Acórdão nº 1006/10.7TBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução25 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

O Sr. Advogado, Dr. F…, propôs, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, contra C…, Lda., acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, pedindo a condenação da última a pagar-lhe a quantia de € 14 400,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos, no valor de € 437,13, e vincendos.

Fundamentou a sua pretensão no facto de a ré haver contratado dos serviços do Advogado, Dr. L…, que, com conhecimento e assentimento da ré, substabeleceu em si os poderes que aquela lhe conferiu, tendo-lhe pago, da conta de honorários que lhe apresentou em Fevereiro de 2009, no valor de € 150 000,00, a quantia de € 60 000,00, ficando a dever-lhe a quantia € 93 000,00, acrescidos de IVA, e de a ré, apesar das solicitações, não lhe ter pago a quantia de € 14 400,00, referente a seis processos em que trabalhou.

A ré defendeu-se alegando que actuação do autor não se inscreveu no quadro de contratação dos seus serviços, mas num quadro de colaboração com o Dr. L…, seu mandatário, que contratou para que a representasse em processos fiscais e administrativos, não existindo qualquer procuração a favor do autor, sempre tendo entendido que as suas contas se fariam com o Dr. L…, que depois faria as que tivesse a fazer com o autor, que, em princípios de 2009, ponderou contratar directamente o autor, tendo sido confrontada, em Fevereiro desse ano com um pedido de pagamento parcial e provisão de honorários do autor, com a cominação de que são os liquidasse, renunciaria aos mandatos, e que não tendo conseguido encontrar novo mandatário, continuou a relação com o autor, tendo-lhe pago, em Julho de 2009, € 60 000,00, valor equivalente ao que pagara, no ano anterior, ao Dr. L…, não lhe tendo solicitado o envio de uma lista discriminada dos honorários de cada processo, que não se obrigou a liquidar.

Na sequência da audiência de discussão e julgamento – realizada com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente – foi proferida sentença que julgou a acção procedente.

Apelou a ré, pedindo a revogação desta sentença e a sua absolvição do pedido.

Ordenada pelo propósito de mostrar o mal fundado da decisão impugnada, a recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões: … Na resposta, a recorrida concluiu pela improcedência do recurso.

2.

Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto do modo seguinte: … 2.3. O decisor do tribunal a quo adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1.1. e 2.1.2., a seguinte motivação: Os factos dados como provados colhem a sua demonstração na confissão das partes sobre os factos vertidos em a, b, c, e serviços prestados e vertidos em r) e respectivos honorários. Sobre as circunstâncias em que o autor prestou os serviços forenses à ré valorou-se, essencialmente, o depoimento da testemunha Dr. L…que de forma clara relatou todo o circunstancialismo em que exerceu o mandato forense conferido pela ré, que substabeleceu com reserva no Dr. F… e se desligou dos processos; que a independência do autor era total; que nunca teve contas com o Dr. F…; que era a ré que pagava os honorários ao Dr. F…; Depoimento do SR…., que de forma clara, relatou que era advogado no escritório do autor; que fazia a ligação com a ré; que várias vezes se deslocou a Viseu para contactos com a ré, através do Sr. Dr. …, advogado e funcionário da ré; que a independência do autor era total; Depoimento da testemunha …, funcionária do autor e gestora d clientes, que de forma clara, coerente e sustentada relatou os contactos telefónicos que manteve com o departamento financeiro da ré; que lhe era respondido que iriam pagar; Depoimento da testemunha …, advogado e funcionário da ré que corroborou os contactos com o Sr. Dr. …, advogado do escritório do autor; que era através deste sr. advogado que a ré fazia a ligação com o autor; que recebia directamente da Covilhã as peças processuais elaboradas pelo autor; que a ré continuou a mandar processos, directamente, para o autor; mais disse que a ré fez um pagamento de honorários ao autor; A testemunha … confirmou os pagamentos de honorários ao autor e o envio de taxas de justiça e processos directamente para a Covilhã; Face a tais depoimentos e ao teor da nota de pedido de honorários e listagem de processos de fls. 27, cheques de fls. 73 e 74 relativos ao pagamento de honorários ao escritório do autor; faxe de fls. 75 onde o autor relembra à ré os honorários em falta; doc. de fls. 78 e lista de processos; e, ainda, sobre os honorários a documentos de fls. 04, dirigido pela ré ao autor em que aquela expressamente afirma “ … não nos merecendo qualquer reparo os honorários …” deu-se como provado o mandato forense e os honorários devidos pela ré ao autor. Sobre os pagamentos ao Dr. L… atendeu-se ao depoimento deste e recibos juntos aos autos.

Não se valoraram os depoimentos prestados em contrário ao supra decidido, bem como se não faz qualquer referência aos restantes documentos porque inócuos para a decisão ou reportados à relação entre a ré e Dr. L…, que é estranha ao objecto destes autos.

3.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

Nestas condições, de harmonia com a vinculação temática deste Tribunal ao conteúdo da sentença impugnada e das alegações das partes, a questão concreta controversa consiste em saber a decisão da matéria de facto do tribunal de que provém o recurso deve ser, com fundamento nu error in iudicando, modificado, e se, em face dessa modificação, a sentença impugnada deve ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente do pedido.

A resolução deste problema vincula, naturalmente, à aferição dos poderes de controlo desta Relação relativamente ao julgamento da matéria de facto da 1ª instância e à reponderação desse julgamento.

Entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma interdependência que se verifica na sua delimitação recíproca, em especial na sua confluência para a obtenção da decisão de um caso concreto. Dado que a delimitação da matéria de facto é feita em função da matéria de direito – visto que os factos são recortados e escolhidos segundo a sua relevância jurídica, i.e., segundo a sua importância para cada um das soluções plausíveis da questão de direito - justifica-se, metodologicamente, que a exposição subsequente se abra com o recorte sumário do contrato de mandato e do conteúdo da posição jurídica do mandante e do mandatário e obrigações que dele emergem para o mandante e para o mandatário.

3.2.

O contrato de mandato.

Na nossa lei civil fundamental a representação é dominada pela procuração. Esta tem, na linguagem jurídica corrente, um duplo sentido: traduz o acto pelo qual se confiram, a alguém, poderes representação – e, em simultâneo, exprime o documento em que tal negócio tenha sido exarado (artº 262 do Código Civil).

Enquanto acto, a procuração é um negócio jurídico unilateral: reclama apenas um única declaração de vontade, não sendo necessária qualquer aceitação para que produza os seus efeitos: caso não queria ser procurador, o beneficiário terá de renunciar á procuração (artº 265 nº 1 do Código Civil). A procuração, enquanto negócio jurídico, está, naturalmente, submetida aos respectivos preceitos gerais.

O Código Civil actual cindiu a procuração do mandato: a primeira promove a concessão de poderes de representação; o segundo dá lugar a uma prestação de serviço (artº 1157 daquele diploma legal).

Contudo, a lei pressupõe a existência sob a procuração de uma relação entre o representante e o representado, de um negócio-base, em cujos termos os poderes e deveres dela emergente devem ser exercidos.

Normalmente, esse negócio-base é um contrato de mandato. A procuração e o mandato ficam, assim, numa específica situação de união. De resto, é a própria lei a mandar aplicar ao mandato regras próprias da procuração (artºs 1179 e 1179 do Código Civil).

Esta circunstância explica que, muitas vezes, a lei, tendo em vista a procuração, não se refira directamente a esta – mas ao negócio que lhe subjaz: o mandato.

Assim, por exemplo, considera-se mandato forense o mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz (artº 62 nº 1 a) do EOA, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, com as alterações decorrentes do DL nº 226/2008 e da Lei nº 12/2010, de 25 de Junho, e 2 da Lei nº 49/04, de 24 de Agosto). O exercício do mandato forense constitui acto próprio dos advogados e, portanto, só pode ser praticado por advogado com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (artº 1 nºs 1 e 5 a) da Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto).

O mandato civil corresponde a uma das mais antigas formas de cooperação e resolve-se no contrato pelo qual uma das partes se obriga, gratuitamente ou mediante retribuição, a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, que, por qualquer motivo, não quer ou não pode praticá-los pessoalmente (artº 1170 nº 1 do Código Civil).

Na sua configuração mais típica, o assunto ou negócio que é objecto da gestão pertence ao mandante, sendo este o titular da necessidade a cuja satisfação se dirige a actividade do mandatário.

Nos...

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