Acórdão nº 3018/08.1TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução18 de Janeiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 14 de Novembro de 2008, no Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, H (…) e M (…) instauraram acção declarativa, sob forma sumária, contra MG (…) pedindo que, na procedência da acção, a ré seja condenada: a) a retirar os eucaliptos que detém no limite nascente do seu prédio, arrancando as raízes dos mesmos para que não voltem a desenvolver-se, devendo manter entre aqueles e essa estrema uma distância de trinta metros ou, caso assim não venha a ser entendido, a deixar uma distância suficiente a evitar a continuação dos danos que provocam; b) a proceder ou mandar proceder à limpeza do telhado, caleiras e logradouro do prédio urbano dos autores, retirando os resíduos provenientes dos ditos eucaliptos, bem como à limpeza das varandas, parede e chaminés viradas a poente e repintando-as; c) a eliminar as fissuras provocadas pelas raízes dos eucaliptos no muro e paredes da casa dos autores; d) a no caso da ré não cumprir as condenações peticionadas em b) e c), no prazo de trinta dias, autorizar-se os autores a mandar executar tais trabalhos, vindo a ré a suportar os custos dos mesmos, a liquidar (sic).

Para fundamentarem as suas pretensões os autores alegam, em síntese, que são donos de um prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia de ..., freguesia da ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., da referida freguesia e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da ..., na ficha .../ ..., prédio que confina, a poente com o prédio rústico descrito sob a ficha .../ ..., de que a ré é proprietária; que no dito prédio rústico a ré tem uma plantação de eucaliptos que vai até à estrema do prédio dos autores, ultrapassando com as ramagens dessas árvores a linha de estrema com o prédio dos autores, provocando neste prédio sujidades, ruídos, danos na pintura do imóvel, fendas num muro e em paredes e risco de propagação de incêndio; que a ré, após várias insistências dos autores, cortou alguns dos eucaliptos que se situavam junto ao muro de vedação do prédio dos autores, deixando os remanescentes dos cortes no local, não tendo procedido ao arranque da maior parte das raízes, achando-se os eucaliptos onde se efectuou o corte novamente em fase de crescimento; que os trabalhos de limpeza e pintura da totalidade da casa dos autores foram orçados em € 19.850,00, sendo o custo da pintura da parede virada a poente no montante de € 5.100,00.

Efectuada a citação da ré por carta registada com aviso de recepção, com a cominação legal, a mesma ofereceu contestação alegando que os eucaliptos e cepos mencionados pelos autores na sua petição inicial aí existem há mais de vinte anos, que o prédio urbano dos autores apenas foi construído posteriormente, que os eucaliptos não invadem nem o prédio dos autores, nem o seu espaço aéreo, não atingindo a linha de estrema entre os dois prédios, que o prédio dos autores foi construído num espaço não urbanizado, estando rodeados de pinhais e eucaliptais, sendo-lhes por isso imputável o risco de incêndio, que a ré tem procedido à limpeza periódica do seu prédio, cortando ramagens, apanhando os remanescentes dos cortes e colhendo os detritos e resíduos dos eucaliptos, que a existirem fissuras no prédio dos autores, dever-se-ão a assentamentos de materiais, que a existirem manchas de fungos, decorrerão da humidade nas zonas do edifício menos expostas à insolação e da eventual não utilização de tinta antifúngica, que a proibição de plantio de eucaliptos a distância inferior a vinte ou trinta metros se refere apenas ao acto da plantação e não à manutenção de plantação efectuada sem observância desses limites quando o prédio vizinho ainda não obrigava a que fossem deixadas tais distâncias, concluindo pela total improcedência da acção.

Os autores responderam à contestação alegando que ainda que se venha a sustentar a inaplicabilidade das distâncias à plantação de espécies nocivas nos casos de plantações preexistentes à configuração do imóvel como urbano, sempre o caso deverá ser equacionado à luz das regras sobre colisão de direitos e impugnaram o relatório pericial oferecido pela ré.

Proferiu-se despacho saneador tabelar, fixando-se o valor da causa em € 5.100,00 e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos.

Após isso, as partes ofereceram prova testemunhal, requerendo ambas inspecção judicial ao local da questão e a gravação da audiência.

As provas pessoais oferecidas pelas partes foram admitidas, deferiu-se a gravação da audiência, relegando-se para a audiência a decisão sobre a necessidade de efectivação de inspecção judicial.

A prova testemunhal foi produzida em duas sessões da audiência de discussão e julgamento, realizando-se uma terceira sessão com a efectivação da inspecção judicial requerida por ambas as partes.

No decurso da terceira sessão, após a realização da inspecção judicial, o tribunal limitou-se a consignar a observação dos factos referidos nos artigos 1º a 8º, 10º a 14º, 16º, 17º, 26º a 31º, todos da base instrutória e, parcialmente, relativamente aos artigos 25º e 32º, da mesma peça processual, decidindo-se determinar a realização de uma perícia, sendo o seu objecto os artigos da base instrutória indicados pelas partes, não se divisando qualquer requerimento autónomo ou em acta em que as partes tenham indicado o objecto da perícia.

O perito nomeado para proceder à perícia apresentou o relatório pericial, o qual não sofreu qualquer reclamação.

Proferiu-se decisão sobre a matéria de facto, omitindo-se a resposta ao artigo 4º da base instrutória, omissão posteriormente suprida.

Seguidamente, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada, sendo a ré condenada a cortar os eucaliptos e as respectivas raízes de modo a criar-se entre a estrema do prédio dos autores e o seu prédio uma faixa de segurança que acautele os perigos de incêndio que podem advir da existência da árvores, distância a apurar em sede de liquidação de sentença (sic), sendo a ré absolvida dos restantes pedidos.

Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões: “I- A Sentença recorrida enferma da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do art. 668º do C.P.C., assim como de violação de lei, elas razões atrás expostas e que sumáriamente infra se indicam.

II- Ao afastar a aplicabilidade da Lei 1951 ao caso vertente, por se entender que os eucaliptos foram plantados em momento anterior à construção da casa, a Sentença recorrida faz uma incorrecta interpretação desta mesma lei, conforme é inclusive entendimento já expresso pelo Tribunal da Relação de Coimbra e acima citado.

III- Advém que em 5 ou 6 anos os eucaliptos são cortados, pelo que nunca seria a mesma plantação a que estará aqui em causa.

IV- Mas ainda que se aceitasse tal inaplicabilidade e a desobrigação de que a plantação distasse 30 metros do prédio dos Recorrentes, encontrando-se peticionado subsidiariamente, que pelo menos afastasse o suficiente para evitar a continuação dos danos que provocam, além do perigo que representa, danos esses dados como provados, a sucumbência deste pedido traduz uma incorrecta aplicação da lei aos factos provados e violação de lei.

V- Tal decaimento fundamentou-se no facto de ao caso vertente não se aplicar o estatuído no art. 335º do C.Civil, por se tratarem de direitos iguais – direito de propriedade dos AA. e R. sobre os respectivos prédios – e, tal matéria ter comandos próprios, mais concretamente, a Lei 1951 e o art. 1366º do C.Civil.

VI- Contrariamente à interpretação dada ao art. 1366º do C.C. na fundamentação de direito da Sentença recorrida, na parte decisória da mesma é entendido que aos AA. resta cortarem as ramagens que invadam o seu prédio, não existindo nenhuma obrigação a impender sobre a dona das árvores.

VII- Ora, esta última interpretação, além da contradição assinalada, é incorrecta, pois aquele dispositivo legal encerra uma faculdade e, não, a obrigatoriedade do vizinho cortar as ramagens que invadam o seu prédio, nada mais podendo fazer para além disso.

VIII- Ou seja, estando em causa direitos da mesma natureza, conforme é dito na sentença, nomeadamente, o direito de cada uma das partes poder dispor e fruir dos prédios em causa, conflituantes em virtude da sua vizinhança, conduz precisamente à aplicação da matéria relativa à colisão de direitos. Ao assim não o entender, ocorreu violação de lei.

IX- Advém que provados os factos mencionados em 3 destas alegações, nomeadamente os insertos em P), Q) e HH) da Sentença recorrida, aos AA./Recorrentes assiste o direito de irem além da estatuição prevista no art. 1366º, por forma a pôr termo a tais perigos e prejuízos em definitivo, pois a exercerem a faculdade prevista naquele preceito legal, teriam de o fazer amiúde e, mesmo assim poderiam não evitar os riscos e estragos provocados na sua casa pelos eucaliptos.

X- Na verdade, atenta a matéria provada, as normas que no entendimento do Tribunal “ a quo” regulam a situação em apreço eram insuficientes para acautelarem os direitos e deveres das partes, conforme não ficaram acautelados, pelo que haveria que recorrer ao art. 335º do C.C. para o fazer.

XI- Contrariando a matéria dada como provada, veio ainda a decisão recorrida a negar a existência dos danos provocados pelos eucaliptos no prédio dos Recorrentes, invocando falta de prova de tais danos e do nexo de causalidade entre estes e as árvores.

XII- Tal asserção é contrária à matéria provada inserta nos pontos P), Q), T), HH).

XIII- Contrariamente ao que consta da Decisão recorrida, o pedido de eliminação dos danos provocados no prédio dos Recorrentes não deriva do facto dos eucaliptos não se encontrarem a mais de 30 metros daquele, mas sim no facto destes terem provocado danos, cuja reparação se peticionou.

XIV- As...

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