Acórdão nº 501/01.3TAAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelRIBEIRO MARTINS
Data da Resolução09 de Julho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Criminal da Relação de Coimbra: I- 1- Nos referidos autos de processo comum A … foi absolvido da prática dum crime de desobediência qualificada p. e p. pelo art.º 348/1e 2 do Código Penal e condenado pelo crime de abuso de poder p. e p. pelo art.º 26º/1 da Lei nº34/87 de 16/7 na pena de 6 meses de prisão convertida em igual tempo de multa à taxa diária de €10.

2- O arguido recorre desta sua condenação. E já no decurso do julgamento recorrera dos despachos em que a participante B...

fora admitida como assistente e daquele em que, já no decurso do julgamento, o juiz se recusou a rever tal admissão face aos crimes por que o arguido se encontrava acusado.

2.1- Conclusões no recurso intercalar – 1) A B... em 18/2/2003 requereu a sua constituição como assistente no NUIPC 652/01.4TAAGD que corria no DIAP de Coimbra. Esse inquérito teve inicio numa denúncia efectuada pela secção de S... do partido socialista entregue na PJ, ao qual foi atribuído o n.º 253/01.7JAAVR, onde era denunciado o arguido, então presidente da C.... No âmbito desse inquérito estava em investigação a prática pelo arguido dum crime de peculato.

2) Foi declarada cessada a conexão e ordenada a separação dos inquéritos supra referidos, passando a correr separadamente os dois inquéritos no DIAP de Coimbra – 652/01.4TAAGD e 253/01.JAAVR — e em 20/12/2005 no inquérito 652/01.4TAAGD foi ordenada a extracção e criação dum inquérito autónomo — o que tem o n.º 501/01.3TAAGD, ou seja, os presentes autos onde foi deduzida acusação contra o arguido em 30/04/2006 pela pratica dum crime de desobediência qualificada e ainda dum crime de abuso de poderes.

3) Em 2/5/2003 foi proferido despacho de admissão da assistente no âmbito do inquérito 652/01.4TAAGD, ou seja, cerca dum ano e meio antes de ter sido ordenada a extracção e criação do inquérito autónomo com o n.º 501/01.3TAAGD.

4) Pela denunciante nunca foi requerida a constituição de assistente no processo 501/01.3TAAGD, ou seja, nos presentes autos onde o arguido está acusado da prática dum crime de desobediência qualificada e também dum crime de abuso de poderes.

5) Pelo que a sua admissão como assistente só é válida e eficaz no processo onde foi requerida (652/01) e em mais nenhum processo, até porque por força da conexão os vários processos constituíam um só. E com a cessação da conexão e separação passaram a constituir processos aut6nomos e independentes. Aliás, se se sufragar a tese constante do despacho recorrido de que o despacho a admitir a constituição de assistente proferido no âmbito do inquérito 652/01 é plenamente valido e eficaz para o processo 501/01 onde nunca foi requerida a constituição de assistente, somos confrontados com a realidade de que a B... será assistente no inquérito 652/01onde requereu a sua admissão e onde foi proferido o despacho de admissão e também nestes autos em que o arguido está acusado de crimes diversos [desobediência qualificada e abuso de poderes] e onde nunca foi proferido qualquer despacho a admiti-la como assistente.

6) Tal situação é inadmissível até porque enquanto se verificou a conexão de processos bastava que algum dos crimes referidos nos processos que estavam conexos permitissem a constituição como assistente para que a mesma pudesse ser admitida. Todavia, separados os processos nada impede que sejam analisados se os pressupostos que levaram a admissão dessa constituição como assistente se mantêm para o processo que foi separado e que passou a constituir um processo autónomo. E por maioria de razão essa análise impõe-se quando a separação dos processos ocorre em momento em que nem sequer havia sido deduzida acusação (esta ocorreu a 30/4/2006, decorridos mais de três anos sobre a constituição como assistente requerida a 18/2/2003 e deferida a 2/5/2003 no âmbito doutro processo com este inicialmente conexo) contra o arguido ainda para mais por crimes completamente distintos dos que estava indiciado no outro processo aquando da conexão.

7) Aceitar a posição sustentada no despacho recorrido é concluir que a admissão da constituição como assistente a valida «ad aeternum» apesar de ter sido requerida e proferida noutro processo e que não carece de aferição no caso em concreto, isto é, no processo autónomo que resultou da cessação da conexão e posterior separação de processos. Essa interpretação não tem cabimento nos artigos 68, 29 e 30 do CPP. Além de que não salvaguarda os direitos e garantias do arguido consagrados no artigo 32º da CRP porque esta deixa de poder reagir contra um despacho que foi proferido num processo que não é aquele em que está a ser julgado.

8) Cessada a conexão, a denunciante sempre poderia ter requerido a sua constituição como assistente. Porém não o fez e assim não pode agora ver-se-lhe reconhecida a qualidade de assistente neste processo que nada tem a ver com o processo onde foi admitida a sua intervenção nessa qualidade, onde estavam em causa crimes que não são os que constam da acusação que acabou por ser deduzida no âmbito do processo 501/01.

9) Devia ter sido indeferida a intervenção da B... como assistente nestes autos.

10) No que respeita ao despacho que admitiu a constituição como assistente proferido no processo 652/01e não obstante o que se acabou de referir sobre a sua validade e eficácia no processo que aqui se julga ( 501/01) com todo o respeito por melhor opinião caso seja entendido que o mesmo tem aplicação neste processo, então não podemos deixar de referir que andou mal o juiz ao admitir nestes autos a constituição como assistente requerida pela B….

11) É que aqui não pode ser admitida a requerida constituição porque o arguido vem acusado de ter praticado um crime de desobediência qualificada pp. pelo artigo 348º do Código Penal e dum crime de abuso de poderes pp. pelo artigo 26ºda Lei n. ° 34/87 de 6 de Julho, ambos de natureza pública.

12) O artigo 68/1 alínea a) do CPP ao determinar que podem constituir-se assistentes no processo penal «os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (…)», consagrou um conceito estrito de ofendido. Ofendido será assim a parte particularmente ofendida; o cidadão directo e pessoalmente ofendido.

13) Aliás esta interpretação coincide com o entendimento unânime na doutrina - vide entre outros Prof. Figueiredo Dias, in Processo Penal, vol I, Coimbra Editora, pág. 513 e Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol I, pág. 312 e 313. Este último refere de forma inequívoca que «só se considera ofendido, para efeitos do disposto no artigo 68/1 alínea a) o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime e que, por isso, nem todos os crimes têm ofendido particular, só o tendo aqueles cujo objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular».

14) 0 conceito de ofendido consagrado pelo legislador é assim restritivo e é esse o entendimento que tem sido acolhido pela jurisprudência, podendo-se citar entre outros, acórdão da RC de 29/1/ 1992, C.J. (1992), Tomo I, p. 111 e sgs. onde se lê: «Não é ofendido, para efeitos de constituição de assistente, qualquer pessoa que tenha sido prejudicada com a prática do delito, mas apenas aquele que seja titular do interesse que constitui o objecto jurídico imediato desse delito»; e acórdão da RP de 24/10/1990, BMJ 400, 735.

15) Nos crimes imputados ao arguido o bem jurídico por eles protegido - o interesse público do Estado em que as autoridades e os seus agentes sejam obedecidos nos seus mandatos legítimos ( no crime de desobediência qualificada) e a autoridade e credibilidade da administração do Estado e dos seus funcionários e titulares de cargos políticos ( no crime de abuso de poderes) não pode ser reconduzido a uma titularidade de um particular em concreto. Como refere Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense no crime de desobediência qualificada o «bem jurídico tutelado é a autonomia intencional do Estado».

Quer dizer, o interesse protegido e o interesse público do Estado em que as autoridades e os seus agentes sejam obedecidos nos seus mandatos legítimos e não o interesse das pessoas a quem o acatamento da decisão pudesse aproveitar 16) E no crime de abuso de poderes o bem jurídico tutelado é a autoridade e credibilidade da administração do Estado e dos seus funcionários e titulares de cargos políticos ao ser afectada a imparcialidade e eficácia dos seus serviços e titulares de cargos políticos. Corresponde na sua essência ao princípio fundamental da organização do Estado consagrado na CRP, mais concretamente no artigo 266/2.

17) Pelo que os interesses protegidos no crime de abuso de poderes não são os interesses dos particulares em concreto mas o interesse público em geral, aplicando-se pois os considerandos efectuados em relação ao crime de desobediência.

18) Assim sendo, no caso em concreto a requerente nunca poderá ser considerado ofendida ou lesada. Não são os interesses da requerente que a lei quis proteger com as incriminações em causa.

19) Consequentemente, não deveria o juiz ter admitido a intervenção da B... como assistente nos crimes de desobediência qualificada e de abuso de poderes.

20) A interpretação efectuada pelo tribunal de que no caso terá de se considerar válida a constituição de assistente, viola o artigo 68/1 alínea a) e n.º 3 alínea a) do CPP e é inconstitucional por afrontar o artigo 32°/7 da CRP.

21) Deve ser revogado o despacho recorrido que admitiu a constituição de B... como assistente.

2.2- Conclusões no recurso da sentença – 1) Com base nos depoimentos do arguido, da assistente, das testemunhas D..., E..., F..., G..., H..., I... e J..., conjugados com os documentos juntos aos autos, mais concretamente com:

  1. Os contratos celebrados entre a Câmara Municipal e K… e auto de consignação da obra e de suspensão dos trabalhos pelo dono da obra de fls. 881 a 886 e 889 a 892 dos autos;L…., para reposição de pavimentos a microbetào em arruamentos na...

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