Acórdão nº 1374/12.6TBLGS.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

P. 1374/12.6TBLGS.E2 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) intentou a presente acção declarativa, de processo comum sob a forma ordinária, contra Companhia de Seguros (…), S.A, atualmente denominada, após fusão, Seguradoras (…), S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a título de indemnização as seguintes quantias: € 5.468,07 (despesas), € 500,00 (computador que transportava), € 150.000,00 (danos patrimoniais e biológico), € 20.000,00 (prejuízo pessoal), € 40.000,00 (dano estético), € 30.000,00 (quantum doloris), quantia a apurar (dano futuro), e ainda quantia a apurar com tratamentos médicos futuros decorrentes das lesões sofridas no acidente nos quais se incluem intervenções cirúrgicas, tratamentos médicos, de fisioterapia, medicamentosos e deslocações inerentes.

Para o efeito alegou, em resumo, que em 2009 sofreu acidente de viação causado, na sua perspetiva, pela condutora do veículo com a matrícula 12-(…)-01, relativamente ao qual a R. assumira a responsabilidade de indemnizar terceiros pelos danos que a respetiva circulação causasse. E que, em consequência do acidente, tem sofrido diversas lesões que se manterão e que, como tal, merecem a fixação de uma indemnização.

Devidamente citada veio a R. contestar, alegando que na fase extrajudicial assumira parcialmente a responsabilidade da sua segurada na produção do acidente, posição que veio a alterar-se em virtude do conhecimento superveniente de outros factos relevantes, como o resultado do exame toxicológico realizado ao A. (cfr. fls. 70). Por isso, impugnou a factualidade atinente à forma como o acidente ocorreu e impugnou ainda os danos sofridos pelo A. Acrescentou também que o acidente se deveu a conduta do A., o qual se encontrava sob a influência de substâncias psicotrópicas (cocaína).

O A. apresentou réplica, onde impugnou a nova factualidade alegada pela R., negando que circulasse a mais de 90 km/h ou que estivesse sob o efeito de cocaína, sendo que, a ter sido detectada alguma substância no sangue, a mesma deveu-se aos medicamentos que, entretanto, lhe foram ministrados no hospital onde foi socorrido.

Foi dispensada a realização da audiência preliminar, tendo sido elaborado despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e quesitada na base instrutória a matéria controvertida. com enunciado dos “factos provados” e “base instrutória” – fls. 147.

Entretanto, ao abrigo do D.L. 59/89, de 22/2, foi citado o Instituto da Segurança Social (ISS) que formulou pedido contra a R., tendo esta arguido a ineptidão da referida petição, a qual foi julgada improcedente – fls. 389.

Posteriormente foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, sendo que, no decurso da mesma, o A. apresentou requerimento pedindo a condenação da R. como litigante de má-fé, alegando para tanto que a R., ao longo do processo negocial, assumiu uma posição que depois veio a alterar, revelando ter tido acesso a documentos que também não foram notificados ao A.

De seguida, pela M.ma Juiz “a quo” foi proferida sentença, a qual julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a R. dos pedidos contra si formulados pelo A. e pelo ISS. Mais absolveu a R. do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelo A.

Inconformado com tal decisão dela apelou o A. para este Tribunal Superior, sendo que, por acórdão proferido em 22/2/2018, foi anulada a sentença recorrida, determinando-se a realização de outras provas em nova audiência de julgamento, tendentes à descoberta da verdade material e à justa composição do litígio.

Pela M.ma Juiz “a quo” foi realizada nova audiência de julgamento, de acordo com determinado no aresto supra referido e, posteriormente, veio a ser proferida nova sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a R. dos pedidos contra si formulados pelo A. e pelo ISS. Além disso, absolveu ainda a R. do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelo A.

Novamente inconformado com tal decisão dela apelou o A. para esta Relação, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:

  1. Conforme determinou o tribunal a quo as questões a apreciar e a decidir são as seguintes: tendo em conta a dinâmica do acidente a quem deve ser atribuída a culpa e, sendo de a imputar à condutora do veículo de matrícula 12-(…)-01, quais os danos que o autor sofreu e que devem ser indemnizados.

  2. Na sentença recorrida, foi decidido atribuir a contribuição e culpa do acidente ao Apelante, condutor do ‘(…)’ e autor da presente acção judicial, por considerar que este, que conduzia sob o efeito de cocaína e em excesso de velocidade, não conseguiu prever nem parar o atravessamento na, sua hemifaixa, do veículo (…), decidindo não atribuir qualquer responsabilidade à condutora do veículo ‘(…)’ por tal atravessamento.

  3. O Apelante considera que esta decisão é ilegal e conduziu a uma sentença nula e contrária à lei, sendo objecto do presente recurso.

  4. Acresce que a fundamentação da decisão ora recorrida enferma de vícios que têm origem na errónea interpretação dos factos, valoração da prova e determinação da matéria dada como provada.

  5. No que respeita à matéria de facto dada como provada, não pode o Apelante conformar-se com o vertido nos pontos 5, 6, 10, 12, 13 e 18 da ‘factualidade provada’ – dinâmica do acidente, considerando existir uma má valoração e apreciação da prova.

  6. Relativamente à matéria constante dos pontos 5 e 6, supra identificado, considera o Apelante que em momento algum no decurso do processo, incluindo a audição de testemunhas (revisão de prova gravada) e junção de documentos, ficou demonstrado (i) que o veículo BF se tenha desviado para a esquerda, junto ao eixo da via, para aceder ao caminho do lado esquerdo; (ii) que antes de iniciar a manobra de mudança de direcção à esquerda, tenha abrandado a marcha; (iii) que o caminho dá acesso à localidade de … (que não é uma localidade mas sim ‘… – o nome de um local rural, no plural); (iv) que o veículo (…) não era visível.

  7. Aliás, não se concebe qual foi o critério de apreciação dos meios de prova para considerar provado o facto ‘não sendo visível o veículo matrícula 45-10-(…)’ quando nenhuma testemunha o referiu.

  8. Acrescendo que o que efectivamente consta da base instrutória (art. 6º a 9º Base Instrutória) é completamente diferente do que é mencionado no ponto 5.

  9. O tribunal entendeu desvalorizar o alegado ‘atravessamento’ na faixa contrária e transformá-lo num simples abrandamento para o lado esquerdo, com a intenção de voltar à esquerda, desviando-se para a esquerda.

  10. Note-se que tal nem sequer poderia acontecer numa via que tem apenas uma faixa de rodagem para cada sentido, sendo que o mencionado ‘desvio’ se traduziu no entrar na faixa contrária de súbito.

  11. Nestes termos, deverá ser eliminada a expressão ‘junto ao eixo da via’ do ponto 5 e todo o texto do ponto 6 da factualidade provada os factos, por carecer de prova, não estar quesitado, não constar da base instrutória e a sua inserção na factualidade provada ferir a sentença de nulidade nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

  12. Por outro lado, consta do ponto 10 da factualidade provada que ‘No momento imediatamente anterior ao embate, o veículo matrícula 45-10-(…) circulava a velocidade não apurada mas que não permitiu ao respetivo condutor avistar o “(…)”, que abrandara, e acionar os mecanismos de travagem a tempo de evitar o acidente. Foi imediatamente antes do embate que o autor avistou o “(…)”, a desviar-se para a esquerda, saindo da linha de veículos que seguiam no sentido sul/norte (art. 77.º da base instrutória)’.

  13. Não existe qualquer prova feita neste sentido, sendo desprovido de fundamento probatório a inserção do facto ‘mas que não permitiu ao respetivo condutor avistar o “(…)” e acionar os mecanismos de travagem’, sendo o vocábulo ‘mas‘ resultado de uma consideração e não uma descrição do facto.

  14. Tal como está formulado, parece fazer crer que o Autor/Apelante não conseguiu travar porque vinha em velocidade que não o permitiu fazer, o que não corresponde à verdade – cfr. com depoimento de parte e prova testemunhal.

  15. Assim, deverá ser eliminado do ponto 10.º a parte ‘mas que não permitiu ao respetivo condutor avistar o “(…)” e acionar os mecanismos de travagem’, por não ter sido feita qualquer prova neste sentido.

  16. Com referência à matéria constante dos pontos 12 e 13 da factualidade provada, decidiu o tribunal a quo considerar que o Apelante conduzia o veículo (…) após ter consumido cocaína e sob o efeito desta substância, o que lhe minimizou o tempo de resposta e potenciou a velocidade a que seguia.

  17. Esta decisão baseia-se na existência de uma análise ao sangue tirada na altura em que o Apelante/Autor deu entrada no hospital, imediatamente a seguir ao acidente.

  18. O Apelante negou que no momento do acidente estivesse sob o efeito de qualquer substância psicotrópica, em especial cocaína, alegando que (i) não foram alegados factos (e consequentemente provados) que permitam retirar que o Apelante estivesse incapaz de conduzir ou em estado alterado de consciência; (ii) a análise feita ao sangue do Apelante (quando este deu entrada no hospital) não seguiu os tramites legais, nos termos da Portaria 902-B/2007, de 13 de Abril, pelo que o seu resultado não poderá ser considerado válido como meio de prova.

  19. Este último facto foi corroborado pelo Agente da GNR que efectuou a análise.

  20. Mantendo o Apelante que, mesmo que assim não se entendesse, nunca seria legalmente possível declarar que o Apelante estava a conduzir sob o efeito de cocaína mas apenas possível dar como provado que na altura em que lhe foi feita a colheita apresentava concentração registada de 78 ng/ml de benzoilecgoonina no sangue.

  21. Pelo exposto, não pode constar do ponto 12 da matéria provada ‘Foi realizado ao autor um exame ao sangue – exame de...

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