Acórdão nº 3667/19.2T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | VÍTOR SEQUINHO |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 3667/19.2T8FAR.E1 * (…) e (…) instauraram contra (…) e (…) procedimento cautelar comum, pedindo que seja ordenada a manutenção do prédio urbano onde residem na sua posse, com o pleno usufruto do mesmo, até ao trânsito em julgado da acção principal, e que os requeridos sejam obrigados a abster-se da prática de qualquer acto que possa colocar em causa aquela posse e usufruto, designadamente da venda, doação, arrendamento ou oneração, por qualquer forma, do prédio em questão, bem como de procederem ao cancelamento dos contratos de fornecimento de água e luz em vigor. Requereram ainda que as providências descritas sejam decretadas sem audiência prévia dos requeridos. Como fundamento, alegaram, em síntese, o seguinte: 1 – Os requerentes eram proprietários do prédio urbano onde residem desde 15.11.2003; 2 – Esse prédio foi penhorado, em 12.07.2016, no âmbito de uma execução instaurada contra os requerentes; 3 – Os requerentes não tinham dinheiro suficiente para o pagamento dos créditos exequendo e reclamados na execução, cujo montante global era de cerca de € 63.910,00; 4 – O activo dos requerentes era constituído apenas pelo prédio onde residem, que tem o valor patrimonial de € 107.210,00; 5 – Os rendimentos dos requerentes são constituídos apenas pelas suas pensões, que perfazem o montante anual de € 6.080,50; 6 – Os requerentes não conseguiram obter crédito bancário para pagarem as suas dívidas; 7 – Os requerentes tinham o prédio à venda numa imobiliária pelo valor de € 280.000,00; 8 – Neste contexto, os requerentes pediram ajuda aos requeridos, respectivamente seus filho e nora, no sentido de evitarem a venda judicial do prédio e continuarem a residir no mesmo; 9 – Requerentes e requeridos acordaram que os primeiros continuariam a residir no prédio até ao final das suas vidas e, como contrapartida, pagariam aos segundos o valor da prestação do empréstimo bancário que estes contraíssem com vista à compra do prédio; 10 – Em 17.07.2019, os requerentes venderam o prédio aos requeridos, pelo preço de € 65.000,00; 11 – No mesmo acto, os requeridos celebraram um contrato de crédito à habitação mediante o qual obtiveram o empréstimo da quantia de € 58.500,00, pelo prazo de 26 anos, para pagarem o preço do prédio; para garantia do pagamento dessa dívida, foi constituída hipoteca sobre o prédio; 12 – Porém, na realidade, requerentes e requeridos não quiseram fazer uma verdadeira compra e venda do prédio, tendo acordado que este sairia da esfera patrimonial dos primeiros apenas como forma de evitar a sua venda judicial; assim, os requerentes continuariam sempre a usufruir do prédio e a administrá-lo como se continuassem a ser os seus proprietários, pagando as respectivas despesas; 13 – Após a venda do prédio e tal como ficara acordado, os requerentes pagaram aos requeridos os montantes correspondentes às prestações pagas por estes ao banco mutuante; 14 – Assim, através do contrato de compra e venda realizado, requerentes e requeridos, em conluio, enganaram o banco mutuante, levando-o a emprestar, aos segundos, em condições particularmente favoráveis, uma quantia que, na realidade, se destinava ao pagamento das dívidas dos primeiros que estavam a ser exigidas no processo executivo; 15 – Também os credores dos requerentes foram enganados, na medida em que não foi constituído um usufruto sobre o prédio a favor dos requerentes para evitar que esse direito fosse penhorado em eventuais acções de cobrança das suas dívidas; 16 – O contrato de compra e venda celebrado entre requerentes e requeridos é nulo, por simulação, sendo propósito dos primeiros instaurar a correspondente acção judicial; 17 – Em Julho de 2019, desrespeitando o acordado, os requeridos interpelaram os requerentes para abandonarem o prédio no prazo de oito dias; 18 – Em 30.08.2019, os requeridos comunicaram que, se os requerentes não abandonassem o prédio até 30.09.2019, iriam pedir, na qualidade de proprietários, o cancelamento dos contratos de fornecimento de água e electricidade; 19 – No início de Novembro de 2019, os requeridos interpelaram novamente os requerentes para estes lhes entregarem o prédio; 20 – Os requerentes não têm outra casa para residir, ou qualquer pessoa que os possa acolher, pelo que, se forem expulsos do prédio onde residem, ficarão sem um local para viver e guardar os seus pertences; 21 – Se o prédio for entregue aos requeridos, estes poderão proceder de imediato à sua venda ou arrendamento a terceiros; 22 – Daí a necessidade da providência solicitada.
O tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento inicial por entender, em síntese, que, de acordo com a alegação que naquele é feita: 1 – Após a celebração do contrato de compra e venda que os requerentes afirmam ter sido simulado, o direito de que estes são titulares relativamente ao prédio é aquele que decorre de um contrato de comodato, pelo que os requeridos podem exigir-lhes a restituição do mesmo prédio quando entenderem; 2 – Excede os limites da boa-fé os requerentes pretenderem a restituição do prédio quando foram eles, em conluio com os requeridos, que quiseram retirar o mesmo do seu património para que não respondesse pelo...
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