Acórdão nº 193/21.3GDPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular, que com o nº 193/21.3GDPTM, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz ..., o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido: - AA, casado, reformado, filho de BB e de CC, natural da freguesia ..., concelho ..., nascido em .../.../1957 e residente na Rua ..., ..., ..., em ....

Imputando-lhe a prática, a prática em autoria material e na forma consumada: - De um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal.

O arguido não apresentou contestação nem arrolou testemunhas.

Realizado o julgamento, foi proferida a pertinente sentença, na qual se decidiu: - Absolver o arguido AA, da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal.

(…) Inconformado com esta sentença absolutória, relativamente ao arguido AA, o Ministério Público da mesma interpôs recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida e depositada no dia 12 de Maio de 2022, no âmbito do Processo Comum Singular com o nº 193/21...., que absolveu o arguido da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, do C. Penal, pelos seguintes fundamentos: A. Falta de fundamentação da sentença B. Contradição insanável e erro notório na apreciação da prova C. Incorreta qualificação jurídica – Da nulidade da sentença, por violação falta de fundamentação da sentença: 2. Por se nos afigurar pertinente para a apreciação da decisão, cumpre, antes de mais, relembrar os factos dados como provados e como não provados: (…) 3. Conforme resulta da factualidade dada como provada e como não provada pelo Tribunal a quo, e da motivação da decisão relativa a essa factualidade, que se acabaram de transcrever, verifica-se desde logo, que: - por um lado, o Tribunal não dá como provados ou não provados alguns factos constantes do despacho de acusação proferido nos autos e absolutamente essenciais para a decisão a proferir, não se pronunciando quanto aos mesmos; e - por outro lado, não faz qualquer menção, no segmento da motivação da matéria de facto, aos motivos ou fundamentos pelos quais dá como não provados os factos atinentes ao elemento subjectivo do crime pelo qual o arguido vinha acusado, só sendo possível perceber, pela leitura integral da sentença recorrida, que o Tribunal, num momento posterior - a saber, já em sede de apreciação jurídica dos factos -, entendeu que a ordem proferida pelos Militares da GNR que abordaram o arguido no dia dos factos não era legítima.

  1. Como é sabido, a sentença divide-se em três partes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo (artigo 374º).

  2. A fundamentação é composta pela enumeração dos factos provados e não provados bem como pela exposição completa, mas concisa das razões, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374º, nº 2).

  3. Os factos provados e não provados que devem constar da fundamentação da sentença são todos os factos constantes da acusação e da contestação, os factos não substanciais que tenham resultado da discussão da causa e os factos substanciais resultantes da discussão da causa e aceites nos termos do artigo 359º.

  4. A fundamentação da sentença penal decorre da exigência de total transparência da decisão, desta forma possibilitando aos seus destinatários e à própria comunidade a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador e o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso.

  5. E por isso a lei fulmina com nulidade a sentença que não contenha as menções referidas no nº 2 do artigo 374º, isto é, quando não contenha a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, das razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

  6. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.

  7. O que é essencial é que através da leitura da sentença se perceba por que razão o tribunal decidiu num sentido e não noutro, garantindo-se que a decisão sobre a matéria de facto não foi fruto de capricho arbitrário do julgador ou de mero “palpite”.

  8. Assim, sob pena de nulidade, a sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e dos meios de prova, há-de conter também “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido”.

  9. Como tal, em nosso entender, uma vez que a sentença recorrida não fez constar como provados ou não provados factos constantes da acusação, absolutamente pertinentes e relevantes para a decisão da causa, alterando ainda, sem qualquer fundamento, a descrição de outros, que deu como não provados sem esclarecer ou sequer indicar as razões por que o fez, é a mesma nula, por violação do preceituado nos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a), do CPP, a qual deverá ser conhecida oficiosamente por esse Venerando Tribunal, uma vez que se trata de decisão que põe termo à causa (cfr. artigos 379º, nº 2, e 414º, nº 4, a contrario, ambos do CPP).

    B - Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova 13. Por outro lado, salvo o devido respeito por opinião contrária, consideramos que a sentença recorrida padece também dos vícios de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que alude o artigo 410º, nº 2 al. b), do C. P. Penal, e erro notório na apreciação da prova, a que alude alínea c) do mesmo preceito legal.

  10. Na verdade, existe vício de contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico baseado no texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica uma decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova que fundamentaram a convicção do tribunal - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-99, in Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,1999, III-184.

  11. Por seu turno, o erro notório na apreciação da prova (a que alude o artigo 410º, nº 2, al. c), do C. P. Penal) existe sempre que o juízo formulado revele uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários, de todo insustentáveis. A incongruência há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (cfr., por ex., Acs. STJ, de 27/5/98, in BMJ 477, pág.338, de 9/2/2000, BMJ 494, pág.207, e de 14/10/2001, C.J. ano IX, tomo II, pág.182).

  12. Analisando assim a douta sentença recorrida, vejamos.

    Na douta sentença ora recorrida a Mmª. Juiz a quo deu como não provado o elemento subjectivo do tipo legal do crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, do Código Penal, pelo qual, o arguido AA vinha acusado, nomeadamente: “Pontos 18, 19 e 20” Por outro lado, na douta sentença a Mm.ª Juiz a quo, deu como provados, entre outros, os seguintes factos, que para aqui relevam: (…) 17. Ora, tal como se entendeu no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/09/2018, disponível em www.colectaneadejurisprudencia.com, que seguimos de perto (e ao qual, aliás, já havíamos feito referência em sede de alegações finais proferidas na audiência de julgamento dos presentes autos, se o Tribunal "a quo" deu como provado que: «8. Nesse momento, foi-lhe solicitada a sua identificação, com vista à posterior inquirição na qualidade de testemunha relativamente aos factos noticiados, tendo AA recusado facultar os seus elementos de identificação.

  13. Os identificados militares advertiram-no que se persistisse em tal recusa incorreria na prática de um crime de desobediência.

  14. O arguido compreendeu perfeitamente a ordem que lhe foi dada pelos identificados militares, persistindo na recusa», não pode depois dar como não provado que: 19. Ao actuar da forma descrita, queria o arguido, como conseguiu, desrespeitar a ordem que lhe havia sido legitimamente transmitida pelos militares DD e EE, que se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções.

  15. Agiu de forma livre, consciente e deliberada, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.» 18. Na verdade, tendo em conta a factualidade dada como provada e a fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, é evidente que, ao actuar da forma descrita, queria o arguido, como conseguiu, desrespeitar a ordem que lhe havia sido transmitida pelos militares DD e EE, que se encontravam devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, e que agiu de forma livre, consciente e deliberada, sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.

  16. Por outro lado, também não podia o Tribunal dar como não provado que «a ordem emanada pelos Militares da GNR não foi legítima», porque, tal como entendeu o Douto Aresto do Tribunal da...

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