Acórdão nº 279/07.7TBCLB-J.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução21 de Maio de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO Por apenso aos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais com o n.º 279/07.7TBCLB, ao abrigo do disposto no art. 989.º, n.º 2 do n.C.P.Civil, intentou A (…), a presente ação de cessação da prestação de alimentos devida à filha, contra (…), sua ex-mulher e progenitora da sua filha e A (…) , sua filha maior de idade, peticionando a cessação da mencionada prestação em benefício desta sua filha, devendo os respetivos efeitos retroagir à data da maioridade desta, ou seja, a 29.04.2018.

Alega, para tanto, que, em 22.07.2008, foi regulado, por acordo, o exercício das responsabilidades parentais em relação à sua filha A (…) acordo esse sujeito a diversas alterações (cfr. apensos A, D e E), sendo que o valor da prestação de alimentos que se encontra obrigado a pagar, em benefício da sua filha, se cifra em 102,00€ (cento e dois euros), sem prejuízo do recurso apresentado pelo requerente, no qual pugnou pela respectiva redução (cfr. apensos E e F), sendo que, no dia 29.04.2018, a sua filha atingiu a maioridade.

Mais alega que se encontram preenchidos os requisitos para a cessação da prestação de alimentos que se encontra obrigado a pagar, porquanto a irrazoabilidade da exigência do cumprimento dessa prestação emerge do plano das relações pessoais entre ele (Autor) e a sua filha, do aproveitamento escolar da mesma e das suas (do Autor) condições socio-económicas.

Com efeito, em síntese, alega o Autor que, não obstante as insistências, a filha nunca se dignou atender ou, sequer, retribuir os telefonemas que lhe dirigiu, que a relação entre ambos foi-se deteriorando paulatinamente, motivado, exclusivamente, pelo afastamento incompreensível da filha, que inexiste qualquer convívio salutar entre ambos desde o mês de Junho de 2016, por vontade unilateral da filha, que, quando se cruzam, casualmente, na rua, a filha ignora-o, não o cumprimenta ou, sequer, lhe dirige a palavra, que inexistiu qualquer acontecimento grave que possa ter gerado o distanciamento entre ambos e que existe uma violação grave do dever de respeito por parte da sua filha para com ele (Autor) que integra causa de cessação da obrigação de prestar alimentos por manifesta indignidade.

Mais refere o Autor que, caso a filha tivesse efectuado um percurso escolar imaculado, ou seja, sem reprovações, estaria a concluir o 12.º ano, sendo que a mesma já reprovou por duas vezes e que, se não tiver aproveitamento escolar este ano, isso sempre constituirá fundamento de cessação da prestação de alimentos em apreço.

Por fim, alega o Autor que, não obstante o acordo firmado no âmbito do apenso A, em 04.05.2015, a sua situação socioeconómica se alterou substancialmente desde então, que, à época da materialização do acordo em apreço, o Autor anuiu que o valor da prestação de alimentos se fixasse em 100,00€ (cem euros), na medida em que o seu agregado familiar era apenas constituído por si, pela sua companheira e por um filho desta, encontrando-se aqueles dois primeiros a trabalhar, sendo que, hodiernamente, o seu agregado familiar é composto por mais um elemento, atento o nascimento do filho comum do casal, de nome M (…), em 02.02.2016, que, desde Abril de 2016, tem apresentado (o Autor) atestados médicos, perante a sua entidade patronal, dado o seu défice de estado de saúde que o impossibilita de trabalhar, bem como de prestar horas extras após o horário laboral, o que se reflecte na economia mensal do seu agregado familiar, que, desde Março de 2018, aufere 225,03€ de vencimento mensal, atentos os descontos e penhoras incidentes sobre o mesmo, que é com o rendimento mensal auferido pelo seu agregado familiar no valor total de 705,03€ que fazem face ao pagamento mensal das despesas com a renda da habitação (120,00€), consumos de água, gás e electricidade (70,00€), aquisição de fraldas, papas e creche do menor M (...) (120,00€), alimentação do seu agregado familiar (150,00€), aquisição de vestuário, calçado e produtos de higiene para os elementos do seu agregado familiar (50,00€), prestação respeitante ao empréstimo efectuado para aquisição do veículo automóvel, imposto de circulação, combustível e seguro (150,00€) e sua medicação (50,00€), que se não fosse o auxílio de amigos e o cultivo de produtos hortícolas, por certo que o seu agregado familiar, se encontraria em sérias dificuldades de subsistência, pelo que a sua situação socioeconómica é, igualmente, reveladora da irrazoabilidade em exigir-lhe o cumprimento de uma prestação de alimentos.

* As Rés contestaram alegando, em suma, que o Autor não tem razão, não podendo, atenta a factualidade invocada, ser declarada a cessação da prestação dos alimentos devidos à Ré filha, porquanto as relações pessoais entre o Autor e a Ré filha não podem ser invocadas para aferir da razoabilidade, ou não, da exigência do cumprimento da obrigação de alimentos, nos termos do disposto nos arts. 1880.º e 1905.º do Código Civil (doravante designado C.Civil), sendo certo que, ao longo do tempo, a relação entre pai e filha tem vindo a deteriorar-se, mas que, ao contrário do que afirma o Autor, tal situação não se deve a uma conduta unilateral da Ré filha, não sendo verdade que inexistiu acontecimento grave que possa ter gerado esse distanciamento, tendo existido vários motivos para isso, nomeadamente, o facto de o Autor ter saído de casa sem dizer nada à Ré filha, de o Autor falar mal da Ré progenitora e de ter refeito a vida com uma companheira com a qual a Ré filha não se sente à vontade e com a qual surgiram vários conflitos, não mais conseguindo, pai e filha, gerir, em conjunto, a relação entre eles, sendo certo que a Ré filha nunca violou o dever de respeito para com o pai, nunca atentando contra a vida do mesmo, nem o maltratando física ou verbalmente, não bastando, para desonerar o progenitor da obrigação de prestar alimentos, o facto de filha e pai não se relacionarem, nem sendo uma violação grave do dever de respeito a filha não falar com o pai.

Referem também as Rés que as duas reprovações da Ré filha ocorreram, a primeira, aquando do divórcio e a segunda, aquando da efectiva separação dos progenitores, demonstrando-se a influência que a separação dos pais teve no (des)equilíbrio emocional e psicológico da Ré filha, mas que, no ano lectivo 2017/2018, a mesma obteve aproveitamento escolar, tendo transitado de ano.

Alegam ainda as Rés, em suma, que a redução do vencimento do Autor advém das penhoras que incidem sobre o mesmo, por reiterado incumprimento do pagamento das suas obrigações, sendo que as mesmas são temporárias, que, considerando o rendimento total do agregado familiar do Autor, não é irrazoável que se exija que este continue a pagar a pensão de alimentos à Ré filha e que, no âmbito dos apensos E e F, o Autor pugnou pela redução da pensão de alimentos, tendo havido decisão no sentido de fixar em 75,00€ o montante devido a este título.

* Realizou-se audiência de discussão e julgamento, observando-se o formalismo legal, como das respectivas atas consta, sendo certo que se tentou, no início da audiência de julgamento, a conciliação/acordo das partes, o que não se logrou.

* Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados (e não provados), relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que face aos factos apurados importava concluir que não cessava a obrigação, a cargo do Autor, de prestar alimentos à sua filha A (...) , antes era razoável e justo que o Autor continuasse a contribuir para o sustento e formação da dita Ré A (...) , sua filha, termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”: «VI – DECISÃO: Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, decido: - Julgar improcedente a presente acção e, em consequência, absolver as Rés C (…) e A (…) do pedido e condenar o Autor A (…) nas custas do processo.

* Registe e notifique.» * É com esta decisão que o Autor não se conforma e dela vem interpor recurso de apelação, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões: (…) * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

* A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído, sendo que nesse mesmo despacho sustentou a não verificação da arguida nulidade da sentença.

* Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são: - nulidade do erro sobre a forma do processo [art. 193º do n.C.P.Civil]?; - impugnação da matéria de facto [quanto aos pontos de facto “provados” sob “25.

”, “26.

”, “50.

” e “56.

” (relativamente aos quais propõe uma redacção diversa), quanto aos pontos de facto dados como “provados” sob “27.

” e “28.

”, e o “não provado sob “9.” (por não consubstanciarem factos mas, tão só, matéria de índole conclusiva, pelo que sempre deveriam ser expurgados dos respetivos elencos), e quanto aos pontos da facto dados como “não provados” sob “4.

”, “5.

”, “6.

” e “8.

” (relativamente aos quais sustenta que devem ser dados como “provados”, embora com redacção em função do que melhor foi sustentado supra em relação aos correlacionados factos dados por “provados” com proposta de redacção diversa)]?; - erro de decisão [ao concluir-se pela improcedência da pretensão do Autor, designadamente por não se considerar verificado o requisito da irrazoabilidade da exigência da obrigação da prestação de alimentos (cf. art. 1905º, nº2, do C.Civil)]? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos...

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