Acórdão nº 320/23.3T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrente …………………..

AA * I. Relatório

  1. O presente recurso é dirigido ao despacho que declarou o tribunal recorrido incompetente em razão da matéria para conhecer do presente procedimento cautelar para restituição de posse de uma cadela.

    O procedimento que está a ser seguido é o da restituição provisória de posse.

    O artigo 378.º do Código de Processo Civil determina «Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador».

    Por esta razão, não se procedeu à citação da Requerida (cfr. artigo 641.º, n.º 7 do CPC).

  2. O Recorrente alega que viveu em união de facto com a Requerida; que adquiriram em conjunto uma cadela; que se separaram; que acordaram na repartição semanal da guarda e cuidados do animal, mas que recentemente a Requerida deixou de cumprir o acordo e mantém o animal consigo, impedindo o Requerente de ter a cadela consigo, como vinha sucedendo, e daí o pedido dirigido ao tribunal com vista a restaurar a situação resultante do indicado acordo ou outra que satisfaça os interesses em presença.

    O vetor argumentativo do tribunal centrou-se na ideia de que «…não obstante a competência para este interesse, no caso de união de facto, não estar especialmente regulado, somos de entender que é de enquadramento parafamiliar, em tudo semelhante ao casamento/divórcio que admite a figura, não se vislumbrando diferença no caso em apreço, só por ser união de facto dissolvida – cfr. artigo 1793º-A do Código Civil: “Os animais de companhia são confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal e também o bem-estar do animal”», desde que «…a união entre donos ou detentores do animal de companhia se revista do mínimo de estabilidade…» c) É desta decisão, como se disse, que vem interposto recurso por parte do Requerente, cujas conclusões são as seguintes: «1.ª O recurso interposto versa sobre despacho que julgou materialmente incompetente o juízo local cível a favor do juízo de família e menores; 2.º Em causa está um procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse de um animal de estimação (canídeo), compropriedade do requerente e da requerida e que após acordo sobre o modo da sua guarda e confiança esta veio inviabilizar, nos termos melhor descritos no requerimento inicial, animal esse que fora adquirido por ambos no decurso da vivência em comum durante cerca de 6 meses; 3.º À cessação dessa vivência não podem ser aplicadas por analogia as normas atinentes à dissolução do casamento, nem as regras próprias das responsabilidades parentais para com as crianças, próprias do direito da família e das crianças; 4.º A própria lei (art.º 201.º-D do CC aditado pelo referido regime jurídico) não deixa de aplicar aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não incompatíveis com a sua natureza, como não são os direitos de compropriedade e posse em que o requerente e requerida acordaram em relação ao canídeo, em ordem, aliás, à salvaguarda do sem bem-estar e é assim que a providência de restituição provisória de posse requerida, a que se seguirá a subsequente acção possessória, caso se não atenda à inversão do contencioso, se afigura a adequada para regular o conflito, em termos de urgência e face ao perigo de quebra das relações de afecto com (e entre) o animal; 5.º Esses meios processuais manifestamente não encontram guarida no elenco de competências do juízo de família e menores definidas no art.º 122.º da LOSJ (Lei n.º 62/2013 de 26.08), v. g., nas alíneas a) e b) do seu n.º 1 para onde, a nosso ver incorrectamente, remeteu a decisão recorrida, antes a competência para o procedimento respectivo (e posterior acção possessória) compete residualmente ao juiz local cível, nos termos do art.º 130.º, n.º 1, da mesma lei orgânica, no caso ao Juízo Local Cível do Tribunal Judicial de Castelo Branco.

    Face ao exposto, deve ser proferido douto acórdão, revogatório do despacho recorrido e este ser substituído por decisão que, considerando competente o Juízo Local Cível de Castelo Branco – Juiz 3 ordene o prosseguimento dos regulares termos do procedimento cautelar em causa, com o que será feita JUSTIÇA.» II. Objeto do recurso.

    Pedindo-se a restituição da posse de uma cadela, com o fim permitir repartir entre Requerente e Requerida a guarda do animal, que é compropriedade de ambos, por ter sido adquirida pelos dois quando viveram em união de facto, já finda, o recurso coloca a questão de saber se é o tribunal de família e menores o materialmente competente para conhecer do caso ou, ao invés, o tribunal cível local.

    1. Fundamentação a) Matéria alegada na petição Embora já resulte do antes exposto, indica-se a seguir, sucintamente, a matéria de facto alegada necessária para compreender a situação.

    Requerente e Requerida viveram em união de fato desde junho de 2019 até finais de dezembro desse ano, tendo neste último mês adquirido uma cadela, chamada «BB», a qual passou também a coabitar na mesma casa com ambos fazendo parte da sua vida diária.

    Finda a vivência em união de facto, acordaram que a cadela passava a ser cuidado pelos dois, sendo a sua posse repartida entre eles, em semanas alternadas.

    No passado dia 19 de dezembro de 2021, a Requerida deixou de cumprir o acordado e passou a recusar a sua entrega ao Requerente e desde essa data tem estado privado da companhia do animal e inclusive de a ver, existindo o risco de serem quebrados os laços afetivos existentes entre ambos, o que está a causar sofrimento emocional ao Requerente e ao animal.

  3. Apreciação da questão objeto do recurso Adiantando já a decisão, afigura-se que o tribunal competente é o juízo cível local, pelas razões que a seguir se indicam, mas que se resumem dizendo que o legislador tem dado proteção à união de facto em normas avulsas e dedicou um diploma a esta matéria, a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, exigindo, no entanto, para os efeitos previstos nesta lei, uma duração da união de facto pelo período mínimo de 2 anos.

    No intuito de proteger a união de facto, o legislador não equiparou, no entanto, a união de facto ao casamento, nem poderia fazê-lo, porquanto não pode tratar quem não se quis casar como se fosse casado.

    Porém, em alguns aspetos, o legislador adotou fundamentalmente as mesmas medidas que prevê para o casamento, como, em sede de direito civil, no caso da transmissão do direito ao arrendamento ou da atribuição da casa de morada de família.

    No que respeita aos aspetos processuais civis relativos ao exercício dos direitos substantivos constantes dessas normas dispersas por vários diplomas e na mencionada Lei 7/2001, previu que os tribunais de família julgassem os processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto - al. b), do n.º 1, do artigo 122.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

    É que, se o legislador tivesse tido outro entendimento, tê-lo-ia manifestado, prevendo por exemplo na referida norma uma redação com este alcance: «1. Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar: (…) g) Outras ações relativas ao estado civil das pessoas, família e união de facto», suprimindo, claro está, o que atualmente consta da respetiva al. b), do seu n.º 1.

    Mas não previu.

    Por conseguinte, atendendo à postura manifestada pelo legislador, no que respeita à proteção da união de facto, afigura-se que o juiz não deve alargar a competência dos tribunais de família para além do que consta na citada norma da Lei da Organização do Sistema Judiciário, ou seja, em matéria cível o tribunal de família só deve intervir, em regra...

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