Acórdão nº 30/16.0T8CNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO AREIAS |
Data da Resolução | 10 de Maio de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Processo nº 30/16.0T8CNT.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Helena Melo 2º Adjunto: José Avelino Gonçalves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, intentam a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1. JJ, 2. KK e 3. LL.
Pedindo, a declaração de que: a) - O prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial tem a composição, área e confrontações aí referidas, condenando-se a primeira demandada a tal reconhecer; b) - Autores e réus são comproprietários, enquanto co-herdeiros, de ¾ do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, com a composição, área e confrontações referidas, o qual faz parte da herança aberta por óbito de MM naquela proporção, devendo ser partilhado como tal, condenando-se a primeira demandada a tal reconhecer; c) - A primeira ré deve à herança aberta por óbito de MM a quantia de € 950,00, em virtude do corte e venda dos pinheiros referidos nos artigos 34.º a 38.º da petição inicial, o que deve ser relacionado como crédito da herança.
Alegando, em síntese: Autores e réus são donos, em comum e sem determinação de parte ou direito, de ¾ do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...56 e inscrito na matriz sob o artigo ...98.º, identificado no artigo 1.º da petição inicial, o qual, por si e através dos seus antecessores, ocupam, vigiam e utilizam, dele retirando os frutos e produtos, à vista de todos, sem oposição de terceiros, ininterruptamente, há mais de 30 anos, com a convicção de exercerem um direito próprio; os referidos ¾ indivisos do prédio advieram à propriedade de autores e réus por óbito de MM; o direito ao restante ¼ indiviso do prédio está inscrito na Conservatória ...
Predial a favor de NN; os proprietários do prédio, por contrato celebrado em 28.02.2000, prometeram ceder ao Município de ... uma parcela de terreno com a área de 2510 m2, a desanexar do logradouro daquele prédio; como, à data do contrato promessa, o prédio tinha 8.319 m2 de área, com a desanexação ficou com 5809 m2 (conforme consta do registo e da matriz); sucede que, na sequência de avaliação efetuada por perito no âmbito do Processo de Inventário que corre termos no Juiz ... da Secção ... sob o n.º 674/07...., a cabeça de casal (a ré JJ) apresentou uma relação de bens corrigida na qual relacionou o prédio em questão (verba n.º ...) como tendo a área de 1.003 m2; JJ, sem o consentimento dos restantes interessados, ordenou o corte de pinheiros existentes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...53.º (relacionado no mesmo processo de inventário sob a verba n.º 17 da relação de bens corrigida) e recebeu como produto da venda € 950,00, que se recusa a entregar à herança.
Os RR. deduzem contestação, invocando, entre outras, a exceção de caso julgado ou litispendência, consoante se entenda que o despacho, proferido no processo de inventário sobre as mesmas questões suscitadas nesta ação, transito, ou não, em julgado, e por impugnação, afirmando que a área do prédio em questão é de 1.003 m2 e que a madeira vendida por JJ proveio de um terreno de que é exclusiva proprietária.
Os autores respondem pugnando pela improcedência de tal exceção, por não existência da tríplice identidade de pedido e causa de pedir entre os dois processos, requerendo, ainda a intervenção principal provocada de NN, na qualidade de comproprietário do restante ¼ do prédio em litigio, a qual foi admitida.
* Realizada audiência de julgamento, no decurso da qual os Autores declararam retirar a alegação do artigo 28º da P.I., ao abrigo do disposto no artigo 46º do CPC, foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: - Absolvo a primeira demandada, JJ, da instância quanto ao pedido elencado em c), por força da verificação da exceção dilatória de caso julgado.
- Declaro que Autores e Réus são comproprietários, enquanto co-herdeiros, de ¾ do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial, freguesia ..., ..., e inscrito na matriz sob o art. ...98, condenando a primeira demandada a tal reconhecer.
- Absolvo os Réus do demais peticionado.
* Inconformados com tal sentença, os Autores interpõem recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões[1]:
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O presente recurso de apelação é interposto da sentença final proferida nos presentes autos e visa: - impugnar o caso julgado declarado relativamente ao pedido de condenação da ré JJ relativamente à venda de pinheiros de um prédio da herança; - ampliar a decisão da matéria de facto relativamente à área do prédio e à venda dos referidos pinheiros; - de direito quanto à improcedência do pedido de declaração dessa mesma área e da condenação no pagamento à herança da quantia recebida.
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Não existe qualquer caso julgado no despacho que indeferiu a reclamação de crédito apresentada, pois o regime da reclamação da existência ou não de bens é diferente do regime da reclamação de créditos e, ao contrário do que sucede com a reclamação de bens, onde a decisão que decide a existência ou não de bens no âmbito do processo de inventário e a sua composição, constitui caso julgado nos precisos termos da decisão que foi proferido sobre essas questões, no que respeita a créditos, a decisão incidental do inventário não tem o mesmo efeito, pois o regime dos créditos ou débitos da herança é diferente e pode ser objeto de ação autónoma, pois o seu regime afinal é o de aprovação ou não em conferência de interessados.
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Se o devedor for o cabeça-de-casal, por atos praticados sobre bens da herança, podem ser até objeto de prestação de contas, mas o despacho que não admite uma reclamação de créditos, com fundamento em razões formais, não constitui caso julgado material, podendo a questão ser de novo suscitada em ação autónoma, sendo certo que essa admissão ou não da reclamação de créditos ou débitos é apenas e tão só um ato preliminar da decisão que será tomada pela conferência de interessados, de aprovação ou não desse passivo.
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No caso concreto, como se alcança dos documentos juntos pela ré JJ nos presentes autos, o despacho só não admitiu essa reclamação por falta de apresentação tempestiva de prova, mas não tem a virtualidade de constituir caso julgado sobre esse assunto, pois que, como se referiu, mesmo que tivesse admitido a reclamação do crédito em causa, o mesmo podia não ser aprovado pela conferência de interessados, pelo que não decidia de forma definitiva a questão.
(…).
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Com efeito, um dos pressupostos para que se constitua caso julgado é o de que todos os interessados tenham sido notificados da reclamação, o que não sucedeu, pois apenas o foram, pelo menos, os interessados com mandatário constituído, sendo certo que havia outros interessados não representados e que não constituíram mandatário, pelo que não pode, pelo menos, constituir caso julgado relativamente aos interessados a quem não foi dada a hipótese de exercício do contraditório e que são também partes nos presentes autos.
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Deste modo, porque se não verifica a tríplice identidade exigida pela exceção de caso julgado, deve ser revogada nessa parte a sentença recorrida e conhecer-se do pedido formulado na alínea c) do petitório feito na petição inicial.
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No que concerne à alteração da decisão da matéria de facto, relativamente à madeira cortada, foi ouvido o madeireiro que a adquiriu, a testemunha OO, cujo depoimento se encontra gravado, o qual confirmou a existência do negócio com a cabeça-de-casal JJ, o recebimento por esta do preço dos pinheiros - € 950 – e a reclamação do herdeiro EE, com a alegação de que o prédio onde os pinheiros foram cortados era um prédio da herança, o que também foi comprovado pela testemunha PP, cujo depoimento se encontra gravado.
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Que a madeira foi cortada nesse prédio que pertencia à MM – a inventariada – resulta ainda dos depoimentos das testemunhas dos réus, QQ, (…) que concluiu que o corte foi no pinhal da herança na ..., RR (…), a qual expressamente declarou “a JJ cortou pinheiros da MM” e até SS, (…) o qual admitiu que a ... onde foram cortados os pinheiros eram no prédio que confrontava com o PP.
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Face à prova gravada e que se deixa referida, dúvidas não há de que a cabeça-de-casal, que não demonstrou ter qualquer prédio na ..., cortou os pinheiros no prédio da herança sito nesse local, tendo recebido a quantia de € 950, conforme recibo certificado a fls. 45 da certidão junta como documento 3 com a petição inicial, recebimento esse que ocorreu em 18 de janeiro de 2013, sendo que a cabeça-de-casal não nega a realização do negócio, mas apenas alega que o prédio era seu, mas, repete-se, sem identificar qualquer prédio seu, mormente naquele local.
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Por isso, deve ser dado como provado e aditada aos factos provados, mais uma alínea, a alínea L), que “a cabeça-de-casal vendeu os pinheiros do prédio da ..., relacionado sob o nº. 17 da relação de bens de fls. 47 do documento 3 (certidão judicial), em 18 de janeiro de 2013, pelo preço de € 950”, invocando-se, nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, invocam-se como meios de prova para que seja considerado provado o facto referido (…).
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Relativamente aos outros pedidos, já era sabido que apenas ¾ do prédio descrito pertencia à herança de MM e, como tal, até se encontrava registado no registo predial – Cfr. facto provado B).
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Para a determinação da área atual do prédio, temos de partir da área que o prédio tinha antes de ter sido cedida uma parte ao Município de ... e, para tal, temos a declaração feita no contrato promessa de compra e venda celebrado em 28 de Fevereiro de 2000, por todas as partes, nos presentes autos, enquanto promitentes vendedores, no qual descreviam o citado prédio com a área de 8.319 m2 e a confrontar do norte com estrada, do sul com ... e do poente com TT, para além da confrontação nascente com outro prédio da Câmara Municipal ....
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Da...
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