o mesmo tribunal ou vários tribunais se coloquem em situação em que venha(m) a contradizer ou reproduzir a sua anterior decisão ou a decisão de outro tribunal, cfr. art.º 580.º, n.º 2, do CPC.

    Para aferir da repetição ou não da ação, cabe ter conta quer a o critério substancial contemplado pelo art.º 580.º, n.º 2, do CPC, quer o critério formal que demanda a verificação de identidade quanto ao sujeito, ao pedido e à causa de pedir, cfr. art.º 581.º, n.º 1, do CPC. Existirá identidade de sujeito quando as partes sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, cfr. art.º 581.º, n.º 2, do CPC, identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, cfr. art.º 581.º, n.º 3, do CPC, e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, cfr. art.º 581.º, n.º 4, do CPC.

    A R. não alega a pendência de outro processo em tribunal, em que exista identidade de sujeito, isto é, em que as partes sejam as mesmas, em que tenha sido deduzido o mesmo pedido e em que seja a mesma a sua causa de pedir. O alegado existe na pendência de processo judicial e de processo administrativo, alegadamente visando o mesmo fim.

    Neste conspecto, é evidente que os planos em que alegadamente uma mesma questão jurídica se coloca são distintos, pois aqui encontramo-nos em sede judicial, na pendência de ação judicial, ao passo que no processo administrativo, o mesmo pende perante entidade administrativa, apenas quanto a este se colocando a competência do poder executivo, do “poder do Governo”, já que quanto à ação judicial, pendente em tribunal, estaremos perante poder judicial, não se podendo confundir um e outro, pela sua diferença e independência entre si (artigos 182.º e 202.º da Constituição da Republica Portuguesa).

    Por conseguinte, estamos claramente perante a impossibilidade de as decisões a proferir poderem ser contraditórias entre si, na medida em que provêm de entidades distintas, com funções distintas e que prosseguem diferentes fins do Estado. Em outras palavras, não estando em causa a pendência de ação judicial perante o mesmo tribunal ou tribunais distintos, em que se verifique a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, não se poderá ter por verificada a exceção invocada pela R., nem mesmo denominando-a de litispendência especial ou atípica, na medida em que é de todo inexistente e, por isso, inaplicável.

    Pelo exposto, improcede a exceção invocada pela R”.

    De...

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