Acórdão nº 3670/18.0T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. M (…), residente em (...) , intentou contra A (…) residente em (...) , e S (…) S.A., com sede em (...) , acção declarativa, peticionando a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia total de 23.800 €, acrescida de juros desde a citação.

Para tal alegou, em resumo, ter sido submetida a um exame de colonoscopia, efectuado pelo médico 1º réu, aí tendo sofrido perfuração do intestino. Mais disse que quando saiu do consultório gemia e chorava, o que fez na presença do 1º réu, que bem conhecia o estado em que se encontrava, tendo este meios para logo a socorrer, não a mandando para casa, o que não fez, não a tendo o 1º réu auxiliado ou assistido devidamente, deixando-a em grande sofrimento até ao momento em que foi submetida a intervenção cirúrgica, de urgência, no hospital, onde ficou internada durante 8 dias. Sofreu dores, perdeu qualidade de vida, sofreu um grande abalo moral e receia pelo seu futuro.

Os réus contestaram, dizendo que o exame foi efectuado sob sedação anestésica. Findo o mesmo o 1º réu explicou e contextualizou os vários cenários, por precaução e mero dever de informação, a qual também constava já do termo de consentimento por si assinado. A autora não careceu de medicação para a dor após o exame e abandonou a clinica sem ter reportado quaisquer queixas ou alterações do seu estado. Que a eventual perfuração configura um risco inerente à sua realização e que pode ocorrer sem se manifestar no imediato, mas apenas quando surge infecção consequente à saída do conteúdo intestinal para a cavidade abdominal, provocando então dores que agravam com os movimentos, febre, náuseas ou vómitos. Que aquando do exame a autora recebeu os impressos antes de entrar no consultório, que foram posteriormente explicados e esclarecidos pelo 1º réu antes da realização do exame, e que aquando deste não houve qualquer indício de complicações nem qualquer má prática médica do 1º réu, porquanto observou todas as leges artis.

A autora veio então impugnar os docs. juntos pelos réus.

* A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu:

  1. Condenar solidariamente os réus a entregar à autora a quantia total de 12.000 €, 2.000 dos quais a título de dano biológico e o remanescente a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da presente decisão e até integral pagamento.

  2. Absolver os réus do demais peticionado pela autora.

* 2. Os RR recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 3. A A. contra-alegou, concluindo que: (…) II - Factos Provados 1. A autora reside em (...) , concelho do (...) e está inscrita no Centro de Saúde do (...) .

  1. Em data anterior a Março de 2017 a autora começou a sentir alguns problemas intestinais.

  2. Nessa sequência recorreu ao seu médico de família do centro de saúde do (...) , Dr. (…), que a consultou em 27/02/2017, data em que a autora lhe transmitiu tem andado com dores ânus e com alteração do trânsito intestinal e muito nervosa e preocupada, pensa que tem coisa ruim.

  3. Nessa mesma data o seu médico de família aconselhou-a a fazer exames, prescrevendo-lhe análises ao sangue, um eletrocardiograma e uma colonoscopia.

  4. Munida das respectivas prescrições médicas a autora deslocou-se à P (…), onde fez as análises ao sangue.

  5. A funcionária da secretaria da identificada P (…) telefonou para a P (…)de (...) para agendar o exame de colonoscopia a efectuar à autora, que ficou marcado para o dia 13 de Março de 2017, pelas 11h45m, na P (…) de (...) .

  6. Após tal telefonema a identificada funcionária informou a autora que teria que tomar um medicamento que lhe mandaram comprar para lavagem do intestino e 4 litros desse líquido 3 dias antes do exame.

  7. Em momentos anteriores à realização do exame de colonoscopia a autora ingeriu 4 litros do tal líquido, 3 dias antes; esteve sem comer até à realização do exame e tomou um medicamento para lavagem do intestino.

  8. Com vista a realizar o exame de colonoscopia a autora deslocou-se à dita P (…) no dia 13 de Março de 2017.

  9. Antes de entrar para o consultório a autora recebeu os impressos para o consentimento informado e, já no consultório e antes do inicio do exame, a informação constante do termo de consentimento informado foi-lhe transmitida e esclarecida verbalmente pelo 1º réu, que a informou, em diálogo e linguagem adequada às suas capacidades, sobre os riscos de perfuração, hemorragia, infecção entre outros, bem como sobre o modo de reconhecer essas eventuais complicações.

  10. Nessa sequência a autora assinou o termo de consentimento constante de fls. 60/61 e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

  11. A eventual perfuração do colon consubstancia um risco inerente à realização do exame de colonoscopia, tratando-se de complicação cuja probabilidade de ocorrência é de 1/1000, e pode ocorrer sem se manifestar de imediato, manifestando-se mais tarde, quando surge a infecção consequente à saída do conteúdo intestinal para a cavidade abdominal, dando então dores que agravam com os movimentos, febre, náuseas ou vómitos.

  12. No mencionado dia, após a fase de posicionamento seguiu-se a sedação anestésica, após o que o 1º réu deu inicio ao exame de colonoscopia na pessoa da autora, mediante o uso de colonoscópio, o qual foi efectuado sob sedação anestésica, a qual revelou “Discretas hemorroidas. Alguns resíduos. Órgão enrolado e fixo a cerca de 40 cm da margem anal, que não foi possível vencer pelo risco de complicações. Neste trajecto não detectámos lesões nem seus indícios. Se a clínica o justificar será de tentar estudo por método alternativo”, exame que decorreu sem dor e sem diálogo com a doente.

  13. No referido acto médico estiveram presentes dois médicos, o 1º réu – médico gastrenterologista e um médico anestesiologista, e dois enfermeiros, um de cada uma das apontadas especialidades.

  14. A realização do exame decorreu sem quaisquer interfercorrências e sem ocorrer o mínimo indicio de complicações (dado que sem hemorragia, sem ruptura visível da parede intestinal, sem timpanismo, sem dor durante o exame e sem dor relevante no pós-exame imediato).

  15. Findo tal exame à autora não foi reconhecida necessidade de terapêutica da dor pós-colonoscopia, a qual recuperou e se posicionou em cadeira após recobro da sedação anestésica.

  16. Findo tal exame e ainda enquanto se encontrava na clinica a autora não conseguia caminhar nem pôr-se de pé sozinha, com o esclarecimento que aquela respondia às perguntas então efectuadas pelos clínicos “tenho muitas dores mas estou bem”.

  17. Depois de terminar o exame e após o recobro da autora o 1º réu dirigiu-se ao marido da autora, que estava na clinica na função de apoio e acompanhamento, informando-o que caso surgisse algumas das seguintes queixas: dor abdominal intensa, mal estar geral com sensação de desmaio, vómitos, febre, ou perda de sangue abundante pelo ânus, deveria de imediato contactá-lo ou dirigir-se com a sua esposa à urgência mais próxima.

  18. O 1º réu disse ainda ao marido da autora para a transportar para a casa muito devagar, o que aquele fez.

  19. Durante a viagem a autora teve vontade de vomitar, razão pela qual o seu marido parou duas vezes.

  20. Chegados a casa a autora deitou-se no sofá, sentindo-se incapaz de reagir a qualquer estímulo, dadas as dores físicas que possuía.

  21. Com os olhos fechados proferia alguns gemidos de dores.

  22. Na tarde do referido dia 13 de Março de 2017, a hora não concretamente apurada, a autora quis ir à casa de banho e, porque não o conseguia fazer sozinha, pediu ao seu marido e a um filho que a levantassem.

  23. Quando o marido e o filho a tentaram colocar de pé a autora desmaiou, perdendo os sentidos.

  24. O filho tentou reanimá-la e tentaram sentá-la no sofá, enquanto esperaram pela ambulância que haviam chamado.

  25. A autora, após ter reanimado, voltou a desmaiar novamente volvidos cerca de 10 minutos.

  26. De seguida os bombeiros compareceram transportando a autora da sua residência para as urgências do Centro Hospital (...) - (...) , onde deu entrada no mesmo dia 13 de Março de 2017, pelas 17h11m.

  27. Nessa unidade hospitalar foi diagnosticado que a autora havia sofrido uma perfuração/laceração acidental do colon durante o exame de colonoscopia referido supra, com o esclarecimento que tal perfuração foi causada durante o mencionado exame de colonoscopia.

  28. Em virtude de tal perfuração a autora foi submetida a uma cirurgia de urgência para ressecção “Hartmann” do recto, tendo sido sujeita a anestesia, com o esclarecimento que a 26/07/2017 foi submetida a cirurgia de restabelecimento do trânsito intestinal, que decorreu sem incidentes, tendo usado no período compreendido entre ambas as cirurgias saco para os detritos intestinais.

  29. E ficou internada no indicado hospital desde o citado dia 13 de Março até 20 de Março.

  30. Na sequência de tal perfuração e subsequente cirurgia a autora sofreu dores físicas.

  31. Que foram acompanhadas de emagrecimento e cansaço.

  32. A autora teve também muito receio de não mais conseguir levar uma vida normal.

  33. Chorava derivado ao seu estado de saúde, tendo a partir dessa data sentido que a sua qualidade de vida se deteriorou com as quotidianas dores abdominais que passou a passar.

  34. E passou, a partir dessa data, a consultar sucessiva e reiteradamente o seu médico de família, devido às dores provocadas pela referenciada cirurgia abdominal.

  35. A autora apesar de ter 69 anos de idade, sempre foi uma pessoa muito ativa.

  36. Até à data em que foi submetida ao exame de colonoscopia referido a autora sempre fez a sua lide doméstica, e sempre tratou da vinha, de um porco que matava todos os anos e por vezes fazia trabalhos agrícolas para fora, situação que se alterou desde e por causa de tal exame e pelo menos até 26/07/2017.

  37. Nos períodos imediatamente posteriores às ditas perfuração e cirurgia a autora deixou de ter as forças e a energia com que sempre se pautou, perdendo a confiança que tinha em si.

  38. E sentiu-se...

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