Acórdão nº 65/06.1IDFAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução10 de Março de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Silves, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, por decisão transitada em julgado em 28-9-2012, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art.º pelos art.º 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 1 e 3, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos sob a condição de nesse período proceder ao pagamento à Fazenda Nacional dos montantes em dívida, ou seja, de 187.500,00 €.

Findo o prazo desta suspensão, foi pelo tribunal "a quo" lavrado o seguinte despacho: (…) Decorrido o período da suspensão, foi solicitada informação à Direcção de Finanças de Faro relativamente ao pagamento das quantias em dívida por parte do arguido, a qual informou que durante o período de suspensão da pena (28 de Setembro de 2012 a 28 de Setembro de 2018) não foram efectuados pelo Arguido quaisquer pagamentos voluntários respeitantes a dívida em causa nos presentes autos (folhas 1940 e 2027 e seguintes).

Do relatório social de folhas 2013 e seguintes resulta que o Arguido vive com o seu avô materno de 98 anos e com a filha, uma adolescente de 13 anos numa habitação em Tunes, propriedade do avô. As despesas correntes são asseguradas em grande parte por AA, ainda que o seu avô aufira uma pensão na ordem dos €300.

Mais resulta que a partir de 2011 AA passou a trabalhador por conta d’outrem e durante cerca de quatro anos esteve como vendedor na empresa C…– Construções, Lda com um salário base da ordem dos €550/mês. Desde 2015 que exerce as funções de comercial, mas agora na C… – Construções e Obras Públicas, Lda.

Em 2017 auferiu €7.241 resultantes de um salário base de €580, embora ganhe comissões com base nos negócios que concretiza (comissões essas que não constam do extracto de remunerações – folhas 1963 a 1966).

Em 15 de Novembro de 2018 procedeu-se à audição do Arguido, em consonância com o disposto no artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, de cujas declarações dimana, com relevo para a presente decisão, que não efectuou nenhum pagamento, uma vez que tinha uma casa e uma filha para sustentar, referindo que os rendimentos agrícolas constantes da declaração de IRS pertencem ao avô.

Todavia resulta das facturas juntas aos autos pelo próprio Arguido (folhas 2030 a 2049) que as mesmas foram emitidas em seu nome próprio. Ademais, ressumbra igualmente das declarações de IRS juntas aos autos que o Arguido declarou tais rendimentos, assumindo-os como auferidos por si.

A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena (folhas 2053 e ss.).

Cumpre apreciar e decidir.

Decorrido que está o período de suspensão importa aferir se a pena deve ser declarada extinta ou se existe fundamento para a revogação da suspensão. Dispõe o artigo 14.º do Regime Geral das Infracções Tributárias que: “ 1- A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento da quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.

  1. Na falta de pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode: a) Exigir garantias de cumprimento; b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível; c) Revogar a suspensão da pena de prisão.” Por sua vez, atento o disposto no artigo 3.º da Lei n.º15/2001, de 5/06, que determina serem aplicáveis subsidiariamente quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar, há ainda a considerar que o artigo 55.º do Código Penal, que estabelece: “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta expostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo se suspensão previsto no n.º 5 do art.º 50º.”.

    E ainda o artigo 56.º do Código Penal: “1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

    2- A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”.

    O sentido deste preceito é ainda complementado pelo artigo 495.º Código de Processo Penal referente à falta de cumprimento das condições de suspensão.

    No caso dos presentes autos, está em causa a violação do dever de pagamento dos valores devidos às Finanças descriminados na sentença no período da suspensão da pena aplicada, já que, decorrido aquele prazo, o Arguido não logrou efectuar qualquer pagamento.

    Uma vez que o período da suspensão já se encontra esgotado, mas que a condição fixada não foi cumprida, há, pois, que aferir se esse incumprimento é culposo e, na afirmativa, consoante a gravidade e circunstâncias do mesmo, prorrogar ou revogar a suspensão, conforme determinam os artigos 14.º, n.º 2 do RGIT e 57.º, n.º 2 do Código Penal.

    Na negativa, há que declarar a pena extinta, nos termos do disposto no n.º 1 do citado artigo 57.º do Código Penal.

    Ora, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8.09.2010 [processo n.º 87/02.1TAACN.C2, disponível em www.dgsi.pt] "o que decorre desde logo da conjugação dos referidos preceitos, designadamente tendo em conta a aplicação subsidiária do Código Penal, é a de que só o incumprimento culposo (artigo 55.º Código Penal) da falta de pagamento das prestações tributárias pode conduzir a um prognóstico desfavorável relativamente ao comportamento do arguido." No caso concreto, resulta dos elementos coligidos nos autos que o Arguido não envidou qualquer esforço no sentido de cumprir a condição estabelecida por este Tribunal, dispondo de recurso económicos que lhe permitiam pagar, pelo menos parcialmente, os montantes em dívida.

    Com efeito resulta da documentação junta aos autos, nomeadamente das declarações de IRS do Arguido que: - No ano de 2012 o Arguido declarou como rendimentos de trabalho dependente a quantia de €6.873,60: - No ano de 2013 o Arguido declarou mo rendimentos de trabalho dependente a quantia de €6.144,72 - No ano de 2014 o Arguido declarou como rendimentos de trabalho dependente a quantia de €6.709,72 e como rendimentos empresariais e profissionais (anexo B do IRS) a quantia de €20.812,50 e de encargos a quantia de €7.382,87; - No ano de 2015 o Arguido declarou como rendimentos de trabalho dependente a quantia de €6.526,21 e como rendimentos empresariais e profissionais a quantia de €20.440,93 e de rendimentos prediais a quantia de €401,50.

    - No ano de 2016 o Arguido declarou como rendimentos de trabalho dependente a quantia €6.890, como rendimentos empresariais e profissionais a quantia de €29.080, 45 e de rendimentos prediais a quantia de €600.

    - No ano de 2017 o Arguido declarou como rendimentos de trabalho dependente a quantia de €7.241 (folhas 393) e como rendimentos empresariais e profissionais a quantia de €16.682,70 e de rendimentos prediais a quantia de €950 (folhas 394 a 397).

    O Arguido trabalhou com regularidade no período de cinco anos da suspensão da execução da pena de prisão.

    Dessa sua actividade usufruiu quer de rendimentos de trabalho por conta de outrem, quer de rendimentos por actividade própria, quer de rendimentos prediais.

    Não suportou, nesse mesmo período de cinco anos, encargos superiores ao normalmente assumidos por qualquer outra pessoa com o mesmo nível de rendimentos, sendo que o seu agregado familiar é composto apenas por si, pelo seu avô materno que aufere uma pensão de cerca de €300 mensais, e pela sua filha adolescente de 14 anos, que frequenta o 9 ano da escola de S. Bartolomeu de Messines.

    O Arguido não procedeu ao pagamento de qualquer quantia por conta da quantia que foi fixada como condição para poder beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão.

    Ora, não obstante o Arguido ter rendimentos que lhe permitiam pagar ainda que parcialmente a quantia em dívida à Autoridade Tributária, a verdade é que o Arguido nunca esboçou nos autos qualquer intenção, por mais improvável que fosse de êxito final, no sentido de iniciar o pagamento da condição da suspensão que lhe foi aplicada. Limitou-se a esperar que o período da suspensão decorresse, invocando dificuldades económicas.

    Na verdade, o Arguido não efectuou qualquer pagamento que alterasse os valores em dívida na Autoridade Tributária.

    Com efeito, tal inércia, salvo melhor opinião, representa uma total indiferença do Arguido face à condição objecto da suspensão, revelando pouca preocupação em tentar atingir o seu cumprimento, assim como revela pouca preocupação com as consequências legais da manutenção no seu incumprimento.

    Entende-se, pois, existir culpa na falta de cumprimento do sobredito dever. Pela sua natureza, tal falta faz crer que a mera solene advertência não surtirá qualquer efeito útil.

    Considera-se por assente, assim, a falta de vontade...

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