Acórdão nº 544/10.6TBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | HENRIQUE ANTUNES |
Data da Resolução | 27 de Maio de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório.
M… pediu ao Sr. Juiz de Direito do ano 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, contra G…, Lda., a resolução do contrato de compra e venda celebrado com a última, e a condenação desta a indemnizá-la, em valor a liquidar em execução de sentença, referente aos pagamentos de consumo de electricidade excessivos que se viu obrigada a pagar à EDP em virtude do deficiente funcionamento do sistema de aquecimento.
Fundamentou estas pretensões no facto de, nos finais de 2006, haverem acordado na compra e venda de um sistema de aquecimento central, a instalar pela ré num casa que a autora estava a construir, sistema cuja montagem foi concluída em Maio de 2007, de, segundo os cálculos efectuadas pela ré, apresentados à autora com a respectiva demonstração, o sistema absorveria uma potência de 4.130 W, o que correspondia a 0,40 W/H, significando um gasto médio mensal de € 120,00, estimativas que foram determinantes e essenciais para a formação da sua vontade em contratar, tendo o termoacumulador, as placas solares e o bloco termodinâmico uma garantia de 3, 5 e 2 anos, respectivamente, de logo após a instalação do equipamento, se verificar, nas zonas da casa, uma grande disparidade de temperaturas, verificando-se nuns quartos 16º e noutros 24º, tendo os consumos de energia disparado para € 1.380,00 bimensais, de o técnico da EDP, chamado por sugestão da ré, na sequência de reclamação da autora, assegurado que não existia qualquer avaria eléctrica susceptível de provocar consumos exorbitantes, pelo que o problema poderia estar no bloco termodinâmico e no termoacumulador, de a ré não ter aceitado nova reclamação, por o bloco ter sido fornecido por L…, pelo que deveria contactar directamente a última, de ter verificado, no contador que mandou instalar no bloco que em 5 dias havia um consumo de 728 KW, tendo a ré, a quem comunicou este resultado, respondido que não se responsabilizava por qualquer anomalia do sistema, devendo apresentar a reclamação directamente à representante da “Energie”, a L…, de ter dirigida a esta um carta, na sequência da qual um técnico da “Energie”, que compareceu na sua causa, lhe assegurou que o problema se prendia com o reduzido número de irradiadores que a ré havia colocado, pelo deveria ser esta a responsabilizar-se pelo problema, e de, por a última, instada extrajudicialmente nada ter feito, a ter feito notificar, judicial e avulsamente, no dia 11 de Dezembro de 2009, para no prazo máximo de 15 dias, proceder à eliminação dos defeitos do sistema, procedendo à montagem do número de irradiadores necessários e suficientes para garantir a climatização total do imóvel à temperatura desejada, não tendo, porém, a ré, procedido à eliminação de qualquer defeito, recusando-se a fazê-lo.
A ré G…, Lda., defendeu-se por excepção dilatória, invocando a sua ilegitimidade ad causam, e por impugnação, negando a veracidade dos factos alegados pela autora como causa petendi, e requereu a intervenção principal de L…, Lda., fornecedora do sistema Ener 24 – termoacumulador, placas solares e bloco termodinâmico.
Admitido, apesar da oposição da autora, o chamamento, a interveniente, ofereceu articulado de contestação, no qual se defendeu por excepção peremptória, alegando caducidade da acção, por a sua intervenção ter sido pedida pela ré cerca três anos e seis meses após ter vendido o equipamento à autora, por excepção dilatória, invocando, sua legitimidade ad causam, por não ter vendido nem instalado qualquer tipo de equipamento à autora, nem celebrado com esta qualquer tipo de negócio, e nem a autora nem a ré referirem qualquer defeito de fabrico do equipamento instalado, e por impugnação, afirmando desconhecer os factos alegados pela demandante.
No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade ad causam invocada pela ré, G…, Lda. – mas omitiu-se, por inteiro, a apreciação, dessa mesma excepção dilatória alegada pela interveniente – e relegou-se para final o conhecimento da excepção peremptória da caducidade invocada pela última.
Dispensada a selecção da matéria de facto e realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa – com fundamento em que a autora não consegui provar a alegada existência de um defeito do aquecimento em causa, tendo ficado por apurar, designadamente, a causa do alegado deficiente funcionamento do aquecimento, não tendo sido possível determinar se o mesmo se ficou a dever a um qualquer erro de cálculo da G…, Lda., no n.º de irradiadores a instalar (como alegado pela autora), na falta de adequação do equipamento escolhido, ou mesmo a factores exógenos a tal equipamento, como sejam condições do local a aquecer ou mesmo facto de a temperatura pretendida ser desadequada ao equipamento escolhido – julgou prejudicado o conhecimento da excepção da caducidade alegada e a acção totalmente improcedente, e absolveu a ré, G…, Lda., e a chamada, L…, Lda., dos pedidos.
É esta sentença que a autora impugna no recurso – no qual pede a sua revogação – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: … Nas respostas ao recurso – oferecidas depois de ele já admitido – as apeladas[1] concluíram, naturalmente, pela sua improcedência.
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Factos provados.
O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: … 3.
Fundamentos.
3.1.
Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
No direito português, o recurso ordinário visa, como regra, a reapreciação da decisão proferida, no contexto dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido, no momento do seu proferimento. O sistema obedece, portanto, ao esquema do recurso de reponderação: o recurso tem por objecto a decisão impugnada e – com ressalva da possibilidade de apreciação de qualquer matéria de conhecimento oficioso - o tribunal ad quem limita a sua actividade ao controlo dessa decisão, não se admitindo, na instância de recurso, como regra, a alegação de factos ou a formulação de pedidos novos, i.e., a produção, na instância de recurso, de um efeito jurídico novo. O recurso é concebido como um meio de impugnação da decisão e não de julgamento de questões novas.
Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados em 2ª instância por acordo das partes – hipótese mais que rara – isso significa que o recurso de apelação visa reapreciar o pedido formulado na 1ª instância - com a matéria de facto nele alegada (artºs 372 do CPC de 1961 e 265 do NCPC).
A recorrente, na petição inicial, com fundamento em que concluiu com a apelada G…, Lda. um contrato de compra e venda de um sistema de aquecimento central e que a última lhe prestou um equipamento defeituoso, faltando culposamente à sua obrigação, pediu a resolução daquele contrato de troca – com a consequente restituição do preço - e a condenação daquela apelada a indemnizá-la, em quantia a liquidar ulteriormente, por virtude das quantias que despendeu com consumos excessivos de energia eléctrica.
Como a sentença impugnada lhe desamparou qualquer dessas pretensões, a recorrente ordenada, pelo propósito de garantir a sua revogação, desmultiplicou os fundamentos, tanto do pedido de resolução, como do pedido de indemnização Assim, para o pedido de resolução do contrato, a recorrente invoca, na sua alegação do recurso, também o erro sobre os motivos determinantes em contratar e, para o de indemnização, igualmente a culpa in contraendo.
Simplesmente, nenhuma destas questões foi suscitada ou colocada na instância recorrida, pelo que esta Relação não pode ser agora chamada a pronunciar-se sobre elas.
De resto, ainda que qualquer destas questões constituísse objecto admissível do recurso, elas sempre estariam longe de garantir à apelante a procedência dele.
De forma deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o erro-vício consiste na ignorância ou na falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo entre os motivos da declaração negocial.
Mas só há erro quando falta um elemento ou a representação está em desacordo com a realidade existente no momento da formação do negócio jurídico. Se o caso consiste na falsa representação de uma realidade futura, que se não se chega a verificar, o caso - muitas vezes impropriamente chamado de error in futurum - não é de erro, mas de falsa ou deficiente previsão (artº 437 do Código Civil).
O erro tem de respeitar a circunstâncias passadas ou presentes. Quando respeita a circunstâncias ou factos futuros, não há qualquer erro em sentido técnico-jurídico, dado que se não desconhece a realidade nem se faz dela uma falsa ou deficiente representação – e só nesse caso é que haverá erro, é que a vontade estará viciada por ele.
E face à consagração clara deste último instituto, não se mostra necessário recorrer actualmente ao error in futurum: uma deficiente previsão do evoluir das circunstâncias – um error in futurum – releva se, e na medida, em que se verifique os requisitos da alteração das circunstâncias; não é um caso de erro nem tem autonomia em face do instituto apontado.
O parecer de que o erro se reporta ao presente ou ao passado, ao passo que a pressuposição se refere ao futuro corresponde, aliás, à doutrina dominante[2]. E a afirmação de que o erro tem a ver com ignorância ou falsa representação da realidade, portanto, de factos ou circunstâncias já ocorridas, no passado ou no presente, e de que, por sua vez, a pressuposição se reporta ao futuro, tendo a ver com a convicção determinante, da vontade de contratar, de que as circunstâncias se manterão no futuro ou evoluirão em certo sentido ou de certa maneira...
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