Acórdão nº 4343/10.7 TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A..., casado, residente na ..., em Coimbra, veio instaurar contra B...

    , solteira, maior, residente na ..., Coimbra, acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final seja declarado resolvido o contrato de arrendamento tendo por objecto a fracção que identifica e que foi transmitido para a ré, e esta condenada a despejar de imediato o locado ou, quando assim se não entenda, deverá ser considerado denunciado o mesmo contrato nos termos do disposto na al. a) do art.º 1101.º e art.º 1103.º, n.º 1 do C. Civil e, consequentemente, a ré igualmente condenada a proceder à entrega do locado no termo do contrato, ou seja, no dia 30 de Setembro do ano de 2011.

    Em fundamento alegou, em síntese útil, que é o dono do prédio que identifica no art.º 1.º da petição inicial, sito em Coimbra, por lhe ter sido adjudicado em partilha a que se procedeu por óbito de sua irmã, D....

    Mediante contrato celebrado em 5 de Setembro de 1996, que as partes reduziram a escrito, a referida irmã do ora Autor deu de arrendamento a E...

    , para habitação deste, a fracção correspondente ao primeiro andar direito e garagem do aludido prédio. Dado o falecimento do arrendatário, o arrendamento transmitiu-se à sua mulher, F...

    a qual, segundo chegou ao conhecimento do demandante, faleceu em 15/12/2009, data a partir da qual deixou o arrendado de ser habitado. Na verdade, e tendo-se embora o arrendamento transmitido para a ré, que com a mãe residia à data da morte, sendo aquela portadora de deficiência que lhe acarreta incapacidade permanente que obsta à sua suficiência, após o decesso da progenitora passou a viver na J..., sita na morada identificada no cabeçalho.

    Acresce que o Autor tem uma filha solteira, a qual reside numa casa arrendada na cidade de Coimbra, pagando uma renda no valor de € 350,00 mensais que, atendendo aos seus parcos rendimentos, só tem conseguido suportar com o auxílio do demandante seu pai, com o que se verifica uma situação de necessidade para habitação própria de descendente em 1.º grau, que é causa legalmente prevista para a denúncia.

    Deste modo, quer porque lhe assiste o direito de resolver o contrato ao abrigo do disposto no art.º 1083.º, n.º 2, al. d) do Código Civil, quer porque tem o direito de o denunciar, pretensão que encontra acolhimento no preceituado na al. a) do artigo 1101.º e art.º 1103º, n.º 1 do mesmo diploma legal, deve o contrato ser julgado resolvido ou, quando assim se não entenda, validamente denunciado e a ré condenada a entregar o locado ao demandante, livre e devoluto.

    * Regularmente citada na pessoa da curadora "ad litem" que lhe foi nomeada (sua irmã G...

    ), a ré veio contestar, o que fez nos seguintes termos: Em sede exceptiva, pugnou pela inaplicabilidade ao contrato ajuizado do normativo que, inovadoramente, veio instituir a possibilidade de denúncia do arrendamento com fundamento na necessidade de descendente em 1.º grau do senhorio. Numa outra via de ataque à pretensão deduzida, alegou que só por motivo de força maior, decorrente do seu estado de saúde, se viu obrigada a passar a residir no centro de acolhimento identificado, sendo certo que mantém no arrendado muitos dos seus objectos pessoais, aí se deslocando regularmente, uma vez que é nesse local, onde sempre viveu, que se sente segura e confortável, aí continuando a ter o centro da sua vida familiar. Conclui pela improcedência da acção.

    * Foi então proferido despacho saneador, no qual se julgou desde logo improcedente o pedido de denúncia do contrato, tendo os autos prosseguido apenas para apreciação do fundamento resolutivo, com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória. Daquela primeira peça reclamou a ré vindo a ser determinada, em consequência, a rectificação da al. A).

    Teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal proferido decisão sobre a matéria de facto sem reclamação das partes após o que, na devida oportunidade, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a ré do pedido contra ela formulado.

    Irresignado, interpôs o autor o presente recurso e, tendo apresentado as suas alegações, delas extraiu as seguintes conclusões, que se transcrevem integralmente: “1.ª- Na mui douta sentença fez-se uma errada apreciação da matéria dada como provada, estando a sua fundamentação em oposição à mesma; 2.ª- A causa de pedir na situação “sub judice” alicerça-se, fundamentalmente, no não uso do arrendado pela Ré, ora apelada, por mais de um ano, aferido desde o óbito da sua progenitora (15/12/2009).

    3.ª - A referida matéria dada como provada, embora contendo algumas contradições e imprecisões, como acontece, nomeadamente, com os seus pontos 11, 12 e 16, certo é que da conjugação de toda ela, resulta que a Ré deixou de ter a sua residência instalada no arrendado não só desde Junho de 2010, mas sim, desde o óbito da sua progenitora, ou seja, desde 15/12/2009, verificando-se assim, desde tal data o não uso do locado, por parte da Ré.

    Para prova do referido não uso, contribui, sem dúvida, a matéria que foi dada como provada, nomeadamente, a doença de que é portadora e respectivo grau de incapacidade, de que resulta a ausência de auto-suficiência e consequentemente, a impossibilidade de viver sozinha, pois, necessita de ser acompanhada por qualquer dos irmãos, residindo estes e trabalhando, todos, fora de Coimbra; 4.ª- Verifica-se assim, uma evidente contradição entre a mui douta decisão e a matéria de facto dada como provada; Porém, sem prescindir, acresce dizer que, 5.ª- Tal não uso, desde o óbito da mãe da Ré (15/12/2009) até à entrada em Juízo da respectiva acção (28/12/2010), ou seja, durante mais de um ano, resulta suficientemente provado, através dos depoimento das testemunhas da Ré, H...

    , sua irmã e de I...

    , cujos depoimentos não foram devidamente valorados; Pelo que, 6.ª- Reapreciada que seja, a prova produzida em Audiência de julgamento o que ora se requer, deve mui doutamente ser considerado provado que a Ré deixou de habitar o locado a partir do óbito da sua mãe, e como tal, há mais de um ano; 7.ª- Tal facto constitui a violação por parte da Ré a obrigação lhe é imposta pelo art.º 1072.º, n.º 1, em consonância com o estipulado no artigo 1083.º, n.º 2, al. d), ambos do Código Civil, ou seja, de usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano; Ainda, e sem prescindir, 8.ª - O facto da actual alínea d) do n.º 2 do art.º 1083.º do Código Civil ser aparentemente menos específica que as alíneas h) e i) do artigo 64.º do antigo RAU, não significa que os anteriores fundamentos de resolução tenham sido eliminados.

    1. - Os fundamentos de resolução – encerramento, local desabitado ou falta de residência permanente – previstos nesta alínea terão de ser articulados com a redacção do corpo do nº 2 do referido preceito legal, quando não ocorram há mais de um ano.

      Assim, 10.ª - Quando uma dessas situações, antes previstas no RAU, se verifiquem há mais de um ano, serão fundamento de resolução nos termos da alínea d) do artigo 1083.º do C. Civil. Porém, caso tais situações não durem há mais de um ano, mas, ainda assim, forem graves, ou não o sendo, tenham consequências que tornem inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento – como acontece no caso “sub júdice" - podem contudo fundamentar a resolução do contrato, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal.

    2. - Daí a referência do artigo 14.º, n.º 2 à falta de residência permanente do NRAU: “ Quando o pedido de despejo tiver por fundamento a falta de residência permanente do arrendatário “.

    3. - Veja-se, neste sentido, a título de exemplo, o mui douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-06-2011 (Proc. n.º 1491/04.6 PCAMD.L 1–1) in www.dgsi.pt, onde sumária e expressamente consta : “ Nos termos do artigo 1083º do Código Civil (na redacção vigente introduzida pela Lei nº 6/2006 de 27/02), o senhorio pode resolver o contrato quando o inquilino não use o locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no art.º 1072 n.º 2 do Código Civil e, tratando-se, no caso “sub Júdice” de um arrendamento para a habitação, o não uso do locado não pode deixar de corresponder à falta de residência permanente anteriormente prevista no artigo 64.º, n.º 1 al. i) do extinto RAU, como causa de resolução do contrato de arrendamento.

      Só com esta equiparação de conceitos se compreende que no art.º 14.º, n.º 2 do NRAU se preveja que o pedido de despejo pode ter por...

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