Acórdão nº 1222/20.3T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução28 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

V..., S.A, instaurou contra T..., Lda e J..., LDA., ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu: A condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia de 215.506,90 euros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a entrada da petição em juízo.

Alegou.

Celebrou um contrato de seguro de transporte de mercadorias com empresa que identifica.

Que houve furto de mercadoria em transporte contratado com a 1ª ré e subcontratado à segunda ré no valor de mais de 215 mil euros.

Pagou ao tomador do seguro tal quantia.

Ficou sub-rogada no direito desta.

As rés são responsáveis pelo furto, pois que o motorista do camião parou num parque não vigiado e sem luz.

As rés contestaram.

Disseram.

A tomadora do seguro não as informou do elevado valor da carga, o que inviabilizou que tivessem tomado as medidas necessárias para evitar o furto.

Inexistiu negligencia no transporte: o local de paragem reunia condições de segurança.

Pediram: A improcedência da ação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Nos termos e fundamentos expostos, 1. Julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, 2. Condenam-se as Rés T..., Lda. e J..., LDA. a pagar solidariamente à Autora V..., S.A., a quantia de €20.513,52 (vinte mil, quinhentos e treze euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde a data da entrada da petição até integral pagamento.

3. Absolvem-se as Rés da restante quantia pedida pela Autora.» 3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: FACTOS PROVADOS A MODIFICAR OU A SUPRIMIR FACTO PROVADO 50) I. Há uma contradição evidente entre o que é dado como provado nos pontos 27) e 50) não correspondendo à verdade o constante do ponto 50), já que o próprio motorista tornou claro, no decurso do seu depoimento, que não há programação da empresa, havendo, isso sim, uma opção exercida por si, sendo a sua decisão fortemente influenciada pela existência do restaurante. Ficou provado que o motorista optou por parar no referido estacionamento, sendo certo que havia outros pontos possíveis para ele parar e não tinha instruções específicas para parar naquela área de serviço.

  1. As Rés não lograram fazer prova da existência dessas instruções específicas, o motorista não referiu qualquer instrução que lhe tenha sido dada para parar em determinado lugar, em detrimento de outro, e além disso confirmou ter sido ele a optar por aquele sítio para jantar e descansar, dentro da discricionariedade que ele declarou possuir.

  2. Impõe-se a exclusão do ponto 50) dos factos provados, por não ter sido lograda a sua prova e, pelo contrário, ter sido considerada provada a matéria do ponto 27, não podendo os dois factos coexistir de forma lógica no contexto em que se inserem.

    FACTO PROVADO 55): IV. Em face da prova produzida, não deveria ter-se dado como assente que a estação de serviço em causa tem “um parque para camiões com câmaras de videovigilância, câmaras estas fora de funcionamento, facto desconhecido das Rés e do motorista”, como se tal constituísse um atributo do parque de estacionamento, e como se se tratasse de um acidente o desconhecimento das Rés e do motorista da circunstância de as câmaras estarem fora de funcionamento.

  3. Não foi isso que resultou dos depoimentos e do relatório junto aos autos: não é o parque para camiões que tem as câmaras, mas sim a área de serviço e o restaurante.

  4. Ficou igualmente patente que todos os depoentes, com exceção do perito AA, desconhecem em absoluto a situação de funcionamento das supostas câmaras de vigilância e entendem não ser sequer sua competência ou obrigação conhecer essa situação, não havendo ninguém que tenha por incumbência ou por interesse a indagação quanto a esse funcionamento.

  5. Impõe-se a modificação do teor do ponto 55) dos factos provados para “A estação de serviço de M..., onde ocorreu o roubo das mercadorias, tem uma zona de estacionamento contígua ao posto de abastecimento e tem umas câmaras na lateral do restaurante local que não funcionam, sendo o seu estado de funcionamento desconhecido das Rés e do motorista” FACTO PROVADO 59): VIII. No que respeita ao ponto 59 dos factos provados, não foi feita prova das qualidades da estação de serviço vistas pelos “motoristas” em geral, mas sim apenas quanto aos motoristas que depuseram na audiência e que são ou foram todos eles motoristas das Rés, pelo que se propõe a alteração da redação do ponto 59) dos factos provados: “A estação de serviço referida é tida pelos motoristas das Rés como um local seguro para estacionar os camiões com mercadorias na zona em que se situa“.

    FACTO PROVADO 63): IX. As Rés não fizeram prova da inexistência de parques vedados e pagos nas imediações, tendo alegado desconhecer a sua existência, o que é diferente.

  6. Caso de facto não existissem nas imediações, seria relativamente fácil às Rés demonstrar ao Tribunal quais são e onde se encontram em Espanha, fora das imediações do local, os parques pagos e vigiados para pernoitar em segurança e a sua distância do local em causa.

  7. Impõe-se a eliminação do ponto 63) dos factos provados, por não ter sido produzida prova do seu teor.

    FACTOS PROVADOS 52) E 68): XII. As Rés alegam nos pontos 23.º e 38.º a 45.º da sua contestação no sentido de fazer crer ao Tribunal que o sinistro se deu por causa da pressa e da adequação do preço do frete ao trajeto e meios empregues no transporte, e que essa pressa tinha resultado de acordo com o Cliente R..., o segurado da Autora.

  8. Não existe, no entanto, nos autos um indício sequer de ter havido qualquer tipo de pressão da R... quanto à duração do transporte, o trabalhador da R... que depôs não fez qualquer menção a pressa ou urgência e não existe qualquer documento que refira a pressa ou a necessidade de cumprimento de datas específicas, sendo certo que o documento que contem as instruções de carga não refere datas ou urgências.

  9. Como resultou do depoimento da testemunha BB, são as Rés que querem que a sua viatura fique mais rapidamente disponível “(…) para fazer outros serviços, para faturar”, ou seja, a pressa é das Rés.

  10. Impõe-se, pois, a eliminação do ponto 68) dos factos provados, e deve igualmente ser retirada a expressão “de acordo com o acordado com a R...” do ponto 52) ficando este com a redação: “por forma a ser feito o menor tempo possível”.

    FACTOS PROVADOS A ADITAR XVI. A decisão da matéria de facto não contem qualquer matéria sobre a questão central do desaparecimento da mercadoria enquanto se encontrava à guarda das Rés estando incompleta pois existem factos que foram alegados e que resultam evidentes da prova produzida, devendo ser aditados aos factos provados por forma a permitir uma decisão justa e conscienciosa.

  11. Foi alegado e ficou demonstrado que o motorista alega nada ter ouvido no decurso do desaparecimento da mercadoria, concretamente o desaparecimento de 134 (cento e trinta e quatro) cartões, com o peso total de 1.783,83 Kgs, o que equivale a um peso médio de cerca de 14 Kgs cada um, não se tendo sequer apercebido de quaisquer operações no seu camião, no interior do qual ele próprio aparentemente se encontrava, tendo essa circunstância relevância para a boa decisão da causa.

  12. Do depoimento do motorista resulta que ele absolutamente de nada se apercebeu que tivesse ocorrido durante o período em que permaneceu estacionado naquele local. A lona do seu camião, no interior do qual se encontraria ele próprio, foi golpeada e rasgada, e entraram pessoas no seu interior para desfazer paletes e descarregar 134 cartões, para o chão, cartões esses que tiveram de ser baldeados para outro meio de transporte para saírem daquele local. E tudo isto num intervalo de tempo, de acordo com o depoimento do motorista, relativamente curto, já que ele terá despertado muito cedo, quando ainda não havia luz.

  13. Impõe-se, para boa decisão da causa, o aditamento aos factos provados do facto 34 A) “O motorista não soube explicar as circunstâncias do desaparecimento da mercadoria, não tendo ouvido quaisquer barulhos e não se tendo apercebido de quaisquer operações na traseira do camião”.

    DO DIREITO XX. De toda a matéria julgada provada ressalta a falta de cuidado e diligência que as Rés demonstraram ter tido na proteção e guarda da mercadoria.

  14. Apesar de o veículo transportador estar carregado de mercadoria, as Rés optaram por não fazer as paragens para descanso em parque vigiado e vedado, optaram por não ter mais de um motorista permitindo assim o descanso do motorista sem ser necessária a paragem, optaram por realizar o transporte com um camião protegido apenas por lona e, mesmo tendo em conta a facilidade de acesso ao interior do camião, optaram por não instalar um qualquer sistema automático de deteção de intrusos, designadamente um alarme.

  15. As Rés estão completamente familiarizadas com a existência do risco de assaltos e furtos no decurso do transporte rodoviário de mercadorias.

  16. Os pontos 45 a 49, e 65 dos factos provados que constam da sentença a quo demonstram que as Rés têm conhecimento das formas adequadas de proteção das mercadorias transportadas.

  17. As próprias Rés afirmam que teriam recorrido a essas medidas se tivessem sabido qual o valor da carga transportada: teriam aumentado o tempo de trânsito (ponto 45), teriam utilizado um semi-reboque de caixa rígida (ponto 46), teriam “feito um seguro de carga” (ponto 47), “jamais” teriam carregado a mercadoria em causa na parte traseira do semi-reboque (ponto 48), teriam carregado a mercadoria “(…) na parte dianteira do semi-reboque, por forma a ficarem protegidas contra eventuais tentativas de roubo” (ponto 49 dos factos provados), teriam procurado parques vedados e pagos para o camião ficar aparcado durante a noite (facto 65).

  18. A própria sentença a quo o confirma “(…) verifica-se que as Rés não adotaram todos os cuidados que a situação concreta lhes...

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