Acórdão nº 124//2000.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução29 de Janeiro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A…., residente na rua da Escola, nº 10, Açores, em Celorico da Beira, instaurou a presente acção de despejo, sob a forma de processo sumário, contra a “B…..”, com sede na Rua ……, na Guarda, pedindo que, na sua procedência, se condene a ré a pagar ao autor as rendas vencidas, até ao momento, no valor global de 390 000$00, bem como as vincendas, durante o decurso da acção, se decrete o despejo imediato do 1º e 2º andares do arrendado, livres e devolutos, de pessoas e bens, com fundamento na falta do pagamento das rendas, ou, caso assim se não entenda, com base no encerramento, há mais de um ano, invocando, para tanto, e, em síntese, que, no dia 22 de Julho de 1998, adquiriu o prédio urbano, sito na Rua ….., na Guarda, composto por rés-do-chão, 1º e 2º andares, sendo certo que os anteriores donos do prédio, no dia 3 de Julho e no dia 24 de Outubro de 1997, deram de arrendamento à ré, para a actividade cultural e associativa do clube, o 1º e 2º andares do referido prédio, contra o pagamento de uma renda mensal, no valor de 35 000$00, pelo 1º andar, e de 30 000$00, pelo 2º andar, respectivamente, que deveria ser paga, até ao dia oito de cada mês.

Porém, continua o autor, a ré, desde o mês de Outubro de 1999, não paga as rendas acordadas, encontrando-se em dívida as rendas vencidas, reportadas aos meses de Outubro a Dezembro de 1999 e Janeiro a Março de 2000, no montante global de 390 000$00, enquanto que, por outro lado, mantém os arrendados encerrados, há mais de um ano.

Na contestação, a ré, na parte que ainda interessa à apreciação do objecto da apelação, impugnou os factos invocados pelo autor, alegando que efectuou o pagamento das rendas devidas, de Outubro até Março, na pessoa do contabilista do autor, tal como vinha antes fazendo, tendo-se o autor recusado a receber as rendas que se venceram, posteriormente.

Na resposta à contestação, o autor conclui como na petição inicial.

No decurso do período de suspensão da instância, resultante da pendência da acção de preferência movida pela ora ré contra o aqui autor, aquela suscitou incidentes vários, através de articulado superveniente e pedido reconvencional, que foram, oportunamente, indeferidos.

Desta decisão, a ré interpôs recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª - Nestes autos, a ré foi citada com data de envio de 30/03/2000; a contestação foi apresentada pela ré em 2 de Maio de 2000, sendo que o prazo para sua dedução terminava um ou dois dias depois; não houve lugar a tréplica, nem motivo para tal.

  1. - Entretanto estes autos estiveram suspensos.

  2. - Após a extinção da causa de suspensão, conforme consta da introdução do articulado superveniente, a ré deduziu-o porque, uma vez que não se realizara ainda audiência preliminar e o autor tinha requerido o despejo imediato da ré, poderia ser proferido despacho saneador a ordenar o despejo imediato, sem a ré ter tido possibilidades de deduzir o articulado superveniente.

  3. - Consta do articulado superveniente que os factos aí alegados ocorreram no final de Agosto de 2000 e daí até hoje. Logo os factos ocorreram posteriormente aos prazos marcados nos artigos precedentes ao artigo 506º do CPC, ou seja: contestação/reconvenção e tréplica.

  4. - De qualquer forma, uma vez que constavam do articulado superveniente algumas frases e expressões que, eventualmente, terão levado o Mº Juiz a considerar que os factos constantes dos articulados supervenientes seriam confundíveis com alguns já alegados na contestação, a ré dentro do espírito de cooperação e celeridade processual, para evitar ter que recorrer do despacho, deduziu um articulado de aperfeiçoamento do anterior, clarificando ainda mais as datas e os factos que ocorreram no final de Agosto de 2000 e depois dessa data até hoje, eliminado expressões e frases que pudessem provocar alguma confusão.

  5. - O autor foi notificado do articulado superveniente de aperfeiçoamento e nada disse. Assim, devem os factos alegados no requerimento de aperfeiçoamento serem considerados imediatamente assentes pois o autor, notificado desses factos, nada disse, devendo os mesmos considerar-se admitidos por acordo (art. 490 do CPC).

  6. - Caso, os factos alegados no requerimento de aperfeiçoamento não sejam considerados imediatamente assentes, deve, pelo menos, o articulado superveniente, melhor redigido com o articulado de aperfeiçoamento, ser admitido.

  7. - Acresce que, ao contrário do que consta do douto despacho recorrido os factos supervenientes alegados constituem uma excepção ao direito do autor.

  8. - Na verdade, o facto de o autor no final de Agosto de 2000, a solicitação da ré, não ter substituído o soalho, que se constatou nessa data que estava em risco de ruir, nem ter permitido que a ré o substituísse; o facto de o autor, pouco tempo depois, ter fechado a água à ré na sequência de uma inundação e não ter feito as obras na canalização de água, solicitadas na altura; e por, mais recentemente, o autor ter mudado as fechaduras do local arrendado, impossibilitando a ré de ter acesso ao local arrendado, configuram a excepção da inadimplência.

  9. - No artigo 1022º do C. Civil define-se locação (arrendamento) como sendo "o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição". Trata-se, como é evidente de um contrato bilateral. A obrigação do locador executa-se através de duas prestações distintas (art.1031 do C. Civil): a de entregar a coisa locada e a de assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina. Ou seja, fica obrigado a realizar as prestações de facere que se mostrem necessárias e sempre que se mostrem necessárias, para assegurar o gozo da coisa. A retribuição, a que se dá o nome de renda, é a contrapartida do gozo da coisa, o que significa que estamos perante um sinalagma, ou seja estamos perante obrigações interdependentes. O artigo 428, nº 1 do C. Civil dispõe que, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. É a chamada excepção da inadimplência.

  10. - Aliás, só quando a ré ficou definitivamente impossibilitada de continuar com a porta aberta por causa do soalho estar em riscos de ruir de que se apercebeu no final de Agosto de 2000, não querendo o autor substituí-lo; e de lhe ter sido fechada a água por parte do autor pouco tempo depois, é que a ré deixou de poder de continuar a pagar as rendas. Pois apesar de já antes o imóvel se apresentar degradado, a ré, enquanto pôde manter as portas abertas, até final de Agosto de 2000, pagou sempre a renda.

  11. - A doutrina e a jurisprudência têm consagrado a excepção da inadimplência como justificativa do incumprimento: "Admitimos, sem hesitações, que o locatário tem a faculdade de invocar, nos termos gerais, a excepção de inadimplência, quando se verifique mero incumprimento parcial da correspectiva obrigação do locador" (in Rev. Leg. Jur. 119, 145) - prof. Almeida e Costa e "A obrigação de pagar a renda, imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa ao locatário" - Profs, P. Lima e A Varela in Cod. Civil Anotado Vol. I, pag. 406.

  12. - Tendo em conta o atrás exposto em que se descreveram sinteticamente os factos supervenientes e a sua pertinência, assim como as razões de direito invocadas, o Mº Juiz, pelas razões que invocou nos despachos recorridos, não podia concluir que o articulado superveniente configura um incidente legalmente inadmissível e que os factos não interessam à boa decisão da causa.

  13. - Quanto ao fundamento do douto despacho recorrido, da não admissão da reconvenção constante do articulado superveniente, porque não foi deduzida com a sua contestação é, com o devido respeito, um fundamento incompreensível. Conforme consta do articulado superveniente, se os factos alegados que fundamentam a reconvenção ocorreram no final de Agosto de 2000 e daí até hoje, logo após a dedução da contestação em 2 de Maio de 2000, era impossível ter alegado tais factos na altura da contestação porque ainda não tinham ocorrido.

  14. - O mesmo acontece com o fundamento da ausência de pedido na contestação. Ora, na contestação a ré não podia formular nenhum pedido pois quando deduzira a contestação ainda não se tinham verificado os factos alegados no requerimento superveniente (que ocorreram no final de Agosto de 2000 e daí até hoje), que levaram a que a ré apenas fechasse o local...

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