Acórdão nº 883/05.8TBSLV.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1.

M… e Ma… intentaram a presente acção declarativa de condenação contra A… e E… pedindo a desocupação de parte do prédio de sua propriedade, identificado por Lote 14, bem como a demolição das obras nele implantadas, a demarcação desse prédio com o dos réus, correspondente ao Lote 15, assim como o pagamento de quantia ilíquida a título de indemnização por danos não patrimoniais e a fixação de sanção compulsória, no montante diário de 25,00€.

Em fundamento da sua pretensão, invocaram, em síntese, que os réus, donos do prédio vizinho, ocuparam uma área de 148,5 m2 do seu prédio, ajardinando e edificando uma casa de bomba e arrecadação, bem como um muro delimitando os prédios, estando mal colocados os marcos respectivos, com o que ficou o prédio dos autores a carecer de área suficiente para ali edificarem a sua habitação, e, assim, de organizarem a sua vida, o que os tem agastado e enervado.

  1. Regularmente citados, os RR contestaram alegando não terem ocupado qualquer área do prédio dos AA., e aduzindo que quando compraram o prédio já a casa e o muro estavam construídos, tendo esta construção sido efectuada sem qualquer oposição do dono do loteamento.

    Formularam também pedido reconvencional, impetrando que seja declarada sua qualquer parcela do prédio dos autores por si ocupada, fixando-se o valor do terreno em 3.084,60 €, já que na faixa que os AA. alegam ser sua estão instalados os ramais de água e esgotos, uma arrecadação, jardim, o sistema de rega e o muro delimitador dos lotes.

    Mais deduziram incidente de intervenção acessória requerendo a intervenção dos anteriores proprietários e construtores da casa que adquiriram, J…e R… e requereram a intervenção principal dos proprietários dos lotes 13 e 16.

  2. Os Autores replicaram.

  3. Foi deferida a intervenção acessória de J… e R…, circunscrita "ao apuramento das causas da ocupação, por parte dos réus, da parcela de terreno reivindicado pelos autores", e indeferida a intervenção dos proprietários dos lotes 13 e 16.

  4. Citados, os intervenientes contestaram dizendo, em suma, que nunca ocuparam qualquer parte do prédio dos autores, mas para o caso de assim se demonstrar ter ocorrido, requereram a intervenção da sociedade comercial Q…, LIMITADA, que lhes vendeu o lote e indicou os marcos.

  5. Admitida a intervenção e regularmente citada, a chamada nada disse.

  6. Foi proferido o despacho saneador, seleccionados os factos assentes e fixada a base instrutória, que foram objecto de reclamação, desatendida.

  7. Tendo ocorrido o divórcio dos Réus e a subsequente partilha dos bens, a ré E… adquiriu a totalidade do direito de propriedade sobre o prédio identificado por Lote 15, e foi habilitada no lugar do réu A….

  8. No decurso da audiência de julgamento a Ré deduziu articulado superveniente, que não foi admitido, tendo oportunamente apresentado recurso de agravo.

  9. Em 23.11.2010 foi proferida sentença, julgando improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção, nos seguintes termos: "I - Fixa-se a linha de demarcação entre os lotes 14 e 15 como a paralela à formada pelo muro existente, movida para nascente até libertar 115,7m2 no lote 14; II - Condena-se a ré a demolir o muro existente, bem como todas as construções que fiquem a poente da nova linha de demarcação; III - Fixa-se em 25 euros diários a sanção pelo não cumprimento da ordem de demolição; IV - Absolvem-se os autores do pedido reconvencional e a ré do demais peticionado." 11.

    Inconformada também com esta decisão, a Ré apelou, impetrando a fixação de efeito suspensivo ao recurso[3] e a revogação da sentença, "declarando-se adquirida por acessão industrial imobiliária a faixa de terreno ocupada a mais pela construção da moradia do lote 15 ou se for caso disso do lote 14, mediante o pagamento do seu valor, que se fixará e que houve abuso de direito por parte dos A.A.” Os autores responderam a ambos os recursos.

  10. Por aresto proferido nos autos em 01.03.2012, acordaram os Ilustres Desembargadores que então compunham a conferência[4]: «1. Em negar provimento ao recurso de agravo; 2. Em condenar a recorrente nas custas do agravo; 3. Em conceder provimento parcial à apelação; 4. Em aditar à matéria de facto assente o seguinte facto: “os marcos sempre estiveram onde hoje estão"; 5. Em anular o julgamento quanto à resposta dada ao quesito 3° da base instrutória, que deverá ser de novo respondido em função da resposta dos Srs. peritos ao novo quesito que formulamos no n° 7 deste dispositivo; 6. Em aditar à base instrutória, o seguinte quesito a que o tribunal deverá responder, com eventual e prévia produção de prova se as partes assim o desejarem: "9-A - Aquando da aquisição do lote pelo B…, foi o Sr. Q… quem lho indicou bem como os seus limites?"; 7. Em formular um novo quesito como objecto da perícia, para ser respondido pelos Srs. peritos já nomeados ou outros a nomear e depois de efectuarem, no local, as necessárias medições: "Qual a área actual do lote 15?"; 8. Em revogar a sentença recorrida; 9. Em condenar nas custas da apelação a parte que, a final, for vencida».

  11. Observado em primeira instância o cumprimento do determinado por este Tribunal da Relação, em 07.06.2019 foi novamente proferida sentença, julgando improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção, nos seguintes termos: "I - Fixa-se a linha de demarcação entre os lotes 14 e 15 como a paralela à formada pelo muro existente, movida para nascente até libertar 98,7m2 no lote 14; II - Condena-se a ré a demolir o muro existente, bem como todas as construções que fiquem a poente da nova linha de demarcação; III - Fixa-se em 25 euros diários a sanção pelo não cumprimento da ordem de demolição; IV - Absolvem-se os autores do pedido reconvencional e a ré do demais peticionado." 14. Novamente inconformada, a Ré apelou, finalizando a sua minuta recursória com prolixas conclusões[5] que por não cumprirem o figurino sintético que o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, impõe aos recorrentes, não se reproduzem, reconduzindo-as à pretensão formulada, coincidente com a transcrita em 11. e sintetizando-as nas questões objecto do recurso adiante mencionadas, curando do teor das mesmas no momento da sua apreciação.

    Terminam referindo que «a douta decisão recorrida viola, alem do disposto no Art. 615º n.º 1 alínea b), c) d) do CPC, os Art. 334º e sgs, Art. 829º A, Art.1340º e segs, o Art. 1360º, todos do CC, os Art. 60º e 73º do RGEU e os Art.26º e 65 nº1 - violação da intimidade privada – da Constituição da República Portuguesa».

  12. Os Autores apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso, e recorreram subordinadamente, terminando a sua minuta recursória com as seguintes conclusões: «1- O presente recurso subordinado vem interposto da sentença datada de 07/06/2019, na parte em que a mesma absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos AA. na p.i. sob as alíneas a), b), primeira parte da alínea c) e alínea e) do pedido e fixou as custas a suportar pelos AA. em 1/3.

    2- Constando da matéria de facto dada como provada que: − Os autores, por compra à sociedade Q…, Lda., efetuada em 16.12.2003, são donos de um lote de terreno para construção urbana, denominado lote 14, no Cerro de São Miguel, Silves (alíneas A , B e C da especificação); − A ré é dona do lote de terreno que confronta do poente com o dos autores e que é denominado de lote 15, no qual se encontra construído um edifício, composto de cave, rés-do-chão e 1° andar; e que − O muro que separa os lotes 14 e 15 está implantado no terreno do lote 14, retirando 98,70m2, deste, posto que o lote 15 mede atualmente 690m2.” os pedidos formulados pelos AA. na p.i. sob as alíneas a), b) e primeira parte da alínea c) deviam ter sido julgados procedentes.

    3- Também devia ter sido julgado procedente o pedido formulado pelos AA. na p.i. sob a alínea e), ou seja, a condenação da Ré a pagar aos AA. a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença, pela detenção abusiva que fazem de parte do prédio identificado em 1 da p.i..

    4- O artigo 1305º, do Código Civil, confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa, pelo que, estando os AA. impedidos de fruir o prédio assiste-lhes o direito de formular o correspondente pedido de indemnização como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.

    5- É entendimento pacífico que o ressarcimento não está dependente da prova, em concreto, de prejuízo efetivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso, o que ocorreu.

    6- É esta privação do uso que constitui um dano de natureza patrimonial, indemnizável nos termos do artigo 483º, do Código Civil, estando na inteira disponibilidade da Ré o pôr termo à ocupação que faz de parte do prédio dos AA..

    7- Ao não ter decido pela atribuição da indemnização, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 1305 do Código Civil».

  13. A ré respondeu, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.

  14. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    *****II. O objecto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[6], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, vistas as conclusões das alegações de recurso, principal e subordinado, apresentadas pelos Recorrentes, as questões colocadas, pela sua ordem lógica de apreciação, reconduzem-se às de saber se: i) a sentença recorrida enferma de alguma das invocadas nulidades; ii) a matéria de facto fixada deve ser modificada, concretamente com o...

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