Acórdão nº 2634/16.2T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1.

G..., S.A.

, com sede em ..., intentou acção declarativa contra O..., LDA, com sede em ..., pedindo que a mesma seja condenada a pagar à autora a quantia de 411.301,15 €, acrescida de juros à taxa supletiva de 7,05% e vincendos desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que pagou ao seu segurado aquela quantia no âmbito de um contrato de seguro, em consequência de sinistro na moradia do mesmo, sendo que os danos sofridos na moradia não resultaram de causa natural ou fortuita, mas da violação grave e grosseira das regras de construção a que a ré se encontrava legal e contratualmente obrigada (art. 1208º do CC). Em consequência, nos termos do artigo 136º da Lei do Contrato de Seguros (LCS) – DL 72/2008, de 16.4 –, ficou sub-rogada em todos os direitos que assistiam ao segurado perante a empreiteira, ora ré. Sem prescindir, entende que a conduta da ré a fez incorrer em responsabilidade civil extracontratual perante o dono da obra, seu segurado, (art. 483º do CC), e ao qual a autora se sub-rogou.

A ré contestou, arguindo a ineptidão da petição. Mais alegou que apenas tomou de empreitada a fase de tosco da obra segundo um projecto de arquitectura, estabilidade e implantação já previamente elaborado e solicitado pelo dono da obra a terceiro. Impugnou os factos referente a deficiente execução da obra e invocou a caducidade do direito alegado.

A ré pediu a intervenção provocada da sociedade E... Limited (Sucursal em Portugal), que foi admitida como parte acessória. Posteriormente a autora pediu a intervenção provocada da mesma firma como parte principal passiva, o que foi admitido. A dita empresa não contestou.

A A. respondeu, e no que respeita à invocada caducidade pugnou pela sua improcedência, além de a mesma não ser aplicável na responsabilidade extracontratual que também invocou. Foi julgada improcedente a arguição de nulidade por ineptidão da p.i.

* Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu as RR do pedido.

* 2. A A. recorreu, formulando as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida não especifica, de forma discriminada ou por remissão para os respectivos articulados, todos os factos que considera como não provados.

  1. E muito menos faz a análise crítica das provas produzidas nos autos que levou a considera-los (pelo menos por omissão) como não provados.

  2. O que, para além do mais, impossibilita a Ré de compreender o juízo crítico da prova produzida que levou a que os mesmos não fossem dados como provados.

  3. A sentença proferida é, por isso, nula por falta de especificação dos fundamentos de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), e 607.º, n.º 4, ambos do CPC, nulidade essa que expressamente se alega para todos os efeitos legais.

  4. O douto acórdão deve por isso ser revogado e substituído por sentença que declare a nulidade arguida, com as legais consequências.

  5. O Tribunal a quo fez um errado julgamento da prova produzida em audiência de julgamento no tocante à matéria factual constante dos pontos 2.2. (correspondente ao artigo 39.º da petição inicial) e 2.3 (correspondente aos artigos 25.º, 26.º, 48.º e 55.º da petição inicial) por referência à matéria de facto não provada e nos artigos 24.º, 28.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 56.º, 57.º, 58.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 71.º, 72.º e 73.º por referência aos factos alegados em sede de petição inicial.

  6. A todos estes pontos da matéria de facto foi, salvo melhor entendimento, dada uma resposta errada.

  7. A decisão quanto à matéria de facto proferida na sentença apelada deve ser parcialmente revogada, por erro do Tribunal a quo na apreciação da prova produzida e, consequentemente, no seu julgamento, e substituída por douto Acórdão proferido por V. Exas. que dê as seguintes respostas aos seguintes quesitos, por referência aos pontos da matéria de facto não provada: Ponto 2.2. da matéria de facto provada (correspondente ao artigo 39.º da petição inicial) – provado; Ponto 2.3 da matéria de facto dada como não provada (correspondente aos artigos 25.º, 26.º, 48.º e 55.º da petição inicial) – provado; Artigo 39.º da petição inicial – provado; Artigo 25.º da petição inicial – provado; Artigo 26.º da petição inicial – provado; Artigo 48.º da petição inicial – provado; Artigo 55.º da petição inicial – provado; Artigo 24.º - provado; Artigo 28.º - provado; Artigo 41.º - provado; Artigo 42.º - provado; Artigo 43.º - provado; Artigo 44.º - provado; Artigo 45.º - provado; Artigo 46.º - provado; Artigo 47.º - provado; Artigo 49.º - provado; Artigo 50.º - provado; Artigo 51.º - provado; Artigo 52.º - provado; Artigo 53.º - provado; Artigo 54.º - provado; Artigo 56.º - provado; Artigo 57.º - provado; Artigo 58.º - provado; Artigo 67.º - provado; Artigo 68.º - provado; Artigo 69.º - provado; Artigo 70.º - provado; Artigo 71.º - provado; Artigo 72.º - provado; Artigo 73.º - provado.

  8. Em face deste julgamento da matéria de facto, que se afigura o mais correcto atenta a prova produzida, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que altere a decisão quanto à matéria de facto nos termos supra referidos e, subsumindo-os ao direito aplicável, responsabilize civilmente as Rés e as condene no pagamento da quantia peticionada pela Autora, com as legais consequências.

  9. Resulta do Alvará n.º ...42, do IMOPPI, constante do ANEXO 4 do relatório da UON junto como Doc. 4 com a petição inicial, que a sociedade Ré não possuía a 2.ª subcategoria – movimentação de terras – da 5ª categoria – outros trabalhos – pelo que não tinha competências técnicas, nem legais, para realizar este tipo de trabalhos, nem para analisar as condições do terreno, o que devia ter sido dado como provado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.

  10. Mais devida ter sido extraído desse facto e da violação da lei que consiste na realização de obra sem alvará, uma presunção juris tantum de culpa da Ré na ocorrência do facto danoso, ou seja, a ruína da moradia sub judice.

  11. A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por douto acórdão que considere provado que a sociedade Ré, empreiteiro da obra, não tinha alvará para proceder a trabalhos de movimentação de terras e que, por isso, a considere responsável pela ocorrência do facto danoso, com as legais consequências.

  12. Resulta dos pontos 14 e 15 da matéria de facto provada, a responsabilidade de ambas as Rés na produção do sinistro sub judice.

  13. Era responsabilidade da Ré empreiteira avaliar a natureza do terreno por forma a, em obra, estabelecer a profundidade das fundações – o que não fez e defende não ser da sua responsabilidade, tal como era responsabilidade da Ré projectista justificar em projecto o dimensionamento do projecto de fundações, o que também não fez.

  14. Essas violações das leges artis foram causa directa e necessária do evento danoso e, como tal, dos danos causados.

  15. A causa de pedir da presente acção é a responsabilidade civil das Rés, pelo que não se aplicam os prazos de caducidade previstos no artigos 1225.º do Código Civil.

  16. Ao contrário do referido na douta sentença, resulta da matéria de facto provada a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos das Rés previstos no artigo 483.º do Código Civil.

  17. A sentença recorrida deve, por tudo isto, ser revogada e substituída por douto acórdão que responsabilize civilmente as Rés e as condene no pagamento da quantia peticionada pela Autora, com as legais consequências.

  18. A douta sentença recorrida viola, entre outras normas e princípios de direito, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea b) e 607.º, n.º 4, ambos do CPC, 483.º e 1225.º, do Código Civil.

    NESTES TERMOS, E nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e de acordo com as presentes conclusões, assim se fazendo JUSTIÇA.

  19. A R. O..., LDA contra-alegou, concluindo que: 1. A recorrente não recorreu da decisão que recaiu, julgando-a procedente, sobre a excepção de caducidade invocada pela Ré O..., LDA – e também não impugnou a matéria de facto dada como provada sob os nºs. 19 a 25 e, nomeadamente, do facto dado como provado sob o nº 23, mostrando-se, pois, transitada esta decisão.

  20. Dada a matéria constante dos Factos Provados sob os nºs 19 a 25 – e que não foi impugnada pela A./recorrente – resulta claro que os factos alegados na petição sob os nºs. 24, 28, 41 a 58 e 67 a 73 não podem senão ter-se por não provados, pois estes estão em contradição directa com os Factos Provados e não impugnados.

  21. De qualquer modo, a causa dos danos resulta, como da douta sentença consta (e tendo em conta a prova pericial) de um deslizamento rotacional da superfície/massa de solo sobre a camada profunda do solo (slump) induzido/potenciado pela elevada precipitação atmosférica.

  22. O facto dado como não provado sob o nº 2.2 resulta da prova pericial, como aliás é referido na sentença.

  23. O facto dado como não provado sob o nº 2.3 resulta directamente de se ter provado a factualidade (aliás, não impugnada em recurso) dada como provada sob os nºs. 19 a 25 dos Factos Provados.

  24. A douta sentença apreciou correctamente a matéria de facto, fez a análise critica da mesma - como bem se refere no item “Análise crítica da prova” – apreciando a prova documental, a prova pericial e testemunhal e decidiu em conformidade com o direito.

    Confirmando a douta sentença, farão V. Exªs. a costumada JUSTIÇA.

    II - Factos Provados 1.

    A Autora é uma sociedade comercial que exerce, devidamente licenciada, a actividade seguradora no ramo não vida.

  25. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil.

  26. No âmbito da sua actividade, a Autora celebrou com AA um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...98. O contrato de seguro celebrado, denominado “MAXI – CRÉDITO HABITAÇÃO”, tinha por objecto um imóvel para habitação, de tipologia “moradia”, sito na Rua...

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