Acórdão nº 81/16.5T8MBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO A (…), e esposa M (…), intentaram contra C (…) , e esposa A (…), a presente ação declarativa de condenação, onde concluem pedindo pela procedência da ação e, em consequência:

  1. Que os RR. sejam condenados a reconhecer que os AA. são donos e possuidores do prédio urbano composto por casa de habitação com rés do chão e 1.º andar, pátio e garagem anexos, sito no Lugar (...) , (...) , (...) , atualmente inscrito na respectiva matriz predial da União de Freguesias de (...) e (...) sob o artigo 704 e descrito na CRP de (...) sob o artigo 855 ( (...) ); b) Que os RR. sejam condenados a reconhecer a existência de uma servidão de passagem a pé e de carro, constituída por usucapião, a exercer pelo caminho descrito em 15.º a 24.º da petição inicial, a favor do prédio referido em a) e a onerar o prédio urbano composto por casa de habitação com dois pisos e pátio, sito no Lugar (...) , (...) , (...) , atualmente inscrito na respectiva matriz predial da União de Freguesias de (...) e (...) sob o artigo 686 e descrito na CRP de (...) sob o artigo 75 ( (...) ), cuja propriedade se encontra inscrita a favor dos RR.; c) Que os RR. sejam condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos que estorvem ou dificultem a passagem das pessoas e carros sobre o referido caminho e a retirarem os cadeados e tranca que colocaram no portão de entrada; d) Que os RR. sejam condenados a pagar aos AA. a importância de 3.000 euros, a título de indemnização de danos não patrimoniais sofridos por aqueles; e) Que os RR. sejam condenados no pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de 100 euros, por cada dia de atraso, e após respetivo trânsito em julgado, no cumprimento da sentença que vier a ser proferida.

    Para tanto, alegam, em síntese, a propriedade do prédio urbano composto por casa de habitação com rés do chão e 1.º andar, pátio e garagem anexos, sito no Lugar (...) , (...) , (...) , atualmente inscrito na respectiva matriz predial da União de Freguesias de (...) e (...) sob o artigo 704 e descrito na CRP de (...) sob o artigo 855 ( (...) ) que adquiriram a D (…) e O (…), por escritura lavrada a 23.08.1978 e cuja propriedade se encontra inscrita a seu favor; mais alegam que, por si e antepossuidores, há mais de 20, 30 e 50 anos estão na posse do mesmo, depositando lenha, cereais e arados, guardando na garagem as viaturas, ocupando o primeiro andar com as mobílias, roupas e electrodomésticos, residindo nesse prédio dia e noite com os seus familiares sempre que se encontrem em (...) , atos praticados à vista de todos, ano após ano, sem interrupção ou oposição de quem quer que fosse, convictos de estarem a exercer direitos próprios e sem ofensa de direitos de terceiros, razão pela qual invocam o seu direito de propriedade adquirido, se mais não for, por via da usucapião; mais alegaram que os RR. são proprietários do prédio urbano composto por casa de habitação com dois pisos e pátio, sito no Lugar (...) , (...) , (...) , atualmente inscrito na respectiva matriz predial da União de Freguesias de (...) e (...) sob o artigo 686 e descrito na CRP de (...) sob o artigo 75 ( (...) ) e cuja propriedade se encontra inscrita a favor dos RR.; alegam igualmente que o acesso ao seu prédio sempre foi feito, a pé, com animais à rédea e com carros de bois, pelo prédio dos RR., e desde há mais de 37 anos, é assim feito com tractores e outras viaturas, por um caminho em terra batida, com cerca de três metros de largura, situada no limite sul do prédio dos RR., caminho que parte da rua no limite sul – nascente, no local onde, à presente data, existe um portão de ferro, e segue no sentido nascente – poente até ao enfiamento das entradas para a garagem e para casa de habitação do prédio dos AA., desembocando depois no prédio pertença de M (…); mais alegam que, desde há mais de 15, 20, 30 e 50 anos, por si e antepossuidores, passam pelo leito do referido caminho, sempre que se dirigiam a pé e de carro, ou seja, com tractores e outras viaturas, para o seu prédio, leito que pela passagem reiterada ficou duro e trilhado e com vestígios deixados pelas pegadas e pelas rodas dos carros, facilmente percetíveis, o que fizeram à vista de todos, sem interrupção ou oposição de quem quer que fosse e na convicção de estarem a exercer direito próprio e sem lesão de direitos de terceiros; mais alegaram que, há cerca de 7 a 8 anos, os RR. procederam à realização de obras de vedação do seu prédio e, nessa altura, colocaram um portão de chapa de ferro, com cerca de 3,70 metros de comprimento, no local onde, antes, existia a portaleira, tendo entregue aos AA. umas chaves; mais alegaram que, à data da prolação da decisão proferida no âmbito do processo 5/1991 – processo por via do qual os AA. pretenderam o reconhecimento da servidão de passagem pelos anteriores proprietários do prédio dos RR. – o tribunal considerou demonstrado, já então, que nos então últimos 12 anos, os RR. passavam no aludido caminho com viaturas, o que continuaram a fazer, desde então e até à presente data; alegaram ainda que, em Dezembro de 2015, os RR. colocaram cadeados no portão de acesso ao caminho, permitindo apenas o acesso a pé, tendo, em Fevereiro de 2016, mandado estacionar uma viatura no enfiamento do portão da entrada e no leito do caminho de forma a impedir a passagem; alegaram finalmente que, desde Janeiro de 2016, e em virtude da obstrução da passagem pelos RR., têm sofrido desgosto, sofrimento e tristeza, nervosismo e dificuldades em dormir, especialmente ao R. marido que necessitou de tomar ansiolíticos para dormir, arrelias e incómodos decorrentes das inúmeras viagens que necessitaram fazer para intentar a presente ação, tudo danos não patrimoniais cuja compensação quantificam em valor não inferior a 3.000 euros.

    Concluem, assim, pela condenação dos RR. nos termos acima descritos.

    * Tendo sido todos regularmente citados, a fls.59 e seguintes dos autos, vieram os RR. apresentar a sua contestação, impugnando, grosso modo, os factos invocados pelos AA. e alegando, em síntese, que possuem o prédio referido em b), por si e antepossuidores, há mais de 20, 30 ou 40 anos pública e pacificamente, que o seu prédio parte de sul com o prédio dos AA. e que ambas as partes não residem permanentemente nos respetivos prédio porquanto os AA. são emigrantes em França há mais de 20 anos e os RR. residem e trabalham em X (...) Portugal desde 1982, habitando o seu prédio alguns dias por ano; mais alegaram que, à data da aquisição do seu prédio, foram informados da existência de uma servidão de passagem a pé e com animais à rédea que onerava o seu prédio em benefício do prédio dos AA., sendo tal acesso feito apenas desse modo e não através de carros, tractores ou outros veículos, sendo que tal passagem, a ter lugar, foi feita à revelia deles RR.; mais alegaram que apenas entregaram as chaves do portão para passarem no caminho a pé e com animais à rédea, em conformidade com o determinado por decisão judicial no processo 5/1991; mais alegaram que, em meados de 2015, foram interpelados pelos AA., por carta datada de 11.08.2015, dando-lhes conta do direito de passar de carro, invocando o teor da decisão judicial referida, razão pela qual, por carta datada de 04.11.2015, eles RR. informaram os AA. de que tal direito apenas se circunscrevia à passagem a pé e com animais à rédea, posição que reiteraram por via de notificação judicial avulsa, interrompendo, assim, qualquer prazo de constituição de servidão.

    Em sede reconvencional, e para o caso de se considerar a existência de servidão de passagem pretendida pelos AA., vieram os RR. alegar que o prédio dos AA. comunica, a nascente e sul, com a rua pública, deitando o logradouro nascente deste prédio para a via pública e através do qual pode ser garantida a passagem de veículos, sem onerar o prédio dos RR., através da realização de obra de baixo custo e sem qualquer inconveniente substancial já que o referido logradouro não tem qualquer uso, cultura ou árvores, e permite traçar uma passagem mais curta e mais direta dos veículos provenientes da via pública para o prédio dos AA., razão pela qual peticionam a extinção da servidão por desnecessidade, extinção que, com os mesmos fundamentos, e em qualquer caso, pretendem ver reconhecida relativamente à servidão de passagem a pé e com animais à rédea.

    * A fls.75 e seguintes dos autos, vieram os AA. apresentar a sua réplica, reiterando tudo quanto alegado em sede de petição inicial, impugnando, no mais, e grosso modo, tudo quanto alegado em sede de reconvenção, designadamente, a existência de uma situação de desnecessidade da passagem para acesso ao prédio dos AA., alegando, além do mais, que, ainda que assim fosse, sempre se manteria a servidão de passagem de acesso ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 531 da União de freguesias de (...) e (...) , pertencente à herança indivisa deixada por óbito de Z (…) Concluem nos termos da petição inicial e pela improcedência da reconvenção.

    * A fls. 81 e seguintes, vieram os RR. “responder” à réplica, nos termos ali melhor vertidos.

    * Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e, nos termos do art.596.º n.º 1 do CPC, foi definido o objecto do litígio e foram fixados os temas de prova.

    * Realizou-se a audiência final, com observância do inerente formalismo legal, como se alcança das respectivas atas.

    Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir, sem que estivesse em causa o direito de propriedade sobre o prédio referido em 1) em favor dos AA., já no que concerne à existência de servidão de passagem de carro [pois que quanto à servidão de passagem a pé já se encontrava ela constituída por anterior sentença judicial], constituída por usucapião, a favor do prédio referido em 1) dos AA., e onerando o prédio dos RR., servidão essa exercida através de um caminho com cerca de 3 metros de largura que parte da via...

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