Acórdão nº 768/19.0T8MGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução28 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Cristina Neves Adjuntos: Teresa Albuquerque Falcão de Magalhães Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO L..., S.A., instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra A..., Lda. e AA, peticionando a condenação solidária dos RR. na quantia de €9.258,75.

Para fundamentar o seu pedido, alega que ocorreu um sinistro na fracção H, propriedade da sua segurada e arrendada à 2.ª Ré, com origem na máquina de secar a roupa, pertencente a esta 2.ª Ré, que se incendiou, provocando danos extensos na cozinha da referida fracção, extensíveis a áreas comuns do prédio.

Alega ainda que a origem do sinistro decorreu da intervenção do técnico da 1.ª Ré na referida máquina de secar a pedido da 2ª R., decorrendo a responsabilidade da 1ª R. por reparação defeituosa da aludida máquina e a da 2.ª Ré na qualidade de comitente e ainda pela violação dos seus deveres de vigilância e cuidado, nomeadamente por se ter ausentado do seu domicílio deixando a máquina em funcionamento.

* Contestando, veio a 2.ª Ré alegar ter confiado na boa prestação do serviço de reparação oferecido pela EDP FUNCIONA, tendo a 1ª R. sido indicada por esta, tratando-se de uma empresa certificada, pelo que não violou qualquer dever legal de vigilância e cuidado, não sendo responsável pelo incêndio.

* A 1.ª Ré, em sede de contestação, impugnou a versão dos factos apresentados pela Autora, alegando que a reparação por si realizada não constituiu a causa do incêndio, tendo o técnico reparado correctamente a máquina que deixou a funcionar, depois de realizada verificação de conformidade.

* Foi proferido despacho saneador, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova e admitindo-se a prova apresentada pelas partes, após o que teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença na qual se decidiu absolver os RR. do pedido contra eles formulado.

* Não conformada com esta decisão, impetrou a A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “CONCLUSÕES: 1-A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve uma apreciação correta dos pressupostos de facto, e de direito, constantes dos presentes autos.

2-Entendeu o tribunal a quo, como não provado, o facto a), o que a recorrente não concorda tendo em conta declarações de várias testemunhas que confirmaram que o incêndio eclodiu na máquina de secar e cujas declarações estão reproduzidas nas alegações.

3- Entendeu o tribunal a quo, como não provado, o facto a), o que a recorrente não concorda, tendo em conta os relatórios de averiguação, da Jurisvalor e da UON que concluíram que o incêndio teve origem na máquina de secar roupa.

4-Entende a Recorrente que os teores dos relatórios de averiguações, assim como as suas conclusões, deveriam ter sido acolhidas pelo tribunal a quo, não correspondendo à verdade a analise que aquele tribunal faz aos referidos relatórios.

5- Considerou o tribunal a quo como não provado o facto i), o que a recorrente discorda, porque da prova testemunhal produzida em audiência resulta claro que foi feita a advertência indicada nesse facto, tendo em conta as declarações da testemunha BB transcritas nas alegações.

6- O artigo 493 nº1 do C.C, em conjugação com o artigo 487 do C.C, contempla uma presunção de culpa a qual implica uma inversão do ónus da prova, sendo que basta à Recorrente provar que a causa dos danos que sofreu teve origem em coisa (a máquina de secar) sobre a qual a 2ªRecorrida estava adstrita ao dever de vigilância, e que sucedeu à violação daquele dever.

7-Como refere o Acórdão da Relação do Porto de 08-07-2015, relativo ao processo 897/10.6TVPRT.P1, o lesado não tem de provar ou alegar a causa concreta ou sub-causa do evento que produziu o dano.

8-No caso concreto, conseguindo a Recorrente fazer prova, (que entende ter feito) que o incêndio teve origem, proveniência ou causa, na máquina de secar roupa da 2ªRecorrida, a Recorrente produziu a prova necessária e suficiente para ser imputada a esta última a responsabilidade pelos danos causados, não sendo exigível que provasse a causa.

8-A 2ª Recorrida tinha um dever especial de vigilância da máquina de secar, até porque a mesma tinha acabado de ser reparada, e o próprio técnico BB deu instruções à 2ª Recorrida, depois da sua intervenção no âmbito da reparação da máquina de secar, para a não deixar sem vigilância. 9- Não concorda a recorrente com a fundamentação de direito do juiz a quo, quando refere não exista por parte da 2ª R um dever de vigilância da máquina de secar.

10-Entende a Recorrente que era razoável que a 2ª Recorrida pudesse prever que um dano pudesse ocorrer, ainda para mais depois da realização da reparação da máquina de secar em que o próprio técnico instruiu a 2ª Recorrida para não deixar a máquina sem vigilância e que fizesse novo teste.

11-As máquinas de secar roupa podem sobreaquecer e acarretam risco de incêndio, conforme exemplos que constam das alegações, como tal entende a recorrente, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, que uma máquina de secar roupa, ainda para mais depois de ter sido reparada, quando a cliente foi alertada para se manter perto da máquina, pode constituir uma “coisa perigosa”.

12-Entende a Recorrente, como premissa base, que a 2ª Recorrida devia ser responsabilizada pelo ressarcimento dos danos.

13- Entende a Recorrente, ao contrário do tribunal a quo, ter sido feita prova, igualmente, de que o incêndio teve origem na realização da reparação operada pela 1ª Recorrente, pelo que o facto b) deve ser dado como provado.

14-Os relatórios de averiguação (UON e Jurisvalor) juntos aos autos demonstram de forma inequívoca que o incêndio teve origem no motor da máquina de secar na zona intervencionada pelo técnico da 1ª Recorrida.

15-Na página 17 do relatório do UON, aliás, é referido que o próprio técnico reconheceu, ao contrário do que fez na audiência de julgamento, que por vezes os condensadores explodem.

16- O técnico da 1ªRecorrida em audiência, quando confrontado com as fotografias 36 a 37 do relatório da UON Consulting, folhas 236 do processo reconheceu o condensador que incendiou, conforme declarações reproduzidas nas alegações.

17-O técnico da 1º Recorrida foi se embora do apartamento da 2ªRecorrida sem ter aguardado pelo resultado do teste da máquina realizado pela própria cliente, para ver se tudo estava a funcionar convenientemente, o que revela uma conduta negligente, conforme declarações da testemunha BB reproduzidas nas alegações.

18-O próprio técnico deslocou-se novamente ao apartamento, depois do incêndio, a pedido da cliente, sendo que tal comportamento só pode ser entendido como um assumir da responsabilidade, conforme declarações da testemunha BB reproduzidas nas alegações.

19-Reconhecimento de culpa esse que é admitido (ainda que o texto do documento diga o contrário) quando a própria EDP assumiu os encargos de alojamento da 2ªR recorrida, tentou liquidar à 1ªRecorrida uma indemnização pelos danos causados e se propôs entregar a esta nova máquina de secar roupa, entre outros eletrodomésticos, conforme documento nº ...0 junto com a contestação da 2ª Recorrida.

20- Entende a Recorrente que a 1ª Recorrida, na relação com a 2ªRecorrida, não conseguiu ilidir a presunção que sobre si impendia, nos termos do artº 799 do C.C.

21-Pugna a ora Recorrente pela revogação da Sentença proferida pelo douto tribunal “a quo”.

JUSTIÇA” *** Não foram interpostas contra-alegações pelas recorridas.

*** QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar: a) Se se impõe a alteração da matéria de facto adquirida pelo tribunal recorrido, por erro de julgamento incidindo sobre a apreciação da prova; b) Se nesse sentido devem os RR. ser condenados solidariamente pelos danos provocados pelo sinistro, respondendo a 1º R. pelos danos causados pela reparação defeituosa da coisa e a 2ª R. por violação dos seus deveres de cuidado e vigilância sobre a coisa e na qualidade de comitente.

* FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOO tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto: “1. A Autora exerce a indústria de seguros em diversos ramos; 2. No exercício da sua atividade, celebrou com CC um contrato de seguro do Ramo Multirriscos Habitação, titulado pela apólice com o nº ...01, tendo como local de risco Travessa ... esquerdo, ..., ..., correspondente à Fração H; 3. Em 9/4/2018, a solicitação da EDP, a 1.ª Ré deslocou-se à habitação da 2.ª Ré para identificar a avaria na máquina de secar roupa, que a 2.ª Ré havia reportado à EDP; 4. Após inspecção à máquina, o funcionário da 1.ª Ré verificou que o condensador da máquina se encontrava avariado, impedindo o motor de funcionar; 5. Verificou também o referido técnico que o filtro do condensador se encontrava degradado, tendo obtido da 2.ª Ré autorização para substituir ambos os componentes; 6. No dia 18/4/2018, o técnico voltou à habitação da 2.ª Ré e instalou na máquina de secar roupa o condensador e o filtro do condensador; 7. Após a colocação das peças na máquina, o técnico da 1.ª Ré solicitou à 2.ª Ré que ligasse a máquina e a colocasse em funcionamento, o que a esta fez, colocando algumas peças de...

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