Acórdão nº 3023/16.4T8LRA.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório AA, intentou contra, 1 - BB; 2 - Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC e DD, representada pela cabeça de casal, BB; 3 – A..., SA., 4 – K... Limited,; 5 – K..., S.A., Pediu que: 1.

Fosse declarada nula e de nenhum efeito a transmissão de um lote de 20.000 ações, correspondentes a metade do capital social, da titularidade dos falecidos CC e mulher, EE, para a 4.ª Ré; 2.

Fosse declarada nula e de nenhum efeito a transmissão do lote de ações referido no ponto anterior da 4.ª para a 5.ª Ré; 3.

Fosse declarado nulo, por violação das regras de ordem pública, o contrato de constituição da sociedade 5.ª Ré, constituído por documento particular lavrado em 16/07/2009; 4.

Fosse cancelado o registo de constituição da quinta Ré, pela Ap. ...17; 5.

Fosse a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC e mulher, EE julgada, com exclusão de outrem, única e legítima proprietária das 20.000 ações no capital da terceira Ré e serem todos os Réus condenados a reconhecê-lo.

Para fundamentar tais pedidos, alegou, em síntese, que: - O Autor é irmão da 1.ª Ré e estes são os únicos herdeiros de CC e mulher, EE, seus pais, falecidos, respetivamente, em .../.../2014 e .../.../2014.

- A 3.ª Ré tem um capital social de € 200.000,00, dividido em 40.000 ações ao portador, no valor nominal de €5,00 cada uma, e tem por Administradores, a 1.ª Ré, que preside e FF, Vogal.

- A 4.ª Ré, por sua vez, é uma sociedade vulgarmente designada por “offshore”, ou seja, uma sociedade sediada num “paraíso fiscal”, uma empresa de fachada, sem sede física e sem qualquer estabelecimento estável, beneficiando apenas de um endereço de caixa postal.

- A 5.ª Ré é uma sociedade anónima para gestão de participações sociais, constituída por documento particular, em 16/07/2009. A referida sociedade tem como Presidente do Conselho de Administração a 1.ª Ré e tem por objeto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas e um capital social de €1.521.975,00. O capital social foi realizado, na íntegra, no momento da constituição da sociedade em causa, que ocorreu em 16/07/2009, mediante uma entrada em espécie das 20.000 ações da sociedade terceira ré, no valor nominal de €5,00 cada uma, valor nominal global de €100.000,00, correspondente a metade do capital social e atribuído de €1.521.975,00.

- As 20.000 ações correspondentes a metade do capital social da 3.ª Ré nunca pertenceram à 4.ª Ré e nunca constaram do seu balanço, pela simples razão de a mesma nunca as ter adquirido aos falecidos CC e mulher, EE, fosse a título oneroso, fosse a título gratuito.

- Se tais ações não pertenciam à 4.ª Ré, a mesma não poderia fazê-las ingressar, como entrada em espécie, no capital social da 5.ª Ré.

- O simples facto de não ter sido concretizada a realização do capital social, como declarado no documento de constituição da sociedade 5.ª Ré, inquina tal documento de nulidade.

- A 5.ª Ré não possui quaisquer outras participações financeiras a não ser aquela correspondente a 50% do capital social da terceira.

- O falecido CC e a esposa, pessoas de avançada idade e de fraca ou quase nula instrução escolar, adquiriram uma empresa de fachada - uma sociedade “offshore” (a quarta ré) -, que por sua vez resolveu constituir fraudulentamente uma sociedade gestora de participações sociais (a quinta ré), com o único e exclusivo objetivo de “parquear” 50% do capital social da terceira ré.

- O único objetivo que presidiu ao embuste, que sempre foi dirigido e coordenado na sombra pela primeira ré e consumado por procurações, foi o de, através da fraude, se eximir da partilha que viesse a ter lugar, por óbito seu e de sua esposa, esta parcela de 50% do capital social da terceira ré.

- Uma sociedade “offshore” inativa desde, pelo menos 2000, com um capital social de apenas 2 libras esterlinas, menos de €3,00, não tinha, não tem e nunca poderia ter recursos para adquirir um lote de ações avaliado em mais de €1.500.000,00.

- A transmissão das ações correspondentes a metade do capital social da terceira ré não poderia, pois, ter tido lugar por qualquer transmissão onerosa da propriedade das mesmas, por a quarta ré não ter capacidade financeira para o efeito.

- Os falecidos CC e esposa, EE, nunca participaram a venda de tal lote de ações, nem a quarta ré participou a compra, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 138º do Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares.

- Não consta que o falecido CC tenha, alguma vez, doado tais ações à quarta ré, uma vez que, se tal tivesse acontecido, teria forçosamente de ter havido lugar à participação à Autoridade Tributária de tal ato, para efeitos de tributação em Imposto de Selo.

- A transmissão das ações em causa para a quarta ré foi, inequivocamente, um ato simulado, com vista a prejudicar o autor, impedindo-o de, por via da sucessão, poder vir a aceder à partilha de tais participações sociais.

- Tratou-se de uma simulação absoluta, uma vez que sob o negócio simulado não existiu qualquer outro que as partes quisessem celebrar e por isso nulo.

- De igual modo, a transmissão das ações da quarta para a quinta ré foi, inequivocamente, uma transmissão simulada, contudo, desta vez, houve o cuidado de “inventar” uma SGPS e constituir o seu capital social, na totalidade, mediante fictícias entradas em espécie, constituindo estas entradas em espécie apenas o referido lote de ações, neste caso, para além da simulação pura, deparamo-nos também com fraude à lei: de facto, as sociedades têm por finalidade exercer uma atividade económica concreta, não têm por finalidade servir objetivos espúrios, como o de ocultar ou dissipar bens.

- Os falecidos CC e mulher, EE, foram enganados e utilizados pela primeira ré, que agiu em comunhão e conjugação de esforços com a terceira e a quarta rés, atuaram em manifesto e gritante abuso do direito, uma vez que a única preocupação que esteve presente a todo o estratagema supra descrito foi a de excluir o lote de ações aqui em causa de uma futura partilha, por isso, a quinta ré foi uma sociedade constituída com o único intuito de, em fraude à lei, “parquear” metade do capital social da terceira, que não exerce qualquer atividade económica, e que se limita a receber (fruir, na feliz redação do legislador) os parcos lucros distribuídos pela sociedade por si participada, existe, pois, uma ostensiva e gritante fraude no objeto social da quinta ré.

- Nos últimos anos de vida dos pais do autor e da primeira ré, esta, aproveitando-se da maior proximidade com os mesmos, começou a obter um enorme ascendente sobre a vida dos mesmos e sobre as decisões que os mesmos deveriam tomar sobre o destino a dar ao seu avultado património.

- O passo seguinte foi engendrar um plano com vista a excluir, na medida do possível, o ora autor da futura partilha do enorme património dos pais e, concomitantemente, de dissipar e ocultar grande parte do vasto património destes.

- Congeminado o plano, a primeira ré tratou de convencer os seus falecidos pais de que convinha proteger o seu património, e que tal proteção passava por constituir sociedades em cascata.

- A primeira ré, sempre atuando na sombra e utilizando documentos assinados de boa-fé pelos pais, contactou um escritório de advogados, que “arranjou” a “offshore” necessária para prosseguir os desideratos e que, de seguida, constituiu a quinta ré, nos termos suficientemente explanados supra.

Em sede de contestações, os Réus excecionaram, desde logo, a competência material do Tribunal.

Excecionaram ainda a ineptidão da petição inicial; a ilegitimidade do Autor, da 1.ª e 3.ª Rés; e bem assim a ausência de personalidade e capacidade judiciárias da 3.ª Ré.

No mais, impugnaram a matéria alegada, pugnando pela improcedência da presente ação.

Foi realizada Audiência Prévia e proferido despacho saneador que conheceu as exceções invocadas, fixou o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizou-se a Audiência de Julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente.

O A. não se conforme e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma: A.

O tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e uma errada análise da prova produzida nos presentes autos, olvidando os documentos e os vários requerimentos juntos aos autos pelo autor.

B.

A alínea a) dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de provada, atentos os documentos n.º 14 e n.º 15 da p.i. (IES dos anos de 2008 e 2015), onde se demonstra que a sociedade terceira ré, em 2015, tinha ativos fixos tangíveis de €3.090.501,30.

C.

A al. b) ficou demonstrada com a junção dos documentos n.ºs 7; 8; 9 e 10 da p.i..

D.

A sociedade 4.ª ré, com o capital social de 2 libras, é invariavelmente representada, em ..., por outras sociedades, sejam elas a “W... Limited” (Doc. n.º 10 da p.i.) ou a “P... Company F... Limited” (Doc. n.º 7 da p.i.).

E.

Todos estes documentos foram devidamente traduzidos para a língua portuguesa, por requerimento junto aos autos pelo autor, em 18.09.2020 (com a Ref.ª 36509660).

F.

A al. c) dos factos não provados deveria ter ficado a constar do rol dos factos provados, atento o teor do documento n.º 8 da p.i., o qual demonstra, inequivocamente, que, desde 11.08.2000, a 4.ª ré é considerada uma “dormant company”, ou seja, uma “sociedade inativa”, como se depreende da sua tradução junta aos autos pelo autor em 18.09.2020 (por requerimento com a Ref.ª 36509660).

G.

Uma dormant company ou empresa inativa é aquela que não desenvolve atividades comerciais num determinado período de tempo. Empresas inativas não efetuam compra / venda com fins lucrativos, não realizam negócios ou atividade, não prestam serviços, não auferem juros, não gerem investimentos nem recebem receitas”.

H.

A al. d) dos factos não provados deveria ter sido dada como provada, atentos os já citados documentos n.ºs 7; 8; 9 e 10 da...

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