Acórdão nº 712/22.8T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTEIRO
Data da Resolução25 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: P..., Lda., instaurou procedimento cautelar comum contra F..., Lda., pedindo que seja entregue o locado identificado e a Requerida condenada, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso na entrega.

Alega para o efeito, em síntese: A 29.03.2021, a Requerente, como senhoria, enviou à Requerida, carta registada, nos termos da qual, lhe comunicava que não pretendia renovar o contrato de arrendamento com termo certo celebrado, pelo que o referido contrato cessaria a 30.11.2021, devendo a mesma desocupar o locado nessa data.

Uma vez que a Requerente já obteve o respectivo licenciamento para as obras que incidem sobre os prédios arrendados, tendo a respectiva licença, como validade, o dia 21.01.2025, a não entrega do locado à Requerente está a determinar um atraso na execução das obras, daí decorrendo prejuízos decorrentes da dificuldade em cumprir o prazo de realização das obras licenciadas, acrescida da dificuldade em contratar os trabalhos de demolição do imóvel; a tudo acresce o aumento sucessivo e quase exponencial dos preços de mão-de-obra e dos materiais a utilizar nas obras a executar.

Contestou a Requerida, em síntese: Ato contínuo ao envio da carta, o legal representante da Requerente abordou os gerentes da Requerida e disse-lhes que iam receber a carta, mas que não lhe atribuíssem qualquer valor, porquanto tencionava fazer obras de vulto nos espaços locados e nos prédios a estes ligados, mas conduziria a sua execução de modo a que, na extrema norte do prédio, construiria um espaço com capacidade equivalente ao do locado, onde fosse possível a manutenção do contrato até à conclusão das obras.

Recebida a carta de 07.12.2021, a Requerida respondeu à Requerente, comunicando o depósito das rendas, na CGD. Do mesmo modo, recebida a carta de 11.02.2022, a Requerida respondeu, também por carta, a 23.02.2022, voltando a referir o acordo de realojamento celebrado entre as partes.

No contrato de arrendamento aqui em causa, para fins não habitacionais, o mesmo é de duração indeterminada, sendo a carta enviada pela senhoria, a comunicar a oposição à renovação do contrato, ilegal, não produzindo os efeitos visados e também não pode valer enquanto denúncia porque não respeitou o prazo de pré-aviso de dois anos.

Não se encontra preenchido ainda o pressuposto legal do “perigo na demora”.

Realizado o julgamento, foi proferida decisão a julgar totalmente improcedente o procedimento, não decretando a entrega do locado.

* Inconformada, a Requerente recorreu e apresenta as seguintes conclusões: 1)- No caso em apreço, destinando-se os arrendamentos para instalação de um armazém e de um escritório, enquanto actividade que se encontra, directa e objetivamente, relacionada com o exercício do comércio, e que não se destinou a satisfazer uma actividade transitória do locatário, limitada no tempo, até porque se prolongou, consecutivamente, durante vinte e oito anos, por força das sucessivas renovações contratuais, não deve ser qualificado como uma modalidade de arrendamento predial urbano, para outros fins lícitos, diferentes dos enunciados, mas antes como um arrendamento para o exercício do comércio.

2)- Desta forma, tratando-se de arrendamento urbano para o exercício do comércio, aplicavam-se-lhe, desde logo, na data da sua constituição, as disposições gerais do arrendamento urbano e rústico não rural, constantes dos artigos 1083º a 1106º, e as disposições gerais da locação que as não contrariem, incluídas nos artigos 1022º a1063º, com as especialidades respeitantes aos arrendamentos para comércio ou indústria, a que aludiam os artigos 1112º a 1118º, todos do Código Civil de 1966.

3)- A este tempo, por força do princípio da renovação obrigatória do contrato, no final do prazo, ou da relocação tácita, consagrado pelo artigo 1095º, do Cód. Civil nos arrendamentos de prédios urbanos, o senhorio não gozava do direito de denúncia, considerando-se o contrato renovado, por períodos sucessivos, caso não fosse denunciado pelo arrendatário, no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei, em conformidade com o disposto pelo artigo 1055º, com as excepções constantes do artigo 1096º, também do Cód. Civil, mas que aqui não interessam.

4)- Na transição para o RAU, os contratos celebrados, enquanto actos constitutivos, são factos que se produziram inteiramente no âmbito temporal de vigência da versão originária do Código Civil de 1966, razão pela qual as condições da sua validade, formal e substancial, devem ser regidas pela lei, então, em vigor, o que, aliás, aquele diploma respeita, na sua plenitude, ao estatuir, no seu artigo 6º, que o mesmo “…não é aplicável aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor”.

5)- Deste modo, os contratos analisados continuam a reger-se pelo regime vinculístico, estabelecido pelo artigo 1095º, do Cód. Civil de 1966, cujo princípio se manteve com o estatuído pelo artigo 5º, nºs 1 e 2, do RAU, que impõe, por via de regra, o regime da sua prorrogação forçada, no final de cada prazo de vigência, com excepção da situação da sua denúncia pelo arrendatário.

6)- Finalmente, com a entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro, as modalidades do arrendamento urbano, quanto ao fim a que se destina, de acordo com o preceituado pelo artigo 1067º, nº 1, passam a ser apenas duas, ou seja, o arrendamento para habitação – artigos 1092º a 1107º, do Cód. Civil – e o arrendamento para fins não habitacionais – artigos 1108º a 1113º, todos do Cód. Civil -, sendo certo, porém, que, nesta segunda categoria, definida apenas pela negativa, se concentram as três categorias, anteriormente, especificadas – arrendamento para comércio ou indústria, para o exercício de profissão liberal e para outros fins não habitacionais -, muito embora a...

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