Acórdão nº 1367/10.8TBVNO.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Nos presentes autos de inventário por óbito de AA, falecido em 12 de Março de 2010, no estado de casado com BB, em que exerceu funções de cabeça-de-casal CC, foi proferida sentença homologatória da partilha constante do mapa de fls. 569 a 571, adjudicando aos interessados BB e CC os respetivos quinhões, nos termos e modalidades constantes do referido mapa.
Inconformada, a interessada BB apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com as seguintes conclusões (transcrição): «1) O inventário destina-se a partilhar os bens do inventariado – e só os dele – incluindo os que foram legados em Testamento.
2) Constando no processo de inventário uma caderneta predial relativa ao prédio inscrito na matriz predial rústica de Espite, Ourém, sob o n.º ..., em nome do inventariado desde 1970 e tendo o cabeça de casal incluído o prédio entre aqueles de que requereu certidão negativa à Conservatória do Registo Predial, indicando como possuidor os herdeiros do inventariado e a este como ante possuidor, deve ordenar-se o relacionamento desse prédio para ser partilhado.
3) O facto de o cabeça de casal ter incluído o prédio no requerimento da certidão predial como pertencendo ao inventariado, deve ter-se como confissão extrajudicial nos termos do n.º 2 do artigo 358º do Código Civil e com força probatória plena.
4) Em consequência, deve ser revogado o despacho de fls 137 na parte em que, a fls 141, diz que a interessada não fez prova da reclamação e, em consequência ordenar-se a relacionação do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Espite sob o n.º ..., declarando-se revogados todos os despachos seguintes proferidos sobre o mesmo assunto.
Se assim se não entender 5) É tarefa do Tribunal onde corre o inventário determinar qual a vontade do testador manifestada no testamento, apurando quais os bens legados.
6) Na verba um do legado, consta uma casa de habitação de rés-do-chão e terra de semeadura com oliveiras e testada de pinhal e o cabeça de casal afirma que o legado incluía apenas a casa de habitação tal como estava descrita na matriz, sem logradouro, pelo que, é tarefa do Tribunal indagar e concluir qual o imóvel ou imóveis que correspondem ao que está escrito no testamento.
7) Tendo o inventariado legado a casa de habitação e o terreno de semeadura que lhe é adjacente, não podia o Tribunal atribuir à recorrente, por conta do legado, apenas a casa de habitação.
8) Estando nos autos certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial certificando que o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Espite sob o n.º ... está registado a favor da recorrente e do cabeça de casal, em comum e partes iguais e enquanto herdeiros do inventariado, tinha o Sr. Juiz obrigação de ordenar que o prédio fosse relacionado para ser partilhado.
9) O registo definitivo faz presunção legal da existência do direito a favor dos titulares inscritos e na qualidade em que o estão. Para afastar a presunção não bastava ao cabeça de casal dizer que o prédio era seu, teria que apresentar prova de igual valor, que só podia ser sentença transitada em julgado.
10) Ao não ordenar a inclusão na relação de bens do prédio registado, o Tribunal violou o disposto nos artigos 371º n.º 1 e 372º do Código Civil e no artigo 7º do Código do Registo Predial; pelo que deve tal despacho ser revogado e substituído por outro que ordene a inclusão do prédio na relação de bens.
Se assim se não entender 11) Afirmando a recorrente que tal prédio está incluído na verba n.º 1 do legado, tinha o Tribunal a estrita obrigação de averiguar se assim era e, só após esse acto, decidir se o prédio era aquele e se concluísse pela positiva, deveria ordenar a sua inclusão no legado.
12) Se ficassem dúvidas no apuramento do que estava incluído no legado, deveria o Tribunal admitir a produção de prova, nomeadamente a que, sobre o assunto, foi oferecida a fls 147 e 148. Não o tendo feito violou o disposto no artigo 2187º n.º1 e 2269º do Código Civil.
13) Devem ser revogados os despachos de fls 157, 180, 369 e 458 na parte em que indeferiram a pretensão da recorrente no sentido de ser averiguado o sentido exacto do legado feito em primeiro lugar e substituídos por outro que ordene a produção de prova no sentido de apurar o que é que o testador quis legar na verba primeira do testamento e concluir que o prédio legado à recorrente é o que está descrito na conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º ... de Espite.
14) O Tribunal a quo não podia remeter os interessados para os meios comuns sem ordenar a suspensão da instância, por força do disposto no artigo 1335º n.º 1 do Código do Processo Civil.
15) Se se concluir que deverá remeter-se os interessados para os meios comuns relativamente ao prédio ... de Espite, deve declarar-se suspensa a instância até à decisão que defina o direito de propriedade.
Segunda Questão 16) Foi aceite pelos dois interessados que as contas bancárias relacionadas na primeira relação de bens junta pelo cabeça de casal e de que, veio ele, depois, negar a existência, ficassem excluídas até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no Processo n.º 1433/08.0TBVNO.
17) Está nos autos certidão da sentença da primeira instância confirmada por acórdão da Relação que condenou o cabeça de casal a reconhecer que o dinheiro depositado nas contas pertencia em partes iguais ao inventariado e à recorrente, sua mulher.
18) Sendo o regime de bens do casal o da separação, neste inventário só pode ser partilhada a metade dele no dinheiro existente nas contas.
19) No despacho que deu forma à partilha, não podia o Sr. Juiz fazer tábua rasa da sentença e acórdão e ordenar a partilha do dinheiro como se pertencesse todo ao inventariado.
20) Ao fazê-lo violou ostensivamente o caso julgado, e isto, apesar de ter sido por diversas vezes interpelado pela recorrente nesse sentido.
21) Assim, deve ser revogado o despacho determinativo da forma da partilha no sentido de que, na partilha se tenha em consideração o decidido no Processo n.º 1433/08.0TBVNO e se partilhe apenas a parte do dinheiro que pertencia ao inventariado.
Terceira Questão 22) O cabeça de casal sonegou as contas bancárias onde estava o dinheiro do inventariado e da mulher, ora recorrente.
23) Não foi por inadvertência, fê-lo já depois de as ter relacionado.
24) Foi necessário um processo judicial força-lo a reconhecer que o dinheiro era do pai e da madrasta.
25) A sentença que homologou a partilha deveria ter reconhecido que o cabeça de casal sonegou o montante depositado nas contas bancárias do inventariado e, em consequência, deveria ter aplicado o artigo 2096º n.º 1 do Código Civil.
26) Como a sanção não foi aplicada, foi violado o referido preceito legal, pelo que, deve agora a Relação corrigir o erro e declarar que o cabeça de casal perdeu o direito à sua quota-parte no dinheiro do inventariado depositado nas quatro contas bancárias sonegadas.
27) De igual forma, após ter incluído o prédio legado à recorrente, no pedido de certidão predial, como pertencendo à herança, recusou-se a relaciona-lo.
28) Os despachos sob recurso não obrigaram o cabeça de casal a relacionar o prédio e deveriam tê-lo feito.
29) Devem pois ser revogados e substituídos por outro que declare que o prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de Espite sob o n.º ... faz parte da herança do inventariado, sendo o que foi legado à cabeça de casal e, em consequência declarar que, nos termos do artigo 2096º do Código Civil, o cabeça de casal perdeu o direito que pudesse ter sobre esse bem, nomeadamente no que respeita a tornas.
30) A sentença homologatória da partilha violou os preceitos legais supracitados, pois homologou uma partilha feita em violação desses mesmos comandos.
31) Assim deve ser anulada a sentença homologatória da partilha e ser ordenado a organização de novo mapa da partilha que tenha em consideração as decisões a proferir neste recurso, para, depois, ser proferida outra sentença que homologue partilha que respeite a vontade do testador e a lei.
Assim fazendo, farão, V. Exas, JUSTIÇA!» O cabeça-de-casal e interessado CC apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber: - se deve ser revogado o despacho proferido a fls. 137 e seguintes, que decidiu a reclamação da recorrente contra a relação de bens, na parte relativa ao prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o nº ...; - se deve ser incluído na relação de bens aquele imóvel.
- se o despacho determinativo da forma da partilha não respeitou o caso julgado formada pela decisão proferida em ação judicial intentada pelo inventariado e pela recorrente contra o cabeça-de-casal e outros, relativamente à titularidade dos saldos das contas bancárias que integram as verbas nºs 1 a 4 da relação de bens; - se houve sonegação de bens da herança por parte do cabeça-de-casal que justifique a aplicação ao caso do disposto no art. 2096º do Código Civil.
III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos e as ocorrências processuais relevantes para o conhecimento das questões decidendas: 1 – Por testamento de 12.12.2008, o inventariado...
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