Acórdão nº 86755/21.8YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório. B... promoveu contra M..., Lda., procedimento de injunção, pedindo, no respetivo requerimento, o pagamento da quantia de € 210.941,50€, acrescida das quantias de € 2 369,25, de juros de mora vencidos, de € 40.00 e de € 153,00.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter fornecido à requerida, a pedido desta, diversos bens da sua área de comercialização, designadamente, batas, batas cirúrgicas, cobre-botas, fatos, toucas de diversos modelos e tamanhos, pelo preço global de € 210 941,50, que aquela não lhe pagou, e de ter despendido € 40,00 com a cobrança da dívida e € 153,00 com a taxa de justiça.

A requerida defendeu-se, na oposição, por excepção dilatória, invocando a nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento inicial, e por excepção modificativa dilatória material, alegando que a requerente lhe forneceu máscaras faciais 3 Ply, Tipo II, modelo M3PII, que foram retiradas do mercado, na sequência de circular do Infarmed, o que lhe acarretou o custo global de € 1 147,63, pelo que, nos termos do art.º 428.º do Código Civil, lhe assiste a faculdade de recusar o pagamento total do preço.

Determinado que o processo prosseguisse os termos do processo comum de declaração, a requerente respondeu que o preço cujo pagamento reclama da requerida não inclui o das máscaras faciais referidas pela última.

A acta da audiência prévia, realizada no da 25 de Fevereiro de 2022, garante que pela Mmª. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da comarca ..., Juízo Central ... – Juiz ..., foi comunicado que o Tribunal pondera conhecer de imediato o mérito da causa, tendo sido concedida a palavra ao Ilustre Mandatário da Autora para discussão das questões de facto e de Direito suscitadas nos autos, tendo o mesmo usado da palavra para o efeito entre as 09h36 e as 09h38m, o que ficou devidamente gravado no sistema integrado de gravação existente neste Tribunal. De seguida, pela Mmª. Juiz de Direito foi concedida a palavra ao Ilustre Mandatário da Ré para discussão das questões de facto e de Direito suscitadas nos autos, tendo o mesmo usado da palavra para o efeito entre as 09h38 e as 09h41m, o que ficou devidamente gravado no sistema integrado de gravação existente neste Tribunal. Aquela acta assegura ainda que, neste momento, pela Mmª. Juiz de Direito foi proferido Despacho Saneador-sentença, o qual foi comunicado às partes por súmula e será inserido, de imediato, no sistema informático, fazendo parte integrante desta acta.

No despacho saneador, a Sra. Juíza de Direito, julgou improcedente a excepção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento e inicial e, depois de observar que entre as partes foram concluídos contratos de compra e venda, que a requerida não efetuou o pagamento do preço devido e que a última invocou o cumprimento defeituoso no tocante à entrega de máscaras faciais, mas que esta prestação respeita a relação contratual distinta da que se encontra em apreciação nos presentes autos, na medida em que as quantias cujo pagamento foi solicitado pela Autora dizem respeito ao preço devido pela entrega de batas cirúrgicas, coberturas para calçado pelo joelho, fatos (SMMS), de tamanhos L e XXL, toucas cirúrgicas, toucas azuis, fatos de tamanho L, XL e XXL, fatos de bloco operatório de tamanhos L, XL e XXL e coberturas para calçado azul não tecido, julgou também improcedente a excepção do não cumprimento do contrato invocada pela sociedade Ré e logo a condenou a pagar à Autora a quantia de € 123.821,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de juro comercial, desde o dia 26 de Abril de 2021 até integral pagamento, bem como a quantia de € 87.120,50, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de juro comercial, desde o dia 14 de Maio de 2021 até integral pagamento, e a quantia de € 40,00, devendo o pagamento da quantia de € 153,00, correspondente à taxa de justiça paga pela Autora ser por esta exigido, se assim o entender, através da apresentação da competente nota discriminativa e justificativa de custas de parte.

É esta decisão que a requerida impugna no recurso, no qual pede a sua revogação e substituição por outra que considere todos os factos trazidos aos autos, incluindo o facto que o Tribunal a quo olvidou na matéria de facto e de direito controvertida.

A recorrente, ordenada pelo propósito de inculcar o mal fundado da decisão impugnada, extraiu da sua alegação estas conclusões: 1. Nos termos dos Artigos 195.º, n.º 1, e 615.º n.º 1 d), ambos do CPC, a sentença proferida enferma de uma nulidade processual, que influi no exame e decisão da causa, porquanto o tribunal a quo conheceu de imediato do mérito da causa, sem antes facultar às partes a discussão controvertida de facto e de direito 2. Aquando da realização da Audiência Prévia, o tribunal comunicou que ponderava conhecer de imediato o mérito da causa.

  1. Apesar da aqui Apelante ter manifestado a intenção de realização da audiência de julgamento por entender como necessária a produção de prova com vista à descoberta da verdade material e para a boa decisão do mérito da causa, o tribunal a quo acabou por proferir despacho saneador-sentença e por decidir pela procedência da ação.

  2. Não pode, no entanto, a Apelante aceitar tal desfecho e solução, porquanto não se coaduna com decisões que, em nome de pretensas celeridades, não permita às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções jurídicas muito mais abrangentes, ainda não possíveis até à fase do saneador.

  3. Sendo a audiência de julgamento o momento processual propício à clarificação da factualidade invocada, nomeadamente, no sentido de clarificar a influência que teve sobre o negócio da Apelante e na colocação dos produtos fornecidos no mercado português, o facto da Apelada ter fornecido determinados produtos que não preenchiam os requisitos necessários para serem colocados no mercado.

  4. Sucede que, sem mais nada, o tribunal a quo procedeu de imediato à prolação de decisão de mérito, entendendo que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação total do pedido deduzido. 7. A verdade é que, neste contexto, a sentença assim proferida traduz uma decisão-surpresa, cerceando-se a Apelante não só do exercício do contraditório como da oportunidade de discutir o mérito da causa – seja em audiência prévia, seja em audiência de julgamento.

  5. Tal omissão constitui uma nulidade processual, nos termos dos Artigos 195.º n.º 1 e 615.º n.º 1 d), ambos do CPC, por influir no exame e decisão da causa.

  6. Violando, igualmente, o direito fundamental da Recorrente ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto do art.º 20.º da CRP.

  7. Devendo, assim, a decisão recorrida ser revogada, devendo ser declarado nulo o saneador sentença recorrido e, em consequência, ser determinada a baixa do processo à 1ª instância para que aí se dê cumprimento ao prosseguimento dos autos mediante a realização de audiência com vista a facultar às partes a discussão de facto e de direito.

    Na resposta a apelada concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  8. Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso, considerou provados os factos seguintes: 1. A Autora B... tem sede na ..., onde se dedica, de forma habitual e com desígnio lucrativo, entre outras actividades, à exportação de equipamentos de protecção individual.

  9. A Ré M..., Lda., é uma sociedade comercial cujo objecto se centra na compra e venda de produtos farmacêuticos, ortopédicos e afins, bem como à importação e exportação.

  10. No âmbito da normal prossecução das respectivas actividades, a Autora forneceu à Ré, a pedido desta, diversas batas, batas cirúrgicas, cobre-botas, fatos e toucas de diversos modelos e tamanhos.

  11. Todos os bens foram expedidos pela Autora por via marítima, até Lisboa, tendo a Ré suportado os respectivos custos de transporte.

  12. Após a chegada a Portugal dos bens a que se alude em 3., os mesmos foram recebidos pela Ré, que os aceitou e incorporou no seu património, não tendo apresentado nenhuma reclamação quanto à qualidade, quantidade e preço de tais bens.

  13. A Autora apurou a quantidade, designação e preço dos bens a que se alude em 3., titulando por facturas a venda dos mesmos à Ré.

  14. Por referência aos bens a que se alude em 3., a Autora emitiu e enviou à Ré, que as recebeu, as seguintes facturas: - factura ...4, datada de 31 de Janeiro de 2021, no valor de € 123.821,00, referente a bata cirúrgica, cobertura para calçado pelo joelho, fato (SMMS) de tamanhos L e XXL e touca cirúrgica, da qual consta, relativamente às condições de pagamento, a menção “30 dias após a entrega dos artigos”; - factura ...6, datada de 26 de Fevereiro de 2021, no valor de € 87.120,50, referente a touca azul, fato macacão de tamanhos L, XL e XXL, cobertura para calçado pelo joelho, fato de bloco operatório de tamanhos L, XL e XXL, touca cirúrgica e cobertura para calçado azul não tecido, da qual consta, relativamente às condições de pagamento, a menção “30 dias após a entrega dos artigos”.

  15. As mercadorias a que se refere a factura ...4 foram entregues à Ré no dia 26 de Março de 2021.

  16. As mercadorias a que se refere a factura ...6 foram entregues à Ré no dia 13 de Abril de 2021.

  17. No seu articulado de oposição a Ré M..., Lda. justificou o não pagamento das quantias peticionadas pela Autora a título de preço com base na alegação de que esta lhe forneceu máscaras faciais 3Ply Tipo II, modelo M3PII que, na sequência da circular informativa emitida pelo Infarmed a 27 de Agosto de 2021, foram retiradas do mercado nacional devido a “marcação CE indevida, não existindo o cumprimento de todos os requisitos legais aplicáveis a nível europeu, incluindo o facto de a documentação técnica se encontrar incompleta”.

  18. Nos artigos 22º e 23º do seu articulado de oposição a Ré alegou o seguinte: “verificado que está o fornecimento defeituoso de produtos pela Requerente, não existindo, conforme...

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