Acórdão nº 211/13.9TBFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2014
Magistrado Responsável | CATARINA GON |
Data da Resolução | 18 de Março de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
A...
, residente na Rua (...). Fundão, intentou a presente acção, com processo ordinário, contra B...
, residente na Av. (...), Aveiro, alegando, em suma, que correu termos entre Autor e Ré um processo de divórcio litigioso e um processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal e que neste inventário não foram relacionadas diversas dívidas – que enuncia e descreve na petição inicial – sendo que tais dívidas foram contraídas pelo Autor, no exercício da sua actividade comercial e para ocorrer aos encargos normais da vida familiar do casal, sendo, por isso, da responsabilidade do casal.
Com esses fundamentos – melhor concretizados na petição inicial – conclui pedindo: - O reconhecimento de que todas essas dívidas foram contraídas no proveito comum do casal e seus filhos; - Que a Ré seja condenada a reconhecer esse facto e a suportar metade do respectivo valor, incluindo os respectivos juros de mora, a fixar em execução de sentença.
A Ré contestou, invocando, designadamente, a excepção de caso julgado e alegando, para o efeito, que o Autor já havia relacionado no processo de inventário as dívidas invocadas na presente acção e, na sequência de reclamação apresentada pela ora Ré, foi ali proferida decisão que determinou a eliminação daquele passivo; na sequência dessa decisão – confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação – o Autor apresentou nova relação de bens eliminando aquele passivo, vindo a ser proferida sentença homologatória da partilha que transitou em julgado em 05/11/2009; essa questão não poderá, portanto, ser novamente discutida, sob pena de violar o caso julgado formado com aquela decisão.
Sustenta também que o Autor litiga de má fé, porquanto, além de ter omitido que essa questão já havia sido apreciada no processo de inventário, deduz pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar e que viola uma decisão judicial anteriormente proferida.
Termina pedindo a improcedência da acção e a condenação do Autor, como litigante de má fé, a pagar-lhe uma indemnização de valor não inferior a 12.000,00€.
O Autor respondeu, sustentando a improcedência da excepção invocada e alegando, em suma, que não há – nem pode haver – qualquer identidade de pedido e causa de pedir entre um processo de inventário e uma acção declarativa, cujos objectos são diferentes.
Mais sustenta a improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé.
Findos os articulados, foi realizada audiência preliminar e foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção de caso julgado, absolveu a Ré da instância, tendo sido julgado improcedente o pedido de condenação do Autor por litigância de má fé.
Inconformado com essa decisão, o Autor veio interpor o presente recurso de apelação, enunciando as seguintes conclusões:
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O recorrente, na p. i., formula pedidos que em si são distintos e autónomos dos constantes de um inventário para partilha de bens comuns advindos de um casamento.
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Na realidade, os «pedidos» constantes do processo especial de uma partilha são sempre diferentes daquelas que constam do processo comum, sendo certo que têm processado diferente.
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Alias, no caso vertente do inventário, há uma douta decisão, que transitou em julgado, a qual determina que sejam consideradas as dívidas comuns do casal, mormente as que obrigam o ex-cônjuge esposa.
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Portanto, devem ser apuradas as dívidas que foram contraídas por ambos em nome dos interesses familiares, sobretudo as comerciais e as contraída para os »alimentos» dos dois filhos, aqui se incluindo as feitas com a sua instrução e educação.
A Ré veio apresentar contra-alegações e interpor recurso subordinado relativamente à decisão que julgou improcedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má fé, formulando as seguintes conclusões: I. O autor, com este processo, deduziu pedido com um objetivo manifestamente reprovável, porque pretendia a obtenção de uma nova sentença sobre os factos já discutidos em juízo; II. Por um lado, o autor omitiu que já tinha levantado, na ação nº 302-A/2001, as questões que agora traz ao pleito e que nela foram decididas, com trânsito em julgado; III. Por outro lado, o autor não podia ignorar a falta de fundamento da sua pretensão, uma vez que não podia deixar de saber que as sentenças de 05.06.2006 e de 05.11.2009, ambas transitadas em julgado, já se pronunciaram sobre a relação de bens e a partilha; IV. Por isso, ao intentar esta nova ação, o autor tinha perfeita noção de que estava a desrespeitar decisões judiciais anteriormente exaradas e que claramente decidiram as questões que o autor, aleivosamente, volta a colocar nesta ação; V. Este venerando Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido de condenação por litigância de má fé, num caso semelhante, dizendo o seguinte: "actuando os Apelantes ostensivamente contra um caso julgado, procurando, aliás, obter a sua violação, não poderemos deixar de qualificar negativamente o seu comportamento, que só evidencia desrespeito por uma decisão de um Tribunal, e, em função desta incidência, reafirmar aqui, por inteiramente justa, a condenação dos AA. como litigantes de má fé" (cf. douto acórdão de 12.07.2011, in www.dgsi.pt, proc. 504/10.7TBGRD.C1); VI. O autor não pode impunemente por novas ações e novos recursos, sempre com o mesmo pedido, obrigando a ré a gastar dinheiro e desenvolver esforços no sentido de contestar as pretensões e responder aos recursos que o autor bem sabe não terem fundamento; VII. Reafirma-se que "há litigância de má fé dolosa quando são alegados factos que não correspondem à verdade e quando a acção é usada para se obter o efeito contrário a uma decisão proferida em acção anterior" (cf. Douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02.02.2010, in www.dgsi.pt, proc. 897/07.3TBFND.C1); VIII. Deve, pois, neste aspeto específico, o douto despacho ser revogado e ser o autor condenado em multa por litigar dolosamente, e ainda numa indemnização condigna, não inferior a 12.000 € (doze mil euros), que a ré expressamente pediu na sua contestação, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 456º e no nº 1, alínea a), do artigo 457º, ambos do CPC.
NESTES TERMOS e melhores de direito, cujo douto suprimento se invoca, deve o recurso do autor improceder e proceder o da ré, tudo com as legais consequências.
///// II.
Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações dos Recorrentes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir: • Saber se ocorre ou não a excepção de caso julgado; • Saber se há fundamento para condenar o Autor por litigância de má fé.
///// III.
Com relevância para a decisão a proferir, temos como assentes – por força dos documentos juntos aos autos – os seguintes factos: 1. Correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão um processo de inventário com o nº 302-A/2001, no qual foram intervenientes os aqui Autor e Ré e que tinha em vista a partilha dos bens comuns do casal.
-
Na relação de bens que, na qualidade de cabeça de casal, o Autor apresentou no aludido inventário, foram relacionadas, sob as verbas 257 a 284, as verbas do passivo (dívidas) que são...
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