Acórdão nº 1263/08.9TBILH.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I A...

L.

da[1] instaurou, na comarca de Ílhavo[2], a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B...

e mulher C...

, pedindo que seja: a) declarada a nulidade do contrato de trespasse celebrado entre a autora e réus, por facto exclusivamente imputável a estes, em virtude do contrato de arrendamento que legitimava a ocupação do imóvel onde se mantinha instalado o estabelecimento trespassado ter sido resolvido em acção judicial intentada pelo seu proprietário contra os ora réus, com fundamento na violação do contrato de arrendamento por parte destes, com todas as legais e demais consequências; Subsidiariamente, e sem prescindir, caso assim se não entenda, seja: b) declarada a nulidade do contrato de trespasse celebrado entre a autora e réus, com fundamento no vício da vontade da Autora na formação da declaração negocial, pelos fundamentos supra alegados.

E, consequentemente, em qualquer dos casos: c.1) serem os réus condenados na obrigação solidária de restituírem à autora a quantia de € 25 000,00 que esta lhes pagou a título do preço do trespasse anulado; c.2) condenarem-se os réus na obrigação solidária de indemnizarem a autora por todos os danos patrimoniais para ela emergentes da celebração do contrato, no montante global de € 139 793,11, resultantes da proveniência supra alegada.

Alega, em síntese, que os réus não cumpriram as obrigações decorrentes do contrato de trespasse que celebraram consigo, a 14 de Julho de 2004, na medida em que não o comunicaram ao senhorio, como estavam obrigados a fazer, o que motivou a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo, por força de decisão judicial transitada em julgado, impossibilitando-a de prosseguir a sua actividade, o que lhe causou diversos prejuízos, que descrimina. Mais alega que é nulo o contrato de trespasse celebrado com os réus.

Os réus contestaram começando por deduzir a excepção de caducidade do direito da autora de invocar a nulidade do negócio bem como a prescrição da responsabilidade pré-contratual e dizendo ainda, em suma, que a resolução do contrato de arrendamento e o despejo do estabelecimento foram decretados exclusivamente pelo facto de a autora não ter comunicado o trespasse ao senhorio, como se havia comprometido aquando das negociações entre ambas as partes.

A autora replicou, pronunciando-se pela improcedência das excepções suscitadas pelos réus.

Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu: "Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e consequentemente condenar os réus a pagarem à autora a quantia de 47.500,00 € (quarenta e sete mil e quinhentos euros), absolvendo-os dos demais pedidos.

" Inconformados com tal decisão, os réus dela interpuseram recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: I. Por referência ao disposto no Art.º 809.º do CC, qualquer dos direitos facultados nas divisões anteriores e que são, conforme as circunstâncias, o pedir o cumprimento da obrigação, a indemnização de prejuízo, a resolução do negócio, pode ser renunciado depois do não cumprimento ou da mora os quais só ocorrem após a interpelação.

  1. Por carta junta como Doc.º n.º 3 com a P.I., datada de 14.08.2007 e recebida pelos RR., a A. interpelou os RR. deles reclamando o pagamento das indemnizações posteriormente reclamadas nestes autos, pelo que, para além dessa interpelação extrajudicial ocorreu interpelação judicial através da presente acção para o qual aqueles foram citados em 29.10.2008.

  2. Posteriormente, 12.06.2009, já na pendência da presente acção a sociedade A. foi dissolvida e liquidada por deliberação unânime dos sócios ocorrendo o registo definitivo das contas nessa mesma data, tendo estes consignado a inexistência de qualquer activo e passivo, bem sabendo do crédito reclamado nos presentes autos e já anteriormente existente aquando da interpelação em 2007, não se tratando pois de um crédito superveniente.

  3. Assim, à data da dissolução e liquidação imediata da sociedade, pelo que da sua extinção, a deliberação unânime os sócios da A. declarando inexistir qualquer activo ou passivo e porque ocorrera já anteriormente a interpelação dos RR., extrajudicial e judicialmente, traduz um acto abdicativo ou de renúncia aos créditos reclamados, o que determina a sua absolvição do pedido.

  4. Sem prescindir e para a hipótese de assim se não considerar, os RR. insurgem-se quanto à repercussão em termos dos apurados danos ou prejuízos causados e valores em que foram condenados, já que por conta do responsável devem ocorrer apenas os danos causados pelo facto e os danos resultantes do facto (Art.ºs 798.º, 804.º n.º 1, 807.º n.º 1, 483.º n.º 1 do CC. ) e já não todos os danos cronologicamente sobrevindos ao facto, não bastando a relação ilícita do acto de outrem para que surja o dever de indemnizar, sendo necessário que exista dano, condição sem a qual não existe responsabilidade civil.

  5. Por outro lado a indemnização em dinheiro deverá traduzir uma quantia equivalente ao montante dos danos, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos (Art.º 566.º do CC.), ou seja, o dano patrimonial mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o dano deixou o lesado, e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse a lesão.

  6. A Sentença recorrida condenou os Recorrente no pagamento à A. do mesmo valor que esta tinha suportado pelo trespasse, considerando que ao ser privada do estabelecimento comercial objecto do contrato de trespasse, ficou naturalmente aquela prejudicada em, pelo menos, idêntico valor, pois deixou de ter esse bem (direito) que é susceptível de transacção comercial; assistindo pois o direito à devolução do montante pago pelo trespasse do estabelecimento comercial “. Ora, VIII. Não resulta dos autos qualquer elemento, e muito menos da factualidade provada, que sustente, em concreto, que a susceptibilidade de transacção comercial do aludido direito pudesse ocorrer pelo mesmo montante, ou qualquer critério aferidor para a sua valorização futura pelo mesmo montante anteriormente dispendido a esse título.

  7. O trespasse inclui, para além do direito ou arrendamento a transmissão de todo um conjunto de bens, direitos e expectativas, designadamente de clientela, etc. havendo que dissociar o que constitui, por um lado, o chamado “ direito à chave “ e custo inerente, e por outro lado o conjunto de bens e direitos corpóreos e incorpóreos que foram transmitidos com a abrangência consignada na al. Q) dos factos assentes, sendo que, quando abandonou o estabelecimento em 12.05.2008 (al. O) dos factos assentes), a A. levou consigo todos os bens e recheio desconhecendo-se, assim, qual a mercadoria entretanto comercializado ou o seu valor inicial e final, qual o mobiliário e outro recheio levado e qual o seu valor inicial ou final, ou qual o valor do estabelecimento em termos de recheio e clientela aquando da desocupação.

  8. Por outro lado, o estabelecimento em causa foi “adquirido” essencialmente para a prossecução de actividade comercial concreta, a coberto de um contrato de franchising, celebrado com a duração de 5 anos e intuito personae, não resultando da prova qualquer elemento que permitisse também concluir pela sua renovação, sendo certo que, como resulta da Cláusula Primeira n.ºs 2. e 3. desse contrato, mantendo-se o mesmo em vigor qualquer expectativa, designadamente em termos de trespasse do estabelecimento por parte do franchisado estaria sempre dependente de autorização, que também não se pode presumir, do franchisador sob pena de resolução contratual ou de inviabilidade do próprio trespasse.

  9. Mas ainda que, por hipótese de raciocínio, tal contrato de franchising entretanto cessasse e a A. pretendesse manter-se no local com o exercício de qualquer outra actividade, o que também não resulta apurado, não há qualquer elemento ou facto provado que permita concluir que o bem em causa, abstractamente susceptível de transacção comercial, o fosse concretamente pelo mesmo montante que a A. despendeu.

  10. Nesta parte entende-se não ser possível sequer o recurso ao disposto no Art.º 566.º n.º 3 do CC., já que este, para ser aplicado, exige-se que sejam alegados factos que permitam ao Tribunal formular um juízo de equidade para fixar o valor dos danos, nem ser possível tal matéria ser relegada para execução de sentença por não se ter provado o dano eventualmente sofrido, devendo, pois, nessa parte, os RR. ser absolvidos.

  11. O direito de entrada é considerado como uma taxa de franchising cobrada à cabeça (initial fees) através da qual o franchisado adquire o direito ao uso de uma marca, o know-how inerente e à assistência necessária à prossecução do interesse subjacente, sendo algo reportado à execução de um contrato de franchising em função do direito ao uso de uma marca por isso consumível com/pelo proveito da comercialização de produtos com tal marca, num determinado período temporal que se esgota com a própria execução do contrato e daí que não seja restituível.

  12. No caso - e apenas isso é certo - tal “taxa de franchising“ foi cobrada em contrapartida pelo exercício de tal direito pelo prazo contratualmente estipulado de 5 anos, não sendo lícito concluir que a A. atingisse a facturação contratualmente estipulada para a renovação do contrato, ou que esta, ainda assim ocorreria e em que termos; Nada se sabe a esse propósito porque nem alegado foi nem ficou provado algo a esse respeito.

  13. Assim, à luz do referido contrato, certo é apenas que a A. esteve na exploração do estabelecimento durante praticamente 4 anos no âmbito de um contrato de...

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