Acórdão nº 2611/21.1T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

A sentença proferida em 1 de setembro de 2021 manteve a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que condenou a arguida AA na sanção acessória de inibição de conduzir especialmente atenuada, pelo período de 30 dias, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 69º, nº 1 do e 76º, al. a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01.10, e arts. 136º, 138º, e 146º, al. l) do Código da Estrada.

  1. Inconformada com esta condenação, impugna-a a Arguida, com as conclusões que se transcrevem: 1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos que decidiu manter a decisão administrativa nos seus exactos termos, ou seja, aplicou à ora recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias e a subtracção de 4 pontos.

    2- Alegou o ao recorrente que, ao contrário do constante da decisão administrativa imediatamente antes da aposição do nome “BB”, não se confirma a delegação de competências do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, através do Despacho nº 1244/2019 de 17/01, publicado no DR nº 25, Série II de 05 de Fevereiro de 2019, porquanto “BB” não é nenhum dos Licenciados e/ou Técnicos Superiores referidos no referido Despacho.

    3- Entendeu o douto tribunal a quo que “constando da decisão administrativa a assinatura autógrafa de “BB, Directora da ..., a quem o presidente da ANSR delegou através do despacho 1244/2019 de 17 de Janeiro, a competências que lhe estão atribuídas pela alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto Regulamentar nº 28/2012 de 12 de março, para proferir decisões administrativas no âmbito dos processos de contraordenações rodoviárias, nomeadamente no que se refere à aplicação de coimas, sanções acessórias, outras medidas disciplinadoras e deveres previstos no Código da estrada e demais legislação aplicável, foi tal decisão proferida por quem tinha legitimidade/competência (legalmente delegada) para tanto.” 4- Ora e salvo o devido respeito, partiu a douta sentença recorrida de errados pressupostos de facto e de direito, uma vez que da decisão administrativa não consta “a assinatura autógrafa de “BB””.

    5- Na verdade, da mesma consta apenas um carimbo de uma assinatura, não sendo uma “assinatura autógrafa”, mas apenas uma reprodução mecânica de uma assinatura, que pode ser utilizada por qualquer pessoa, sem que seja possível aferir da legitimidade de tal pessoa para “assinar” – na verdade, carimbar – a decisão administrativa.

    6- Basta, aliás, comparar ambas as “assinaturas” constantes da decisão administrativa, a aposta na carta dirigida ao arguido e a aposta na decisão propriamente dita: são EXACTAMENTE IDÊNTICAS, com exactamente o mesmo espaço entre as letras, com as letras ligadas exactamente no mesmo sítio e exactamente da mesma maneira, sendo certo que o “risco” do que é suposto ser o “s” de “BB” tem exactamente a mesma medida (comprimento) em ambas (como aliás, em outras decisões administrativas).

    7- Ora, não é irrelevante saber quem tomou a decisão posta em crise, tal como não é irrelevante que uma qualquer sentença seja proferida pelo Sr. Juiz ou pelo Sr. Escrivão.

    8- A resposta à pergunta: “Quem tomou a decisão em causa?” afecta o valor do acto praticado, pelo que, não sendo possível responder-lhe, estamos perante uma nulidade, que podia e devia ter sido declarada pelo douto tribunal a quo.

    9- Se é certo que as nulidades insanáveis estão taxativamente previstas no artigo 119º do Código de Processo Penal, não menos certo é que devem tais regras ser adaptadas ao processo contra-ordenacional - onde não existe Ministério Público, nem juízes ou jurados - sob pena de ser letra morta o disposto, quer no artigo 132º do Código da Estrada, quer no artigo 41º do RGCO, que estipulam que são aplicáveis, “devidamente adaptados” os preceitos reguladores do processo criminal.

    10- Ponto é que tenha obrigatoriamente que ser a pessoa competente para aplicar a coima (seja o Ministério Público, se aquela for encarada como acusação; ou o juiz, se aquela for encarada como decisão) quem a aplique – se assim não for (e no caso concreto não sabemos quem foi), temos uma verdadeira ausência de decisão, por falta de legitimidade, que tem necessariamente que ser encarada – face à sua gravidade – como uma nulidade, que deve ser declarada.

    11- A não ser assim, isto é, a entender-se que não é relevante aferir a competência de quem profere a decisão administrativa posta em crise, estará o douto Tribunal a fazer uma interpretação inconstitucional dos artigos 169º e 169º-A do Código da Estrada, por violação dos artigos 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.

    12- Entendeu também o douto tribunal a quo que se não verificava a nulidade do auto, por falta dos elementos relevantes da contra-ordenação, ”a saber: os factos que lhe são imputados e a sanção em que incorre”, sendo que um dos factos imputados à ora recorrente é o desrespeito pela obrigação de parar imposta pela luz vermelha da regulação de trânsito, pelo que se impunha e impõe saber SE existia no local indicado no auto/decisão administrativa um sinal luminoso de regulação de trânsito. Existindo mais do que um, impõe-se ao agente autuante que explicite QUAL o local concreto, na Rua, onde se verificou a alegada infracção – em frente ao nº 10?, ao lado da Escola Superior de Educação? Ao pé do Pavilhão do ...? – por forma a que que o arguido possa identificar o local e defender-se.

    13- E não é irrelevante saber o local concreto da localização do sinal luminoso alegadamente violado, porquanto tem o arguido o direito de poder, nomeadamente, ir procurar aferir e provar se, no dia e hora da autuação, tal semáforo estaria, por exemplo, avariado, ou desligado, ou intermitente – o que não pode, nem pôde, fazer, por falta de indicação do concreto sinal alegadamente violado.

    14- Não sendo possível à ora recorrente, nem a quem quer que seja, colocado na sua posição, defender-se da contra-ordenação que lhe é imputada e pela qual foi condenada, porquanto dizer-se que a arguida não parou “perante a luz vermelha de regulação de trânsito na Rua ...” – quando aí há, pelo menos, 3 semáforos - sem dizer EM QUE luz vermelha de regulação de trânsito não parou, é o mesmo que dizer que “matou outra pessoa”, sem dizer que pessoa matou e onde e como o fez – não permite à ora recorrente defender-se do que a acusam...

    15- Tal indicação não pode, nem deve ser omitida ao abrigo daquele nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada, motivo pelo qual podia e devia o douto tribunal a quo ter declarado a sua inconstitucionalidade e desaplicado a referida norma.

    16- Sendo certo que, se tal indicação não consta do Auto de Notícia – para onde remeteu a decisão administrativa – falta-lhe um elemento essencial para permitir a defesa do agente, designadamente, da ora recorrente, estando tal auto e, consequentemente, a decisão administrativa, ferido de nulidade, o que também podia e devia ter sido declarado.

    17- Pelo que entende a ora recorrente que nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada é uma norma inconstitucional por directamente violadora dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal, contra-ordenacional e constitucionalmente consagrados da proibição da indefesa, do direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, o que expressamente se requer seja declarado, devendo ser desaplicada a referida norma no caso concreto.

    18- Mas mesmo que se não entenda que a própria norma é inconstitucional – como entende a ora recorrente – sempre terá de considerar-se inconstitucional a interpretação do nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada que faz a entidade autuante, de que a ”remissão da fundamentação” permite a absoluta ausência de indicação da concreta infracção cometida, designadamente, do concreto local onde a mesma foi alegadamente cometida, por violadora dos artigos 18º, nº 2, 20º, nº 1 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal, contra-ordenacional e constitucionalmente consagrados da proibição da indefesa, do direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, pois não permite ao arguido defender-se na fase de recurso, inconstitucionalidade esta que, à cautela, ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

    19- Ao decidir da forma expendida na douta decisão de que se recorre, violou o douto Tribunal a quo, entre outros, os artigos 169º e 169º-A do Código da Estrada, 119º, 123º, 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal e 20º, nº 1, 30º, nº 4 e 32º, nºs 1 e 10 da Constituição da República Portuguesa e os princípios penal e constitucionalmente consagrados da legalidade, da tipicidade, do acusatório, do contraditório, da proibição da indefesa e do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por p provado e, em consequência, declarada nula a decisão proferida, ou, caso assim se não entenda, ser a ora recorrente absolvida da contra- ordenação por que foi condenada.

  2. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu ao recurso do arguido, defendendo a manutenção da sentença recorrida: 4.

    O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer fundamentado que doutamente emite, concluiu pela total improcedência do recurso.

  3. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do Código de Processo Penal e junta a resposta do recorrente, foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento de mérito do recurso.

    1. QUESTÕES A DECIDIR Sendo o objecto do recurso delimitado pelas Conclusões do recorrente, as questões a decidir consistem em saber: - A decisão administrativa é nula por ter sido proferida...

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