Acórdão nº 1816/14.6TBPTM-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelSILVA RATO
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc. N.º 1816.14.6TBPTM-A Apelação 1ª Espécie Comarca de Faro (Portimão J1) Recorrente: A.M.H.

Recorrido: Banco … R03.2015. Apelação.Reenvio Prejudicial. Reforma I.

Banco …, requereu contra A. M. H.

, com residência na Irlanda, a presente Providência Cautelar de Entrega Judicial de dois imóveis que identifica, invocando a realização de contratos de locação financeira e respectivo incumprimento pelo Requerido, por falta de pagamento de rendas e posterior falta de entrega dos bens ao Requerente, e pedindo ainda a antecipação do juízo sobre a causa principal.

Citado nos termos de fls. 81, 82, 87, 88 e 89, o Requerido não deduziu oposição.

Proferida sentença, foi decidido o seguinte: “Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se julgar procedente o pedido e, em consequência, decreta-se a providência requerida, ordenando-se a entrega judicial ao Requerente: a) da fracção autónoma designada pela letra "F”, correspondente ao rés-do-chão, Loja F, do prédio urbano sito na …; b) da fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao rés-do-chão, Loja E, do prédio urbano sito na ….

Custas pelo Requerente, a serem atendidas a final.

…” Inconformado com tal decisão, veio o Requerido interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: I- A carta com AR, destinada a citar o Apelante para estes autos, não se acha junta aos mesmos.

II- Ora, tal facto implica que estejamos perante uma nulidade processual decorrente da “omissão de uma formalidade prescrita por lei” (art. 191º/1 do NCPC ou art. 198º/1 do CPC), III- A ser agora declarada por V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, com todos os legais efeitos (art. 195º/2 do NCPC e 201º/2 do CPC), nomeadamente com anulação da sentença e do despacho que se lhe seguiu, a convidar o Apelante para, em 10 dias, se pronunciar sobre a antecipação do juízo sobre a causa principal, IV- Porque esta falta prejudica totalmente a defesa do Apelante art. 191º/4 do NCPC ou art. 198º/4 do CPC), V- Já que, “desconhecendo-se quem recebeu a carta”, VI- E não tendo sido produzida prova (alguma) nesse sentido por qualquer das partes”, VII- Não pode “dar-se como validamente efectuado o acto de citação” (apud súmula I do Ac. RG. de 8/6/10, in Proc. 302/07.5TBVVD.G1, relatado por Isabel Fonseca).

VIII- Mas não falta só o AR em sede de citação.

IX- Constata-se faltar também, por nenhum duplicado do mesmo constar dos autos, o formulário tipo, multilingue, previsto no anexo “II” do “reg.” (arts. 8º/1 e 5º/1 do “reg.”), que devia ter acompanhado a citação para indicar ao destinatário que poderia recusar a recepção da PI, já que esta seguiu apenas em português, língua que o Apelante desconhece, quando devia ter seguido com uma tradução em inglês ou gaélico, únicas línguas que a República da Irlanda aceita em sede de citações e notificações a levar a efeito no seu território.

X- Ora, como se decidiu, entre outros, nos Acs.: da Relação de Guimarães de 15/10/13 (in Proc. 3450/12.6TBGMR-B.G1, relatado por Maria Rosa Tching) e do STJ de 5/3/13 (in Proc. 1869/11.9TBPTM-A.E1.S1, relatado por Gregório Silva Jesus), a falta de remessa daquele formulário, quando a peça não vai traduzida na língua aceite pelo país de destino, fere a citação de nulidade (cfr. a súmula IV do Ac. do STJ vindo de indicar acima), XI- Nos termos do disposto no nº1 do art. 191º do NCPC (art. 198º/1 do CPC) e, também, arts.219º/3 e 227º, do NCPC (arts. 228º/3 e 235º do CPC), XII- A ser agora declarada por V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, com todas as legais consequências, por prejudicar a defesa do Apelante (arts. 191º/4 e 195º/2, do NCPC e arts. 198º/4 e 201º/2, do CPC), caso antes não declarem a nulidade supra esgrimida, XIII- “Uma vez que se está perante a omissão de uma formalidade essencial” (idem, Ac. do STJ ut supra indicado).

XIV- De notar que qualquer das nulidades postas acima em destaque, estão a ser alegadas em devido tempo, conforme se decidiu, entre outros, no Ac. RC de 4/4/2000, publicado no BMJ 496/314, relatado por Garcia Calejo, visto acharem-se “cobertas” pela posterior prolação da sentença.

XV- Ora, Mmos. Juízes Desembargadores, não tendo o Apelante sido citado para estes autos, como vimos de ver acima que não foi, esta sentença constituiu, para ele, uma verdadeira decisão surpresa, por essa omissão o haver impedido de exercer o contraditório (art. 3º/1,3,e,4 do NCPC e do CPC).

XVI- Perfila-se por isso, aqui, uma nova nulidade processual, nos termos do art. 195º/1 e 2 do NCPC (art. 201º/1 e 2 do CPC), porque influiu no exame e na decisão da causa (cfr. o Ac. RE de 1/4/04, tirado no Porc. 2737/03-2.dgsi.Net), XVII- Nulidade tanto mais notória quanto é certo que, na versão consolidada do Regulamento aqui em causa, Portugal declarou que nunca faria aplicação do disposto no seu art. 19º/2 e respectivas alíneas que, como se sabe, operam em concomitância.

XVIII- Ora, esta nulidade deve agora ser declarada por V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, com todos os legais efeitos, se antes não acolherem nenhuma das nulidades já entretanto alegadas, ou seja, com a anulação da sentença aqui em causa, bem como do despacho que se lhe seguiu, a convidar o Apelante para, em 10 dias se pronunciar sobre “a peticionada antecipação do juízo sobre a causa principal”, XIX- Determinando, de seguida, que se proceda a nova citação do Apelante.

XX- A finalizar há ainda que enfatizar que, obrigando, o art. 14º do “reg.” a que a notificação desta sentença fosse feita por carta registada com AR, e tendo a mesma seguido sem AR, se perfila aqui, e de novo, um caso de nulidade processual por omissão dessa mesma formalidade, a ser agora declarada por V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, com todos os legais efeitos, que são a anulação da sentença e do despacho que se lhe seguiu (art. 195º/1 e 2 do NCPC ou art. 201º/1 e 2 do CPC).

…” O Requerente deduziu contra-alegações em que pugna pela manutenção do julgado.

Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual: - O Requerente, no exercício da sua actividade, celebrou com o Requerido, em 28/10/2008, por solicitação do mesmo os seguintes acordos escritos, designados de contratos de locação financeira: a) n.º 2042841, mediante o qual o Requerente declarou dar em locação ao Requerido a fracção autónoma designada pela letra "F”, correspondente ao rés-do-chão, Loja F, do prédio urbano sito na …, conforme documento de fls.14 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido; b) n.º 2042850, mediante o qual o Requerente deu em locação ao Requerido a fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao rés-do-chão, Loja E, do prédio urbano sito na …, conforme documento de fls.32 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido; - A aquisição das referidas fracções autónomas encontra-se registada a favor do Requerente, respectivamente, mediante as Ap. 32 e Ap.29, ambas de 2008/11/05; - Os contratos referidos foram celebrados pelo prazo de 20 anos, tendo ficado acordado que o pagamento se faria, durante esse período em 240 prestações mensais, com vencimento no dia 2 ou no dia 20 de cada mês, consoante a escritura se mostrasse assinada até ao dia 15 ou após o dia 15 do mês em causa; - Os imóveis em causa foram entregues ao Requerido, que deles tomou posse, na data de assinatura dos acordos escritos; - O Requerido não pagou a quantia respeitante às rendas vencidas em 20/08/2012 e 20/03/2012, respectivamente, nem as que desde aí se venceram; - O Requerente enviou ao Requerido cartas datadas de 28/02/2014 a fim de este proceder ao pagamento daqueles montantes, sob pena de considerar os contratos resolvidos; - Mediante cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 04/04/2014, o Requerente declarou ao Requerido considerar os contratos resolvidos; - O Requerente procedeu ao cancelamento do registo da locação financeira relativamente a ambas as fracções autónomas; - Na data da comunicação da resolução dos contratos, o Requerido não havia pago ao Requerente a quantia total de € 20.437,03; - O Requerido sempre se recusou a restituir os bens em causa, apesar das diligências do Requerente nesse sentido.

Por Acórdão deste Tribunal da Relação, de 29.01.2015, foi decidido o seguinte (excerto): “A questão a decidir resume-se, pois, a saber: a)Qual a consequência de não estar junto aos autos o AR enviado com a carta para citação do Requerido; b) Se a carta foi recebida pelo Requerido; c)Se, juntamente com o restante expediente, deveria ter sido enviado o formulário constante do Anexo II do Regulamento (CE) 1393/2007, de 13 de Novembro; d)Se a arguição da nulidade é atempada; e)Se a sentença é nula, por não ter sido dada a possibilidade ao Requerido do exercício do contraditório; f)Qual a consequência da sentença não ter sido notificada por carta registada sem AR.

A citação é um acto de primordial importância na estrutura do Processo Civil Português, só podendo ser omitida, antes de ser proferida decisão no processo, nos casos excepcionais consagrados na lei.

Visando a citação a comunicação ao demandado da introdução de um feito em juízo contra a sua pessoa, do teor da demanda, do prazo que tem para apresentar a sua defesa, das atinentes cominações e ainda de toda a documentação conexa, importa acautelar que esse acto processual se revista das maiores cautelas para ser cumprido o seu desiderato.

A par das tradicionais formas de realização da citação através de oficial de justiça, foi implementada, acompanhando a evolução das formas de comunicação, e tendo em vista a celeridade dos actos processuais, a citação por carta registada, com aviso de recepção, primeiramente só para a citação de cidadãos residentes no estrangeiro, mais tarde para também para as sociedades e pessoas colectivas e por fim para todos os demandados em processo civil.

Paralelamente, tanto no plano interno como no plano comunitário, acautelando-se o direito dos...

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