Acórdão nº 1757/17.5T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório S (…), S.A, com sede na (...) , (...) intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra M (…)residente no (...) , pedindo, a final, a condenação deste a: “(…)

  1. Reconhecer o direito de propriedade da A. sobre os prédios sitos em “ X (...) ”, concelho e freguesia de (...) , inscritos na matriz predial rústica do concelho de (...) (anterior a 1996) sob os artigos 1119, 1120 e 1121; b) Restituir à A., livres de pessoas e bens, os referidos prédios inscritos a matriz anterior a 1996 sob os artigos 1119º, 1120º e 1121º; c) Entregar à A. a quantia de 500 € por cada dia de atraso na restituição dos referidos prédios; d) Abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da A. dos prédios em causa; ou, em alternativa: e) Entregar à A. a parte restante do preço, 12.469,95€ (ou seja, 2.500.000$00) acrescida dos juros de mora vencidos contados desde a primeira interpelação para realização da escritura em Maio de 1992 e vincendos; (…)” Invocou para o efeito, em síntese, que é proprietária dos 3 referidos prédios rústicos (sitos em “ X (...) ”, concelho e freguesia de (...) , inscritos na matriz predial rústica do concelho de (...) , anterior a 1996, sob os artigos 1119, 1120 e 1121), prédios esses que foram objeto de contrato promessa de compra e venda celebrado em 16/10/1991 entre a ora A. (como promitente vendedora e então ainda com a denominação D (…), Lda.) e J (…) (como promitente comprador), pai do R. e já falecido, tendo sido acordado o preço de 5.000.000$00 e entregue, nesse mesmo dia, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.500.000$00, sucedendo que nunca o contrato definitivo foi celebrado, pese embora as várias tentativas feitas pela A. (designadamente, em 22/09/2017, quando instou, através de notificação judicial avulsa, o R. a celebrar o contrato definitivo ou a devolver os terrenos em causa livres de pessoas e bens).

    Mais alegou que tais prédios foram de imediato ocupados pelo pai do R., mantendo-se os mesmos atualmente ocupados pelo R., que os tem na sua posse, afirmando ser seu legítimo proprietário, “bem sabendo que não corresponde à verdade pois o contrato promessa celebrado entre a A. (ainda denominada D (…)) e seu pai nunca foi cumprido”[1].

    O R. contestou.

    Alegou, em resumo, que a A. não é proprietária nem possuidora dos prédios em causa, explicando que, em outubro/novembro de 1991, o seu falecido pai dizia ter comprado um conjunto de prédios rústicos à “D (…) (desconhecendo se tais prédios tinham os artigos matriciais 1119.º, 1120.º e 1121.º), compra de que dizia ter pago a totalidade do preço de cinco mil contos e que a “D(…)” não lhe podia fazer a escritura pois não tinha os prédios “legalizados”.

    Mais alegou que, em finais de 1991, o seu falecido pai lhe doou, verbalmente, os prédios que havia adquirido à D(…) e desde então, de forma contínua e ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, usou e fruiu, como coisa exclusivamente sua, tais prédios; tendo-os, em 1996, participado às Finanças, tendo a área global de 17.900 m2 sido inscrita a seu favor (com o artigo matricial rústico 1448 da extinta freguesia de (...) e a que corresponde o atual artigo matricial rústico 2815 da União das Freguesias de (...) e (...) ), procedendo, desde aí, ao pagamento dos respetivos impostos.

    Alegou ainda que, no dia 04/05/2012, procedeu à justificação notarial do direito de propriedade sobre tal prédio, após o que, na mesma escritura, o doou à sua filha (…), sendo esta a atual dona e legítima possuidora do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2815 da União das Freguesias de (...) e (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 815 da extinta freguesia de (...) e definitivamente registado a favor da filha do Réu pela Ap. 928 de 2012-07-06.

    Por último, invocou a prescrição do invocado crédito de € 12.469,95, decorrente, segundo a A., do seu pai não ter pago a totalidade do preço e de se haver constituído em mora em maio de 1992.

    A A. respondeu à exceção da prescrição, alegando que o pai do R., no final de fevereiro de 1998, reconheceu ser devedor de a quantia de € 12.469,95, não se encontrando assim o seu crédito extinto por prescrição.

    Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, em que se declarou a instância totalmente regular, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Foi designado dia para julgamento, tendo a A., durante a audiência, em 3/5/2018, requerido a ampliação do pedido, no sentido de ser declarada a nulidade da escritura de justificação (junta com a contestação) e, em consequência, ordenado o cancelamento do registo, ampliação que foi admitida.

    Posteriormente, em 14/5/2018, veio a A.

    deduzir incidentes de intervenção principal: de A (…), em seu nome e em representação da menor C (…) (alegando que o primitivo R. e a A (…)são pais da menor C (…), a quem foi feita a doação alegada na contestação[2]); e dos herdeiros na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J (…), representada por todos os seus herdeiros (alegando que os demais herdeiros do falecido pai do primitivo R. deverão ser chamados à ação, uma vez que um dos pedidos formulados diz respeito ao acervo hereditário deixado por óbito de J (…)), tendo mais tarde, em 16/5/2018, identificado os aludidos herdeiros, a saber: M (…), A (…), ; M (…), M (…), H (…) e M (…).

    Incidentes que foram admitidos e citados todos os chamados, os quais não produziram qualquer intervenção nos autos.

    Foi novamente designado dia para a realização da audiência final, após o que, esta realizada, a Exma. Juíza proferiu sentença, concluindo a sua decisão a “(…) julgar totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolveu o Réu M (…) e os intervenientes chamados M (…), A (…), M (…), H (…), M (…), e A (…) , , por si e na qualidade de legal representante de C (…), dos pedidos deduzidos pela Autora S (…) S.A. (…)” Inconformada com tal decisão, interpõe a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue o decidido e que a julgue a ação procedente.

    (…) O primitivo R. respondeu, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou as normas referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

    Obtidos os vistos, mantendo-se a instância identicamente regular, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * II – “Reapreciação” da decisão de facto Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

    Os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando assim do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, pelo que e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[3].

    Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, suscetíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – salienta-se e enfatiza-se, para que não haja quaisquer equívocos interpretativos sobre o que se acabou de dizer – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correção de pontuais, concretas e excecionais erros de julgamento; efetivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a atividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efetuada na 1.ª Instância).

    Efetuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos e ouvido o registo, efetuado em CD, do julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que não assiste, no essencial, razão à A/apelante.

    Vejamos: Começar-se-á por notar a seguinte singularidade: gira toda a impugnação da A/apelante à volta do que foi dado como provado sobre os poderes de facto exercidos sobre os prédios reivindicados, porém, não porque pretenda que se dê como provado que é ela/A. que exerce tais poderes de facto (ou ao menos que nunca o primitivo R. exerceu quaisquer poderes de facto), dizendo antes, em resumo, que apenas se provou que o primitivo R. exerce tais poderes de facto tão só após a morte do seu pai (ocorrida em 18/04/2016) e que, antes, desde 1991 e até à data da morte do pai, quem exerceu tais poderes de facto foi o pai do primitivo R..

    A título de exemplo, diz (o que deve ser entendido como sendo, na perspetiva da A/apelante, a favor da sua posição processual): Nas conclusões 3 e 4, que a testemunha (…) afirmou que “esse terreno era da posse do Sr. J (…), do pai” (…), que “na minha ótica o terreno foi do Sr. J(...) muitos anos e só depois foi doado ao filho”, que “se o Sr J (…)o era para mim garantidamente o dono do terreno e ele passa para a posse do M (...) deve ter havido aí um processo formal de legalização do terreno, certamente que o Sr. J (…) não foi amarrado fazer a escritura”.

    Na conclusão 6, que a testemunha (…) afirmou que “o Sr. J(...) é que estava sempre ali no terreno e dizia que o terreno era dele”, que “ele é que me dava ordem para ir lá cortar lenha”.

    Na conclusão 7, que a testemunha (…) afirmou...

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