Acórdão nº 218/12.3TAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No âmbito do Proc. 218/12.3TAFAR, da comarca de Faro (Faro - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 2), mediante pertinente sentença, decidiu-se nos seguintes termos: “Em face do exposto, decide-se julgar a acusação procedente, por provada, e em consequência: - Condenar o arguido VP, pela prática, em autoria material, de um crime usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358º, alínea b), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

- Condenar o arguido nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – cfr. artigo 8º do RCP”.

Inconformado com a decisão condenatória, dela recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “I - O arguido apresentou contestação.

II - Do factual da sentença recorrida não consta os factos alegados pelo arguido na contestação como “Factos Provados” ou como “Factos Não Provados”.

III - No segmento alusivo ao acervo factológico “Factos Não Provado” apenas é referido: “Inexistentes”.

IV - A sentença ao referir nos “Factos Não Provados” que os mesmos são “Inexistentes”, poderia levar-nos à conclusão, que por exclusão de partes, os factos alegados pelo arguido na contestação, constariam do elenco dos “Factos Provados”.

V - Da leitura dos “Factos Provados”, não consta um único facto alegado pelo arguido na sua contestação.

VI - Os factos alegados pelo arguido na contestação são relevantes para a estratégia da sua defesa e para a boa decisão da causa.

VII - Não satisfaz o dever de fundamentação a alusão “inexistentes”, tornando-se imprescindível uma explicação, das razões subjacentes aos factos alegados pelo arguido/recorrente na contestação, o que, de todo, o tribunal a quo não fez.

VIII - Produzida toda a prova em audiência de julgamento, na fase de deliberação, deve o tribunal valorar os factos descritos na acusação/pronúncia, juntamente com os que constam da contestação oferecida pelo arguido e daqueles que resultaram da discussão da causa (art.º 368º, nº 2 do CPP).

IX - E por isso a sentença, na sua fundamentação fáctica, deve conter a “enumeração dos factos provados e não provados”, os quais, em princípio, terão de compreender, a um ou outro título, todos os factos decorrentes daquela tríplice origem.

X - Enumerar os factos é especificá-los ou contá-los um a um, o que corresponde a dizer que o tribunal tem de especificar todos e cada um dos factos alegados pela acusação e pela defesa, bem como os que tiverem resultado da discussão da causa, relevantes para a decisão, como provados ou não provados, como, aliás, sempre decorreria do próprio dever de apreciar, descriminada e especificamente (art.º 368º, nº 2, do CPP), todos esses factos.

XI - A enumeração dos factos é fundamental, pois é a partir deles e à luz do direito que nascerá a decisão, como imprescindível é a indicação expressa dos factos não provados, já que só assim existe a garantia de que o tribunal considerou especificamente toda a matéria de facto sujeita a apreciação.

XII - Os factos constantes na contestação e supra descritos, são relevantes para a boa decisão da causa, não porque sejam necessários para verificar do preenchimento do tipo de ilícito imputado aos arguido, mas porque se revestem de importância para a determinação concreta da pena, quer em caso de condenação em 1ª instância quer em fase de recurso, não podendo, obviamente, o Tribunal Superior tê-los em conta se não constarem de forma explícita da sentença, no rol de factos provados ou não provados.

XIII - A sentença recorrida incumpriu o dever de enumerar, como provados ou não provados, os factos constantes na contestação apresentada pelo arguido, relevantes para a estratégia da defesa e para a boa decisão da causa, como lhe ordena o normativo do nº 2 do art.º 374º do Código de Processo Penal – tal, face ao disposto na al. a) do nº 1 do art.º 379º do mesmo diploma legal, acarreta a nulidade da sentença.

XIV - A sentença recorrida condenou o arguido pelo crime de usurpação de funções, previsto e punido pela alínea b) do artigo 358º do Código Penal, porquanto, no espaço temporal entre 24/06/2010 e 21/03/2011, o arguido praticou atos próprios da profissão de advogado sem estar inscrito na Ordem dos Advogados.

XV - Sucede, que justamente pela prática do mesmo crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358º, alínea b) do Código Penal – prática de atos próprios da função de advogado –, foi o arguido julgado e absolvido em 9 de Julho de 2009, pelo 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, no processo comum nº ---/05.9TAFAR.

XVI - A Sentença absolutória de 09/07/2009 transitou em julgado em 17/05/2010.

XVII - Na referida sentença absolutória o Tribunal conclui que o arguido VP podia praticar atos atinentes à profissão de advogado em causas atinentes ao cônjuge e invocar a qualidade de advogado estagiário, no momento em que o fez.

XVIII - Da leitura da sentença absolutória proferida pelo Tribunal Judicial de Faro em 09/07/2009, processo nº ---/05.9TAFAR, acima transcrita, dúvida nenhuma subsiste, que o arguido se encontra inscrito na Ordem dos Advogados.

XIX - Atente-se à parte final da sentença que refere textualmente “terá de se concluir que o arguido VP podia praticar atos atinentes à profissão de advogado em causas atinentes ao cônjuge e invocar a qualidade de advogado estagiário, no momento em que o fez (era o que estava em causa naquele processo).

XX - Ora, se o VP podia praticar atos atinentes à profissão de advogado e invocar a qualidade de advogado estagiário, como decidiu e bem o Tribunal Judicial de Faro, está bem de ver, que o VP se encontrava inscrito na Ordem dos Advogados.

XXI - Condição sine qua non para poder praticar os atos próprios da profissão de advogado previstos no disposto no artigo 164º, nº 1, do EOA/84, é se encontrar inscrito na Ordem dos Advogados.

XXII - O crime de usurpação de funções, previsto e punido pela alínea b) do artigo 358º do Código Penal, é um crime permanente.

XXIII - No crime permanente, haverá, pelo menos, uma ação e uma omissão, estruturalmente indivisíveis e que a lei integra numa só figura criminosa (negrito nosso) (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.06.2008, processo n.º 2631/07.9TBPBL in www.dgsi.pt).

XXIV - Como decidiu o Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 05.03.2003, processo n.º 0212140 disponível em www.dgsi.pt: “O crime de usurpação de funções é um crime permanente, em que a execução e consumação do delito se prolongam no tempo, verificando-se uma unificação jurídica de todas as condutas, como se todas elas se tivessem verificado no momento da última conduta. Havendo sucessão de leis no tempo, aplica-se sempre a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução ou o último ato tenham cessado no domínio da mesma lei”.

XXV - O crime de usurpação de funções é um crime permanente, em que a execução e consumação do delito se prolongam no tempo, verificando-se uma unificação jurídica de todas as condutas, como se todas elas se tivessem verificado no momento da última conduta.

XXVI - Dispõe o artigo 671º, nº 1, do CPC: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º».

XXVII - O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.

XXVIII - A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 580º, nºs 1 e 2, do CPC).

XXIX - A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.

XXX - Na verdade, «pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida» (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354. Cfr., no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, pp. 49 e ss..).

XXXI - A autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida (cfr., inter alia, os Acs. do STJ de 13.12.2007, proc. 07A3739; de 06.03.2008, proc. 08B402, e de 23.11.2011, proc. 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.).

XXXII - Revertendo ao caso concreto, está fora de dúvida que a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Faro em 09 de Julho de 2009, no processo comum nº 1961/05.9TAFAR, que julgou e absolveu o arguido do crime de usurpação de funções, transitou em julgado, constituindo, assim, caso julgado.

XXXIII - A fronteira entre estas duas figuras jurídico-processuais encontra-se adequadamente traçada no acórdão da Relação de Coimbra de 28.09.2010 (Proc. 392/09.6 TBCVL.C1, in www.dgsi.pt.), na parte do sumário que se transcreve de seguida: «I - A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido.

II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação...

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