Acórdão nº 121/13.0JALRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução25 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos de processo comum (tribunal singular) supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Local Criminal de Leiria – Juiz 1, e que originaram o presente recurso em separado, foi proferida sentença que condenou o arguido A. pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22/01, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

No decurso do período de suspensão o condenado praticou diversos crimes, pelos quais veio a ser condenado na pena única de 20 anos de prisão.

A audição presencial do condenado foi dispensada por despacho de 20 de Maio de 2018, que tem o seguinte teor: Por sentença condenatória proferida nos autos e transitada em julgado a 12.05.2014 (cfr. fls. 550), foi o arguido A. condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

No período da suspensão, o arguido foi alvo de nova condenação, pela prática de 1 (um) crime de homicídio agravado, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM), pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física agravado, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3 do RJAM e pela prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) do RJAM, no âmbito do Processo n.º 370/15.6JALRA, tendo sido condenado na pena única de 20 (vinte) anos de prisão, por factos praticados no dia 30.08.2015 (cfr. certidão das decisões de cada uma das instâncias, de fls. 840 a 980).

Sem embargo de se reconhecer que a revogação de uma pena não opera de forma automática, cumpre evidenciar que o cometimento daqueles crimes – que assumem uma gravidade acentuada, como resulta de modo inequívoco da condenação do arguido numa pena de vinte anos de prisão -, no período da suspensão, constitui um facto concludente no que concerne à não realização das finalidades da punição inerentes a esta nossa pena, dado que o arguido, não obstante a censura do facto que lhe foi, por esta via, dirigida e a ameaça de prisão, voltou a delinquir. Por outro lado, note-se que a suspensão da execução desta pena não foi subordinada a quaisquer condições ou decretada sob regime de prova. Por tudo isto, decide-se dispensar a audição presencial do condenado.

Em sua alternativa, concede-se ao arguido a possibilidade de se pronunciar por escrito, por si ou através do seu defensor, no prazo de 10 dias, para o que ambos devem ser notificados – cfr. artigo 56.º, n.º 1, al. b) do CP e artigos 61.º, n.º 1, al. b)e 495.º, ambos do Código de Processo Penal; Notificado, veio o arguido requerer a sua audição presencial, arguir a nulidade do despacho que a substituiu pela possibilidade de se pronunciar por escrito e pronunciar-se desde logo sobre a eventual revogação da pena, peticionando a prorrogação do período de suspensão.

Foi então proferida decisão que revogou a suspensão da execução da pena, determinando o seu cumprimento.

Inconformado com essa decisão, dela recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. Por uma razão de precedência lógica do vício que reputamos de mais grave, principiamos pela arguição de nulidade do douto despacho recorrido, por ter sido preterido o direito à audição presencial do arguido previamente à decisão de revogação da suspensão da pena de prisão em que foi o mesmo condenado.

  1. Entendemos que a audição presencial do arguido, previamente à decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, é obrigatória em todo e qualquer caso, por imposição legal.

  2. Em todos os casos de possível revogação da suspensão da execução da pena de prisão é obrigatória a audição prévia do condenado, divergindo o entendimento se a lei impõe audição presencial ou se se basta com contraditório por escrito, pessoalmente ou por intermédio de defensor.

  3. Entendemos que a lei impõe a audição presencial do condenado previamente à tomada de decisão também no caso em que a revogação da suspensão deriva de prática de crime, no período da suspensão, isto porque o despacho que revoga a suspensão da pena deve ser entendido como complementar da sentença, na medida em que está em causa a conversão de uma pena suspensa numa pena muito diferente, privativa de liberdade.

  4. O direito de audiência deverá ser sempre preservado, só podendo, e devendo, ser ultrapassado nos casos em que os arguidos se esquivam ao contacto ou não comparecem, uma vez que, e posto que a revogação da suspensão nunca é automática, é a tomada de declarações ao arguido que constitui o verdadeiro contraditório.

  5. A decisão de revogação da suspensão, que implica sempre um juízo de ponderação, pois a revogação não é consequência automática da verificação de um qualquer facto objectivo, deve estar colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do condenado (Acórdão n.º 422/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Setembro de 2005).

  6. Ora, se existe esta preocupação no estrito plano da notificação do condenado, por maioria de razão a mesma deverá estar presente a montante, isto é, no momento que antecede a decisão de revogação ou de não revogação da suspensão, tanto mais que o arguido continua a ter o direito a ser ouvido em qualquer fase do processo (cfr. artigo 61º n° 1, al. b), do Código de Processo Penal).

  7. E isto porque: "A prática de um crime durante o período de suspensão da pena só deve constituir causa de revogação da suspensão quando essa prática, em concreto, tendo em conta, além do mais, o tipo de crime, as condições em que foi cometido e a gravidade da situação, fique demonstrado que não se cumpriram as expectativas que estiveram na base da aplicação da suspensão (Vide Ac. do TRP, datado de 18/04/2012, Relator Mouraz Lopes, in http://www.dgsi.pt/) no qual se sustenta ainda que a audição do arguido é não só obrigatória como também deve ser presencial, salvo a excepção decorrente de uma absoluta ausência do arguido.

  8. A exigência da audição presencial do arguido é a interpretação que melhor salvaguarda o efectivo direito de defesa consagrado no artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, já que, e no que respeita ao caso vertente, é a única que se compagina com a exigência contida no artigo 56º, na 1, al. b), do Código Penal, de indagar se as finalidades que estavam na base da suspensão ficaram irreversivelmente comprometidas pelo cometimento do novo crime no período da suspensão, no seu óbvio cotejo com o direito a ser ouvido plasmado no artigo 61º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal.

  9. As disciplinas previstas nos artigos 492º, nº 2 e 495º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, encerram simplesmente uma clara especialidade, atenta a especificidade das situações ali contidas, não consubstanciando regras capazes de afastar as demais situações ali não abarcadas, constituindo um claro sinal de que o legislador pretende que exista um contraditório pessoal, que não meramente formal, v.g. através do mandatário ou do defensor, criando aqui a compreensível excepção da presença do técnico.

  10. Não faria sentido que estando apenas em causa a modificação dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostas fosse obrigatória a audição do condenado, e o mesmo não sucedesse nos casos em que estaria iminente a sua possível reclusão, pois a situação vertente é claramente mais gravosa que a do incumprimento das condições da suspensão.

  11. Só se não for possível a audição presencial do arguido, envidando o tribunal todos os esforços nesse sentido, é que poderá ocorrer a notificação do defensor para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão.

  12. Saliente-se que, no caso vertente, a Digníssima Representante do Ministério Público, em promoção de 15/03/2018, com fundamento, precisamente, nos art. 56.° n.º 1 alínea b) do CP e 61 n.º 1 alínea b) do cpp, partilhando, por certo, deste entendimento, promovera a designação de data para a audição presencial do arguido.

  13. A omissão da audição presencial do arguido previamente à decisão quanto à eventual revogação da suspensão da pena constitui nulidade insanável, ao abrigo do disposto no art. 119.° alínea c) do CPP, nulidade que agora expressamente se invoca e se vem arguir, para todos os devidos e legais efeitos e que pode ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.

  14. A sobredita nulidade, de acordo com o disposto no artigo 122° do Código de Processo Penal, gera a nulidade do despacho recorrido, que determinou a revogação da suspensão da pena de prisão, impondo-se, pois, a sua revogação e substituição por outro que determine a audição presencial do arguido, em audiência de discussão e julgamento.

  15. Por despacho de 20/03/2018, de fls. 1004-5, transitado em julgado, foi dispensada a audição presencial do condenado no âmbito deste incidente de revogação da suspensão da pena de prisão, tendo o condenado, além do mais, arguido a nulidade desse despacho, a fIs. 1025-1036, com fundamento na nulidade insanável do art.º 119º alínea c) do CPP, requerendo a sua substituição por outro que designasse data para a audição presencial.

  16. Foi proferido despacho a determinar a notificação do condenado para tomar posição sobre as informações remetidas a seu pedido, como refere o douto despacho recorrido, porém, omitindo-se, por completo, a apreciação da nulidade insanável arguida em anterior requerimento, e concedendo-se prazo à defensora do arguido, para requerer ou alterar o que tivesse por conveniente a respeito do incidente em causa (sublinhado nosso).

  17. Na sequência de tal notificação, entre outras coisas, e louvando-se em todos os argumentos explicitados aquando da arguição da nulidade insanável do art. 119º, alínea c) do CPP, requereu o condenado a designação de data para audição...

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