Acórdão nº 149/08.1GTGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Janeiro de 2011
Magistrado Responsável | ORLANDO GONÇALVES |
Data da Resolução | 05 de Janeiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almeida, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido K...
, divorciado, estudante, natural da Ucrânia, sucateiro, residente em V…, Castro Marim, imputando-se-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 137º, nº 1 e 2, 13º e 15º do Código Penal, bem como a infracção ao disposto nas previsões conjugadas dos artigos 24º, 31º, nº1, alínea b), 73º, nº 2 do Código da Estrada, contra-ordenações causais do acidente, puníveis com sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir, nos termos dos artigos 133º, 135º, 136º, 137º, 138º, 139º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea f), todos do Código da Estrada, se não for de aplicar a pena acessória de proibição de conduzir, ao abrigo do disposto no artigo 69º, nº 1, alínea b) do Código Penal , bem como a infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 31.º do Decreto-Lei nº 257/2007 de 16 de Julho, contra-ordenação causal do acidente.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 7 de Maio de 2010, decidiu julgar a acusação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condenar o arguido K...: - pela prática, na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; - pela prática da contra-ordenação, prevista no artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 257/2007 de 16 de Julho, na coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.
Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido K..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. No presente julgamento não foram ouvidas testemunhas presenciais, porque não as há.
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Ou seja, das testemunhas ouvidas nenhuma viu o acidente, sendo que apenas chegaram ao local após o mesmo.
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Salvo melhor opinião, o depoimento que fundamenta a condenação é um depoimento proibido nos termos do artigo 130 do CPP.
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O agente da PSP é um investigador inspector do NICAV (Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação), uma pessoa que nos merece o maior respeito, mas que cujas opiniões não podem ser por si só valoradas, sem outras provas ou indícios.
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O agente não é nenhum perito e por isso não podem ser valoradas as suas convicções pessoais.
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Acresce que tais depoimentos são igualmente proibidos atenta a posição do silêncio do arguido: 7. Por outro lado as convicções do senhor agente estão aliás eivadas de contradições, pelo que a adesão do Tribunal às mesmas nos termos do artigo 410 n.º 2, constitui vício da decisão, a saber a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bem como a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova, conforme se indica: a) Não há testemunhas oculares que indiquem que o veículo de matrícula portuguesa circulava na via de aceleração e nenhuma das testemunhas o disse, nem há documentos que o provêm. Trata-se de especulações.
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Não há testemunhas ou indícios que provem que o veículo de matrícula francesa circulava na via da direita, sabemos apenas que foi ai que se deu o embate (nada impede que o referido veiculo circulasse noutra via e que o condutor, tendo adormecido, tenha virado o carro para a direita embatendo com o veiculo do R).
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Mais uma vez, os pontos d) e e) são apenas conjecturas, nenhuma prova existindo da sua veracidade.
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Quanto ao ponto f) dá-se por provado um processo de intenção que não se tem como confirmar. Pode garantir-se que existiu a referida torção para a direita do veículo tripulado pela vítima mas não sabemos por que é que sucedeu. Estamos mais uma a falar em suposições.
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nos pontos o), p) q) e r) considera mais uma vez o Tribunal que o R vinha da via de aceleração e que a vítima vinha na via da direita, coisa que não é possível de provar.
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Por outro lado há provas que impõem decisão diferente f) Na participação do acidente de viação, fls.18, refere-se que as condições psicofísicas da vítima eram de fadiga.
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Há um documento nos autos que é elucidativo da velocidade da vitima, trata-se do talão de compra de gasolina numa bomba em Espanha (fls. 112) as 23:50 hora espanhola ou seja, aproximadamente, 1H25min antes do acidente, que se deu a cerca de 230 km da referida bomba de gasolina (o que implica uma velocidade média de circulação superior a 160 km\h por parte da vítima).
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Está indicado na legenda a) de fotografias contidas na fls. 136 que o cinto de segurança do _veículo de matrícula francesa está rebentado, o que nas palavras do próprio inspector do NICAV, e das mais elementares regras de experiencia, indica uma colisão violentíssima, a grande velocidade.
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Ambos os veículos capotaram, tendo a força exercida pelo veículo de matricula francesa na traseira do veiculo de matricula portuguesa tal que originou o seu capotamento, de acordo com o documento contido em fls. 63 e 64.
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Sendo que o veículo de matrícula portuguesa, de acordo com os documentos contidos nas fls. 85 a 88 pesava, à data do acidente, 6620 kg o que mais uma vez indicia a enorme velocidade a que o veiculo de matricula francesa circulava quando se deu o impacto.
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As contradições são evidentes: A fls. 150, na legenda de uma das fotografias diz-se que há marcas de travagem do veiculo NC, após a colisão, que vão da via de aceleração para a via de circulação e a fls. 59 é referida a ausência de marcas de travagem.
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A folhas 311 o senhor agente indica um local de embate completamente errado, indica como local de embate o lado esquerdo da viatura do arguido (ver folhas 311) – a testemunha a folhas minutos 28.40 entra em completa contradição, sendo que até a Juíza afiram : “o senhor dr. tem razão...”.
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A minutos 28 a 31 a testemunha entra em contradição com o anteriormente afirmado, ao dizer que o embate se pode dar na lateral direita.
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As fotografias de folhas 150 são claras ao provar que o embate se dá entre a faixa de aceleração e a 1.ª via.
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A minuto 44.55 o agente disse: se o carro português estivesse paralelo à via , seria projectado para a via de aceleração.” 10. A folhas 153 há claramente marcas do raspagem e derrapagem do carro de matrícula portuguesa na faixa de aceleração confirmadas pelo agente e folhas 153 e a minuto 45.53 a minutos , pelo que este estava a seguir em frente (paralelo e não na diagonal).
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Assim, o embate não pode ter sido como disse o agente e como se escreve na sentença.
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Nenhuma das testemunhas viu o acidente 13. O processo está eivado de Contradições e as convicções não tem qualquer fundamento 14. O artigo 130 estabelece 3 três proibições do prova resultantes do princípio da imediação, que decorre do Estado de direito e das garantias da defesa (CRP 32 ) 15. A violação destes princípios tem por consequência a nulidade da sentença nos mesmos termos que o 379 n.º 1.
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Acima de tudo como explicar as falhas da própria investigação e as contradições supra indicadas 17. Por outro lado o acidente foi algo complexo e a sua investigação impunha uma reconstituição do acidente, que não foi feita.
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Humildemente parece-nos que se o agente escreveu tratar-se da sua opinião, que não é prova pericial ou um exame antes sendo a sua convicção, que não pode fundamentar a sentença.
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Só com uma perícia técnica e com uma reconstituição do acidente em termos científicos seria possível chegar às conclusões referidas, que não tem qualquer fundamento e são meras convicções do agente do OPC.
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O próprio tribunal, reconhece que valorou depoimentos do arguido antes do mesmo ter esta qualidade.
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Tendo o arguido optado pelo silêncio processual não o podia fazer por violar o artigo 32 da CRP.
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Ora, o Tribunal tem o dever de procurar a verdade, e não pode em caso algum violar o princípio in dúbio pró Reu.
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Sendo uma hipótese ou uma convicção, sem uma perícia técnica, só poderia ser valorada no sentido da presunção da sua inocência.
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Atenta a complexidade do processo oi excesso de velocidade da vítima, a colocação de hipóteses, faz todo o sentido aplicar o princípio “in dubio pro Réu”.
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O Tribunal violou os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
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Por outro lado, as penas são excessivas atenta a ausência de antecedentes criminais.
O Ministério Público na Comarca de Almeida respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados
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No dia 17 de Setembro de 2008, pelas 00h15, o arguido tripulava o veículo automóvel ligeiro de mercadorias matriculado com o nº ......, pela via de aceleração de acesso à AE n.º 25, seguindo no sentido E.N. n.º 324 / AE n.º 25 - Guarda, b) Conduzia tal veículo automóvel transportando sucata/ferro velho, excedendo a sua capacidade (peso bruto do veículo = 3500 Kg) em 3120 Kg.
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Nas mesmas circunstâncias de tempo, tripulava J… o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula …, pela via mais à direita da faixa de rodagem direita da AE nº 25, atento o sentido em que seguia, o qual era Vilar Formoso/Guarda, sentido a que, na presente acusação e na falta de indicação de um outro, deverá atender-se como referência.
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Ao chegar ao Km. 184,3 da AE n.º 25, sito no concelho e comarca de Almeida, antes do final da via de aceleração por onde tripulava o seu veículo, pretendendo passar a seguir na AE n.º 25, no sentido Vilar Formoso/Guarda, o arguido fez penetrar naquela o veículo...
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