Acórdão nº 9335/18.5T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

No âmbito do processo de inventário – que correu termos no Cartório Notarial de (…) – para partilha da herança de V (…) e M (…), a cabeça de casal A (…) prestou declarações com o seguinte teor: - O Inventariado V (…) faleceu em 23/10/2011, no estado de casado com M (…) no regime de comunhão geral de bens, deixando como herdeiros o cônjuge sobrevivo e duas filhas: A (…) e Z (…); - Z (…) faleceu entretanto, deixando como herdeiros o seu cônjuge A (…) (que repudiou a herança) e os seus filhos H (…) e J (…) - A referida M (…) veio a falecer em 08/03/2013, no estado de viúva, deixando os seguintes herdeiros: . A sua filha A (…) . Os seus netos – em representação de Z (…)(filha pré-falecida da Inventariada) – H (…) e J (…).

Apresentada a relação de bens, foi realizada a conferência preparatória onde se consignou que, por maioria de 2/3 dos titulares do direito à herança nos termos do nº 1 do artigo 48º do RJPI – com deliberação favorável das interessadas A (…) e H (…) com a oposição do interessado J (…) –, os bens eram adjudicados nos termos que aí constam.

Após a adjudicação, o mandatário do interessado J (…), fez consignar o seguinte: “O interessado J(…) considera que a decisão tomada pelos demais interessados relativamente à adjudicação de todos os bens, em particular os bens imóveis que fazem parte do presente processo de inventário, é profundamente injusta, violando frontalmente o princípio da igualdade de tratamento entre herdeiros e da procura de uma partilha justa e equilibrada entre os mesmos. Com efeito, relativamente aos bens imóveis, e concretamente no que concerne a prédios urbanos, constata-se que na relação de bens foram relacionados 17 imóveis. Todavia, desse conjunto de prédios urbanos, foi decidido pelos outros interessados, apenas por terem logrado constituir uma maioria que lhes permitisse distribuir a seu bel-prazer todos os bens que compunham a herança, atribuir-lhe um único prédio urbano, concretamente o que se encontra relacionado sob a verba n. º 68 da relação de bens já atualizada. Para todos os efeitos legais, pretende neste momento que fique desde já consignado o seu total desacordo relativamente ao decidido pelos demais interessados".

Em resposta, o mandatário das interessadas A (…) e H (…) fez consignar o seguinte: “O que foi feito na presente Conferência Preparatória obedece à lei e não padece de qualquer vício ou ilegalidade não deixando certamente, e por isso, de vir a ser homologado”.

Foi elaborado despacho determinativo sobre a forma da partilha onde se concluiu pelos seguintes quinhões: 514.574,59€ para a interessada A (…), 257.290,29€ para a interessada H (…) e 257.290,29€ para o interessado J (…). Mais se consignou em tal despacho que, no que toca às adjudicações de bens e pagamentos, “…respeita-se o acordo obtido na Conferência Preparatória, constantes da respetiva ata, com a retificação agora apurada relativa ao valor das tornas…”. De seguida foi elaborado o mapa da partilha em conformidade com o aludido despacho, pelo que os quinhões foram preenchidos com os bens adjudicados na conferência, concluindo-se que A (…) tinha direito a tornas no valor de 1.600,47€, H (…)ficava obrigada a pagar tornas no valor de 1.656,27€ e J (…) tinha direito a tornas no valor de 55,80€.

O interessado J (…) impugnou judicialmente o despacho determinativo sobre a forma da partilha e mapa da partilha, impugnação que veio a ser rejeitada por intempestiva.

O referido interessado reclamou desse despacho e tal reclamação veio a ser julgada improcedente por decisão judicial proferida em 21/03/2019.

O processo foi então remetido ao tribunal onde foi proferida sentença – em 20/05/2019 – que homologou a partilha constante do mapa de partilha e adjudicou aos interessados os quinhões que naquele, expressa e respectivamente, lhes foram atribuídos.

Inconformado com essa decisão, o interessado J (…) veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

  1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença judicial proferida pelo Tribunal a quo que homologou a partilha feita no presente processo de inventário constante do respectivo mapa de partilha e com a adjudicação aos interessados dos bens que lhes foram atribuídos, conforme tudo melhor consta do teor da sentença recorrida.

  2. Tendo aquela decisão judicial sido notificada ao interessado J (…)mediante comunicação electrónica realizada no dia 20.05.2019, emanada do Cartório Notarial da Dra. (…), foi o presente recurso apresentado no pressuposto da validade dessa notificação.

  3. Existem diversas incongruências e diferentes formas de processamento e de tramitação dos processos de inventário por parte dos cartórios notariais que provocam nos interessados uma completa incerteza e falta de segurança quanto ao regime processual a adoptar.

  4. Não tendo o presente processo escapado a essa incerteza agravada pelas próprias dificuldades da exacta interpretação do novo regime jurídico do processo de inventário, está, contudo, o Recorrente plenamente convencido de que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo não poderia ter homologado a presente partilha.

  5. O ilustre julgador de 1.ª instância deixou escapar dois aspectos fundamentais que consistiram no facto de a decisão da Senhora Notária ter assentado no errado pressuposto de que a deliberação tomada em sede de Conferência Preparatória tinha sido validamente formada por uma maioria de 2/3 dos titulares do direito à herança, nos termos estabelecidos no artigo 48.º, n.º 1 do RJPI.

  6. Por outro lado, ao ter homologado aquela partilha nos termos em que o fez, também não atendeu à circunstância de se encontrar perante uma situação de manifesta desigualdade de tratamento e de desproporção na atribuição dos bens entre os herdeiros, em violação ostensiva de normas de direito substantivo, como também em ofensa de direitos constitucionalmente consagrados.

  7. A generalidade dos autores entendem presentemente que ao ser chamado a proferir uma decisão judicial acerca da partilha, o juiz exerce um verdadeiro controlo jurisdicional sobre a legalidade e a substancia dos actos praticados pelo notário.

  8. Impende sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, do ponto de vista substantivo (cumprimento as disposições legais substantivas) e processual (nulidades e excepções de conhecimento oficioso) o que foi expressamente reconhecido no Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República de 12.12.2012, sobre a Proposta de Lei n.º 105/XII, que antecedeu a Lei 23/2013, de 5 de Março. – Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira, Regime Jurídico do Processo de Inventário – 3.º Edição, a págs. 369 e seguintes: I) Em idêntico sentido, também se pronunciou Eduardo Sousa Paiva e Isabel Cabrita, Manual do Processo de Inventário – 1.ª Edição, a págs. 195, nos seguintes termos: “Caso entenda que a mesma não se encontra correctamente efectuada, parece-nos que o juiz deverá proferir despacho nesse sentido, apontando os lapsos de que a partilha enferma e determinando a respetiva correcção. Entendimento diverso, ou seja, que o juiz não poderia sindicar tais falhas, corresponderia a concluir que o juiz estaria vincular a homologar uma partilha erradamente efectuada, esvaziando completamente de sentido a intervenção judicial nesta fase do processo.” J) Veja-se, ainda, a este propósito a recente tomada de posição por parte de Abílio Neto, em Direito das Sucessões e Processo de Inventário – Anotado, Outubro/2017 a págs. 999, ao enunciar: “Concluímos, pois, que a decisão homologatória da partilha configura-se como verdadeiro acto jurisdicional constitutivo e de validação de todos os actos praticados até aí no processo, repensando a solução a que aderimos, embora dubitativamente, na 1.ª edição deste livro.” K) Sendo que, no plano jurisprudencial, e dentro desta mesma linha de raciocínio também recentemente se pronunciou o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 27.06.2018, disponível em www.dgsi.pt, que decidiu pela anulação da sentença homologatória da partilha e de todos os actos subsequente, tendo, na sua fundamentação deixado expressa a opção clara por um entendimento mais amplo relativamente ao papel do juiz na verificação da conformidade dos actos praticados por parte do notário, bem como da apreciação da legalidade e regularidade do processo.

  9. Na deliberação tomada em sede de Conferência de Interessados só aparentemente é que se poderá considerar ter sido alcançada uma maioria de 2/3 dos titulares do direito à herança.

  10. Se no caso da interessada (…) dos de cujos a mesma se trata de uma herdeira legitimária directa quer por óbito de seu pai quer por óbito de sua mãe, sendo por conseguinte titular directa ou primitiva dos direitos naquelas heranças, o mesmo já não acontece no que respeita aos interessados H (…) e J (…), netos dos inventariados.

  11. Estes interessados apenas foram chamados à sucessão em virtude do falecimento de sua mãe Z (…), pelo que os seus direitos nestas heranças é justamente aquele que competiria à primitiva ou herdeira originária.

  12. Ora, nesta situação a mencionada maioria de 2/3 dos titulares do direito à herança só pode ser interpretada no sentido de que essa maioria é aferida pela proporção e participação dos herdeiros primitivos na herança, considerando-se para o efeito a unidade do quinhão provindo do direito de...

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