Acórdão nº 126/10.2TBSRE.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução12 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. MR (…) e marido MC (…), intentaram a presente acção declarativa sumária[1], no Tribunal Judicial de Soure, contra J (…) divorciado, pedindo que este seja condenado a reconhecer que a A. é proprietária do prédio rústico identificado no art.º 1º da petição inicial (p. i.); que seja decretada a mudança da servidão de passagem por destinação de pai de família identificada nos art.ºs 7º, alínea b) e 8º da p. i., que onera o prédio identificado no art.º 1º a favor do prédio do Réu identificado no art.º 4º do mesmo articulado, do local onde se encontra estabelecida para o local que indica no art.º 26º da p. i., condenando-se o Réu a abster-se de passar pela primeira.

Subsidiariamente, pedem que seja decretada a alteração do modo de exercício da servidão de passagem existente, por forma a que o Réu a possa usar para passagem com veículos destinados às finalidades agrícolas e não com veículos alheios a tal fim, designadamente automóveis ligeiros ou comerciais, condenando-se o Réu a abster-se de passar no local com outros veículos que não sejam os que forem permitidos ou a pé.

Alegaram, em síntese, que a A. é titular do prédio rústico identificado no art.º 1º da p. i., onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio rústico identificado no art.º 4º, de que é titular o Réu; nos últimos anos o prédio serviente sofreu profundas alterações, por força de obras de urbanização nele realizadas, em virtude do que a referida servidão de passagem se interpõe agora entre as traseiras das casas de habitação e os anexos aí construídos; a manutenção da servidão no local em causa é-lhes prejudicial e inconveniente, porquanto tal local também é utilizado e fruído diariamente pelos AA., que habitam no prédio urbano referido no art.º 11º/1 da p. i., para depósito de lenha e para guardar objectos e pertences, tendo necessidade de atravessar várias vezes ao dia pelo local para se deslocarem aos anexos (referido em 11º/4 da p. i.), sendo que aí param, conversam e recebem visitas; tal situação torna-se perigosa, pela possibilidade de serem surpreendidos por veículos em trânsito para o prédio do Réu, e impede a sua neta de brincar no local; a manutenção da servidão conduz à perda de privacidade, recato e sossego no local por parte dos AA., impede-os de fazer obras de ligação entre os anexos e a sua casa de habitação e é indutora de conflitos; existe outra alternativa de passagem ao longo da estrema poente do prédio dos AA., propondo-se realizar as obras necessárias a permitir o acesso ao prédio do Réu por aquele local, sendo idênticas as distâncias a percorrer em cada um dos casos; o prédio dominante confronta de nascente com a casa de habitação do Réu, a qual confronta directamente com a estrada pública, podendo o Réu aceder, de pé ou tractor, ao referido prédio rústico pelo interior do zimbório da sua casa, como o fazia o antecessor proprietário; o prédio dominante encontra-se afecto exclusivamente a fins de cultura/semeadura, pelo que não se justifica que a servidão de passagem seja exercida com veículo automóvel; o Réu chegou a realizar passagens de tractor por um prédio dum vizinho, adjacente do lado poente à servidão que ora lhe é proposta.

O Réu contestou, excepcionando a existência de causa prejudicial, uma vez que se encontra pendente a acção sumária n.º 128/08.9TBSRE, sendo as mesmas as partes, ainda que em vestes opostas, e tendo por objecto a mesma servidão que serve de fundamento à presente acção; a ocorrência de abuso do direito, porquanto os AA. alicerçam a sua pretensão, além do mais, em factos a que os próprios deram causa, ao negarem a passagem do Réu através do prédio serviente; e a ofensa de caso julgado, por considerar que parte dos factos alegados repristinam a controvérsia subjacente aos processos n.ºs 541/03.8TBSRE e 128/08.9TBSRE, ofendendo a decisão que onerou o prédio serviente dos AA. com a servidão de passagem que ora pretendem ver alterada (processo 541/03.8TBSRE)[2]; não se verificam os pressupostos da mudança de servidão e alteração do seu modo de uso, por pretenderem os AA. alterar o leito da servidão para prédio de terceiros, sem demonstrar a existência de consentimento para o efeito; o percurso que propõem, no sentido sul-norte/norte-sul, não está aberto e a estrema poente do prédio dos AA. termina em declive em mais de 1 m relativamente ao prédio imediatamente confinante, pelo que qualquer passagem aberta imediatamente junto a tal estrema, à falta de talude sustentado, alagará ao peso da circulação de um tractor; o leito alternativo proposto no sentido nascente-poente/poente-nascente não tem, ao longo da sua extensão, uma largura uniforme de 3 m, não consentindo em determinados locais a passagem de ceifeiras e tractores de maior porte, o trilho é irregular e o terreno não está compactado; o percurso proposto implica um acréscimo correspondente a cinco vezes mais da distância a percorrer pelo Réu; mesmo em caso de procedência da acção, a responsabilidade por custas deve recair sobre os AA., por darem causa à acção, uma vez que nunca procuraram obter junto do Réu a mudança da servidão ou do seu modo de uso. Concluiu pela improcedência da acção.

Em reconvenção, pediu a condenação dos AA. no pagamento de uma indemnização no valor de € 3 500 por danos morais causados pelas perturbações ao direito de passagem judicialmente reconhecido.

Replicando, os AA. concluíram pela procedência da acção e a inadmissibilidade e improcedência da reconvenção; “ampliaram a causa de pedir”; concretizaram o traçado da servidão alternativa que propõem, bem como as obras a realizar, e alegaram que o caminho proposto integra o prédio de que são titulares, sendo que o próprio Réu já percorria cerca de 40 a 50 m daquele prédio para alcançar a estrada pública.

Treplicou o Réu, concluindo como na contestação/reconvenção.

Por despacho de fls. 289 e seguintes a reconvenção foi rejeitada por legalmente inadmissível e desatendeu-se toda a matéria de excepção, nomeadamente, a do caso julgado.

Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada a matéria de facto (assente e controvertida), aditada na sequência do articulado superveniente de fls. 323 (fls. 332).

Efectuado o julgamento, o Tribunal julgou a acção procedente, e, consequentemente, condenou o Réu a reconhecer que a A. é proprietária do prédio rústico composto de terra de semeadura e vinha com um poço, eira, barracão e árvores de fruto, que confronta a norte com herdeiros de AS (...) e PM (...), a nascente com estrada pública, PM (...) e MF (...), a sul com JC (...) e a poente com herdeiros de MD (...), descrito na CRP de Soure sob o n.º w (...)/19881129, da freguesia de Vinha da Rainha, sito em Janeiras – Porto Godinho, inscrito na matriz sob o art.º k (...) rústico (1); e autorizou a mudança da servidão de passagem por destinação de pai de família do caminho descrito em 6)[3] para o caminho descrito em 20) e 28)[4] da factualidade assente, este último melhor identificado no croquis de fls. 35 dos autos – servidão de passagem com 3 metros de largura, percorrendo o prédio dos AA. ao longo da sua estrema poente, desde o prédio do Réu até entroncar, perpendicularmente, no trilho do caminho conhecido como “serventia de inquilinos”, que permite o derradeiro acesso à via pública –, devendo, para o efeito, os AA. realizar (caso ainda não o tenham feito), à sua custa, obras na estrema poente do seu prédio, de modo a que o leito da servidão mantenha no local uma largura de 3 metros, colocando talude sustentado na extrema poente da passagem, de modo a viabilizar a passagem pelo local em segurança a pé, com carro de bois, tractores agrícolas e automóveis ligeiros (2).

Inconformado, o Réu interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - A mudança da servidão não é feita por prédio ou prédios da propriedade dos AA. - os AA., por ser facto constitutivo do seu direito, alegaram que o servitutes itineris alternativo continuava a onerar prédio seu; todavia não lograram provar que era assim (resposta negativa ao quesito 13º).

  1. - Os AA. nunca alegaram que o servitutes itineris iria mudar para prédio de terceiros, não identificaram o prédio(s) que suportaria a mudança, os seus donos, e não alegaram, nem provaram, que havia consentimento desses terceiros.

  2. - O Tribunal a quo, adaptando acórdão proferido no processo 67/09.6TBSPS.C1, não atentou que ali eram os AA. donos do prédio dominante e os Réus donos do prédio serviente; no caso sub judice, ao contrário, são os AA. donos do prédio serviente e o Réus dono do prédio dominante.

  3. - A mudança para um prédio diferente não configura modificação objectiva da servidão existente, mas a sua extinção, pedido que não foi formulado pelos AA., pelo que foi violado o princípio do dispositivo.

  4. - O consentimento de terceiros, não intervenientes nos autos, tem de ser traduzido através de escritura pública (art.º 80º, n.º 1 do C. Notariado); não existe uma presunção legal de consentimento de terceiros, não há uma presunção de facto, estando em causa direitos reais sobre bens imóveis.

  5. - Nas servidões prediais é premente a determinabilidade do objecto, não compaginável com decisões genéricas ou difusas – não é possível a mudança para um prédio de terceiros sem menção da descrição predial do prédio onerado, dos seus donos, postergando a oponibilidade da decisão.

  6. - O Tribunal a quo mudou a servidão de itinerário certo para...

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