Acórdão nº 1004/05.2TBLLE.E4 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução21 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

A.

instaurou em 10-04-2005 a presente acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo ordinário, contra R., peticionando que:

a) Seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial de venda da Ré de um prédio misto identificado nos autos na sequência do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes, em conformidade com o artigo 830.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil, condenando esta a cumprir a obrigação de realizar a escritura pública de compra e venda; b) A Ré seja condenada no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais decorrentes da mora; c) Subsidiariamente, se considere o contrato-promessa resolvido por incumprimento imputável à Ré, condenando a mesma a pagar-lhe a quantia de 678.366,00€, equivalente ao dobro do sinal recebido[3].

Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese, que celebrou com a R., em 26 de Janeiro de 2004, um contrato-promessa de compra e venda relativo a um prédio misto, tendo-lhe pago de sinal 339.183,00€, ou seja, o preço total acordado, devendo o contrato definitivo, a ser marcado pela Ré, ser celebrado até ao final do ano de 2004, avisando aquela a Autora com 15 dias de antecedência, o que não fez, pelo que incorreu em mora, continuando a utilizar o prédio e retirar rendimentos do mesmo por via do arrendamento de vários anexos, nunca diligenciando para obter a necessária licença de habitabilidade.

  1. Regularmente citada, a ré contestou, impugnando os factos alegados pela Autora, pretendendo a suspensão da instância por existência de causa prejudicial relativamente a processo-crime no qual apresentou queixa contra … relativamente a factos relacionados com o contrato-promessa em litígio nos autos, invocando a nulidade/invalidade do contrato-promessa por erro, aduzindo que foi enganada quando assinou o contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos, o qual era um documento em português cujo conteúdo desconhecia, tendo assinado os documentos apenas na convicção de que apenas contraiu um empréstimo de 70.000,00€ para com o sócio da Autora, que nunca percebeu que estava a vender a sua casa porque nunca isso foi acordado, sendo que sucessivos expedientes foram usados pelo sócio da Autora para obter a sua assinatura em documentos que sabia que a Ré não entenderia, em conjugação com o intérprete, o referido …, que alegadamente lhe traduziu o conteúdo dos referidos documentos e que a foi também induzindo intencionalmente para o efeito, nunca lhe falando na venda de qualquer casa, que nunca teve intenção de vender a casa nem recebeu o dinheiro referido na petição inicial, pelo que o contrato-promessa deve ser declarado nulo.

    Para além disso, invocou a invalidade do contrato-promessa por falta de licença de habitabilidade e por a assinatura da Autora só ter sido reconhecida notarialmente em data muito posterior à da assinatura do contrato.

    A Ré deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da Autora e do seu legal representante a pagar-lhe uma indemnização no valor que se vier a liquidar em execução de sentença, alegando prejuízos decorrentes da situação supra descrita que a coloca na posição de não poder dispor livremente da sua casa, vivendo com parcos rendimentos, não podendo ainda concretizar os danos sofridos.

    Concluiu, pedindo a procedência das excepções alegadas com a declaração de nulidade do contrato ou, caso se entenda, a improcedência da acção e procedência da reconvenção.

  2. Na réplica, a Autora impugnou a factualidade alegada na contestação, invocou a caducidade do direito da Ré invocar a anulabilidade do negócio com base em erro, sendo certo que o erro invocado constitui erro na declaração e não falta de consciência na declaração, para além de que a Ré não alega conhecimento ou que a Autora não podia ignorar a essencialidade do erro para a Ré.

    Mais aduziu que a invocação pela Ré da invalidade do contrato-promessa por falta de licença de habitabilidade constitui abuso de direito.

    A Autora procedeu ainda à ampliação do pedido, pedindo que, subsidiariamente, se considere o contrato-promessa de compra e venda em causa nos autos resolvido por incumprimento imputável à Ré, condenando a mesma a pagar-lhe a quantia de 678.366,00€, equivalente ao dobro do sinal recebido.

  3. Na tréplica, a Ré pugnou pela inadmissibilidade legal da ampliação do pedido deduzido pela Autora na réplica e pela improcedência da excepção de caducidade, aduzindo ainda não haver lugar ao pagamento do sinal em dobro porque foi pago o preço integral e não um sinal[4].

  4. Foi proferido despacho saneador que indeferiu o pedido de suspensão da instância por inexistência de questão prejudicial, admitiu o pedido reconvencional apenas contra a Autora (e não contra o seu legal representante), admitiu a ampliação do pedido da Autora deduzido na réplica, por legalmente admissível, e relegou para final o conhecimento das excepções peremptórias deduzidas pela Ré na contestação, tendo ainda fixado os factos assentes e a base instrutória, e sido admitido o incidente de arguição de falsidade dos documentos de fls. 252 a 255 (recibo de quitação redigido em língua portuguesa e inglesa e respectiva tradução certificada).

  5. Realizou-se audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e o pedido reconvencional, julgando “procedente a matéria de excepção deduzida pela R, declarando a anulação do contrato com base em erro de vontade”, da qual foi interposto recurso pela Autora, tendo este Tribunal da Relação, por Acórdão que faz fls. 1028 a 1063 dos autos, confirmado a decisão recorrida.

  6. Interposto novo recurso, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2011, que faz fls. 1163 a 1178 dos autos, foi determinada a baixa do processo a este Tribunal da Relação para se proceder a novo julgamento da matéria de facto, por se verificarem contradições na decisão de facto proferida e por insuficiência de averiguação da matéria de facto relevante para a decisão da causa.

  7. Por Acórdão deste Tribunal da Relação de 27 de Outubro de 2011, que faz fls. 1190 a 1214, foi determinada a anulação do julgamento da matéria de facto e o aditamento à Base Instrutória de 3 quesitos (3º-A, 3º-B e 4º-A), com o teor indicado.

  8. Realizou-se nova audiência de discussão e julgamento e foi proferida nova sentença que julgou improcedente a acção e declarou a anulação do contrato-promessa em causa nos autos (não se pronunciando acerca do pedido reconvencional), da qual foi interposto novo recurso, tendo sido determinado por novo Acórdão deste Tribunal da Relação, de 24 de Setembro de 2015, que faz fls. 1363 a 1380 dos autos, “a remessa dos autos à 1ª instância para que o Exmº Julgador, com base nas gravações efectuadas ou se necessário através da repetição da produção de prova e demais prova produzida nos autos, proceda à fundamentação da decisão de facto nos termos acima referidos”, por se entender que existia insuficiência e obscuridade na referida fundamentação, em violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil de 2013.

  9. Após várias vicissitudes, com vista a decidir qual a Senhora Juíza que deveria cumprir o determinado no indicado Acórdão, por decisão proferida em 27 de Maio de 2016, que faz fls. 1423 a 1427 dos autos, o Exm.º Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu o conflito, determinando que era competente para o efeito a actual titular do processo.

  10. Realizada a audiência final, com a renovação de toda a prova, foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 613.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, com a rectificação de lapsos de escrita, constantes no despacho saneador, e seguidamente foi proferida a sentença que faz fls. 1576 a 1637 dos autos, na qual se decidiu: «

    1. Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, declarar resolvido o contrato-promessa referido em 2) dos factos provados celebrado em 26 de Janeiro de 2004 e condenar a Ré … a pagar à Autora … a quantia de € 678.366,00, absolvendo-a do demais peticionado.

    2. Julgar totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, absolver a Autora …. do pedido reconvencional deduzido pela Ré …».

  11. Desta feita, foi a Ré que, inconformada, apresentou recurso de apelação, finalizando a respectiva minuta com prolixas conclusões, as quais, respondendo ao convite de aperfeiçoamento oportunamente formulado pela ora Relatora, sintetizou efectivamente, não ainda nas extensas conclusões novamente apresentadas mas no pedido formulado, nos seguintes termos: «Deverá conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão de facto e substituindo-se por outra em que:

    A) Se julgue a matéria de facto constante das alíneas 8), 13), 14), 15), 16), 17) e 18) dos factos considerados indiciariamente provados como não provada; B) Se julguem provados os factos constantes das alíneas b), c) d) e) g), h), i), j), k), l) o), p), q), r), s) t, u) v) e w), que foram erradamente dados como não provados; Consequentemente, C) Julgar-se procedente, por provado, o presente recurso, absolvendo-se a Recorrente do pagamento da quantia de 678.366,00€ e declarando-se a anulação do contrato promessa de compra e venda por vício da vontade e falta de consciência da declaração da ora recorrente aquando da respectiva assinatura.

    D) Declarar-se a nulidade do contrato promessa de compra e venda por preterição de formalidades legais e essenciais constantes nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do Código Civil.

    E) Declarar-se erro na interpretação e aplicação do Direito por violação do instituto da inaplicabilidade do sinal».

  12. Na alínea E) das conclusões, a Recorrente invocou ainda a nulidade da sentença por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil[5], tendo a Senhora Juíza emitido pronúncia, considerando não se verificar a nulidade arguida.

  13. Não foram...

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