Acórdão nº 1196/20.0T8BJA.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelCRISTINA DÁ MESQUITA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 1196/20.0T8BJA.E2 (2.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…)-Companhia de Seguros, SA, autora na ação declarativa de condenação que moveu contra (…)-Construções, Lda. e (…), interpôs recurso do despacho-saneador proferido pelo Juízo Central Cível e Criminal de Beja, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o qual julgou verificada a exceção de ilegitimidade processual dos réus e, em consequência, absolveu-os da instância. A decisão sob recurso tem o seguinte teor: «Saneamento: da ilegitimidade processual dos Réus A 1.ª Ré, alegando que por contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º (…), vigente à data do acidente, transferiu para a Companhia de Seguros (…), S.A., a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação envolvendo a retroescavadora em causa nos autos, com a matrícula n.º (…), invocou a ilegitimidade processual passiva. Dado o contraditório ao Autor, este, não impugnando a apólice em causa, respondeu que o sinistro que constitui causa de pedir não se encontra abrangido pelo contrato de seguro obrigatório de responsabilidade automóvel. Cumpre apreciar, tomando em consideração que a responsabilidade civil emergente de acidentes causados pelo veículo supra identificado encontrava-se, à data do acidente, transferida para a Companhia de Seguros (…), S.A. a coberto da apólice n.º (…). *Nos termos do artigo 30.º, n.º 1, do C.P.C., o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. A respeito do que se deve entender por relação controvertida, há que atentar no disposto no n.º 3 do mesmo artigo [na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor], e assim concluir que esta é aferida nos exatos termos configurados pelo autor. O que releva é, pois, a caracterização da relação controvertida alegada. Para o que ora nos interessa, ou seja, no que diretamente concerne ao conhecimento da exceção invocada, a presente demanda consiste na imputação na esfera jurídica dos Réus da responsabilidade civil pela produção de um sinistro que causou danos na esfera jurídica do lesado, a quem se sub-rogou o Autor. E ante o tipo de sinistro alegado, é equacionável a aplicação do artigo 64.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, chamado à colação pelo 1.º Réu, que estatui: «As ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente: a. Só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório; b. Contra a empresa de seguros e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar o limite referido na alínea anterior». O capital mínimo obrigatório aplicável é de € 5.000.000,00 por acidente para os danos corporais e de € 1.000.000,00 por acidente para os danos materiais [artigo 12.º, n.ºs 1 e 2, do referido diploma legal]. Assim, o ponto nevrálgico a apreciar, discutido entre as partes, é a caraterização do acidente em causa. Se de viação ou não. O acidente foi alegado nestes termos: «O 2.º Réu, através da condução da retroescavadora, posicionou-a junto do bordo do talude, para, quando (…) terminasse a selagem das juntas, colocarem, com o auxílio do balde da retroescavadora, a cúpula na caixa de drenagem. Para tal, o 2.º Réu, sentado no posto de comando e virado para a frente da máquina, iniciou a deslocação da mesma, em marcha-atrás, até junto do bordo do talude onde se encontrava a caixa de drenagem e o (…). Após posicionar a máquina, o 2.º Réu rodou o banco do condutor num angulo de 180º, ficando virado para a traseira do equipamento e de frente para os trabalhos que estavam a decorrer. Após posicionar a máquina retroescavadora, o 2.º Réu não activou o travão de mão da mesma nem fez descer as sapatas da máquina. Por não ter sido activado o travão de mão da máquina retroescavadora e por a mesma não se encontrar estabilizada pelas sapatas e ter ficado posicionada muito próximo do talude, a máquina deslizou para dentro da vala onde se situava a caixa de drenagem, tendo entalado (…) contra esta e contra o terreno contíguo. O 2.º Réu, ao posicionar a máquina retroescavadora junto do talude e ao não acionar o travão de mão nem as sapatas da mesma, actuou com manifesta desatenção e falta de cuidado, ainda mais quando esse cuidado deveria ser redobrado sabendo ele que ao seu redor prestava serviço outro trabalhador, o sinistrado. Foi, pois, a aproximação da máquina à berma do desnível que fez com que a retroescavadora deslizasse, atento o peso da mesma e o facto de não se encontrar estabilizada nem com o travão de mão, nem com as sapatas. (…) O 2.º Réu desprezou, assim, os mais elementares deveres de cautela, essenciais à condução prudente de máquinas industriais, não tendo representado que, com a sua conduta, a máquina podia deslizar para a vala da caixa de drenagem e atingir (…). O 2.º Réu não previu, como poderia e deveria fazer, que da sua conduta podia resultar o acidente e a morte de (…), como de facto veio a suceder». A regra base a atender encontra-se no artigo 4.º, n.º 1, do referido diploma, que sob a epígrafe «obrigação de seguro» dispõe: «toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei». E ante a inúmera jurisprudência dos nossos tribunais superiores que já verteram direito sobre situações idênticas, chamando-se particularmente a atenção para o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 17 de dezembro de 2015 [relator Abrantes Geraldes; processo n.º 312/11.8TBRGR.L1.S1; disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais acórdãos citados adiante] podemos ter por critérios seguros a atender na solução dos autos que: Primeiro. Uma retroescavadora matriculada é um veículo ao qual se aplica o regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil decorrente da sua circulação. Quer isto dizer, não é pelo tipo de viatura em causa que a situação dos autos se excluirá à aplicação do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Leia-se diretamente o citado acórdão: a jurisprudência nacional desde há muito vinha admitindo a inclusão no regime do seguro obrigatório não apenas dos acidentes com intervenção dos veículos automóveis a que é dada a comum utilização rodoviária, mas ainda de outros veículos com capacidade de circulação terrestre autónoma, designadamente tratores agrícolas ou industriais, retroescavadoras, bulldozers, cilindros de compactação, empilhadores, dumpers ou outras máquinas. Segundo. A aplicação do regime do seguro obrigatório não fica afastada pelo tipo de via-local em que o acidente ocorre ou pelo tipo de circulação que no momento do acidente se verificava na via. Continuando nas palavras do acórdão: para efeitos de inclusão no regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel relevam acidentes que “podem ocorrer tanto nas vias públicas como nas particulares e, até, em locais não destinados à circulação e que não é o facto de o veículo se encontrar parado que impede que como tal se considerem”. Terceiro. A sujeição do acidente ao regime do seguro obrigatório em causa advirá da interpretação da lei e não das cláusulas contratuais de exclusão eventualmente acordadas com a seguradora. Novamente: a apreciação da responsabilidade da Seguradora deve resultar do confronto direto com a lei do seguro obrigatório e não com o teor do...

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