Acórdão nº 487/18.5T8CLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

S (…) instaurou contra R (…) ação especial de divórcio litigioso.

Pediu: Fosse decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, dissolvendo-se o casamento, e, bem assim, fosse fixada uma pensão de alimentos em seu benefício a ser paga pelo réu, no valor mensal de 500,00€.

Alegou.

É doente sofrendo de fibromialgia.

O réu não lhe prestou apoio na doença.

Em Janeiro de 2018 saiu de casa onde habitava com o R. por violação por este do dever de assistência e cooperação relativamente à doença de que a A. padece.

Não pretende restabelecer a vida em comum por rutura definitiva do casamento com cessação de relações de qualquer espécie entre ambos há mais de um ano.

Está reformada por invalidez auferindo uma pensão de 397 euros e este valor não é suficiente para suportar as despesas que tem.

O R. contestou.

Impugnou os factos alegados pela autora.

Disse que esta se viciou na internet, descurou a vida familiar, contactou com homens com quem se relacionou sexualmente, e saiu de casa para ir juntar-se a um namorado.

Não é tão doente como alega, não tem necessidade de alimentos, nem o réu tem possibilidade de lhos prestar.

Pediu: A improcedência da ação e a condenação da autora como litigante de má fé.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «1.º Decreta-se a dissolução do casamento celebrado entre a autora S (..) e o réu R (…), com fundamento em divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, devido a ruptura do casamento com separação de facto por mais de um ano consecutivo e com vontade mútua e definitiva de não o restabelecer, casamento este que foi levado ao registo civil através do assento de casamento n.º 2277/2013, lavrado em 19 de Novembro de 2013, da Conservatória do Registo Civil de Peniche; 2.º Estabelece-se em favor da autora a pensão de alimentos mensal a ser paga pelo réu no valor de 100,00 € (cem euros).» 3.

    Inconformado recorreu o réu.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegou a recorrida pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Improcedência do pedido de alimentos 5.

    Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    5.1.2.

    No caso vertente.

    Impugna o recorrente o teor dos pontos 2, 20 e 22 dos factos provados.

    Para o ponto 2 com o seguinte teor 2- Do supra referido casamento existem dois filhos, ambos maiores, encontrando-se um deles a estudar na (...) , e tendo sido estabelecido a favor dele uma pensão de alimentos no valor de 50 euros a ser paga mensalmente pela autora ao réu.

    Pretende o seguinte: 2- Do supra referido casamento existem dois filhos, ambos maiores, encontrando-se um deles a estudar na (...) Para o ponto 20 com o seguinte teor 20- “ O Réu é agricultor e tem rendimentos mensais de 1.154,99 €, vive com os seus dois filhos, ambos maiores e com os pais, que são ambos reformados e comproprietários da casa (…) e paga um empréstimo para amortização da casa onde vive no valor de 195 euros” Pretende o seguinte 20- O Réu é agricultor e tem rendimentos mensais líquidos de 800,00 € e vive com os seus dois filhos, ambos maiores … e paga um empréstimo para amortização da casa onde vive no valor de 195,00 €.

    Para o ponto 22 com o seguinte teor 22 - A A. despende mensalmente em media o montante de 150,00 € com despesas de saúde, com farmácia”.

    Pretende o seguinte: 22 - A A. despende mensalmente em média o montante de 35,00 € em despesas de saúde, com farmácia “.

    Perscrutemos.

    Ponto 2.

    Diz o recorrente que os filhos do casal já atingiram a maioridade, que dos autos de regulação das responsabilidades parentais resulta que a pensão foi fixada em função da menoridade do (…), pelo que à data da sentença, a pensão já não era devida. Aliás nem durante a menoridade foi paga… Não é bem assim.

    Resulta dos artºs 1880º e 1905º nº2 do CC que se, no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á, em princípio, e salvas as exceções previstas neste último preceito, a obrigação de alimentos fixada na menoridade, até aos 25 anos de idade, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

    Significa isto que os filhos passam a ter automática e ininterruptamente, direito à pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos – Acs. TRG de 21.06.2018, p.

    458/18.1T8BCL.G1 e de 20.03.2018, p. 771/10.6TBVCT-D.G1, ambos in dgsi.pt.

    Assim, estando provado que o filho continua a estudar, continua a ter direito à pensão fixada, podendo as mensalidades vencidas a partir da maioridade serem exigidas diretamente por ele à mãe.

    E continuando a esta a ela vinculada, o que, em tese, que é o que releva - e independentemente de ser, ou não ser, paga -, constitui um encargo para ela.

    Ponto 20.

    O Sr. Juiz, não fundamentou este facto apenas com a específica argumentação para ele aduzida e mencionada pelo recorrente, antes, liminarmente, tendo mencionado: «No que respeita aos restantes - para além do facto 2 - factos dados como provados foi fundamental de uma forma geral toda a prova produzida em julgamento, nomeadamente a testemunhal, revelando todas as testemunhas amplo conhecimento do casal assim como do modo de vida de cada uma das partes após e antes da separação».

    (sublinhado nosso) Ora a recorrente não alega que esta prova – vg. a testemunhal - tenha sido irrelevante ou inócua, e, assim, contra ela se insurgindo, pelo que tem de concluir-se que se conformou com a relevância que o Sr. Juiz lhe atribuiu.

    Logo, ipso facto, quedaria vedado a este tribunal ad quem censurar esta resposta na medida em que os meios probatórios aduzidos pelo julgador são mais dos que o recorrente invoca em abono da sua pretensão e eles não foram pelo insurgente impugnados.

    Porém, ademais e substancialmente, verifica-se que para além dos rendimentos decorrentes do seu ordenado que ascende, quiçá mais formal do que realmente, a mais de 800 euros líquidos, o recorrente certamente comparticipa ainda nos proventos da sociedade agrícola.

    Pelo que dar-se como provado que o réu tem rendimentos mensais de cerca de 1.150,00 euros, não pode taxar-se de peregrino e inadmissível; antes, pelo contrário, tem de considerar-se admissível, porque tal prova queda ainda ínsita na supra aludida margem de álea em direito probatório concedida ao julgador.

    Ponto 22.

    Aqui assiste, parcialmente, razão ao réu.

    Neste campo de despesas saúde, dada a sua especificidade, a prova é mais exigente, quer no aspeto quantitativo quer no qualitativo.

    Nesta vertente, a prova documental é a normalmente aduzível e exigível.

    Naquela ótica, os documentos apresentados devem evidenciar, o mais...

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