Acórdão nº 1450/11.2TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelABÍLIO RAMALHO
Data da Resolução03 de Julho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: TÍTULO I – RELATÓRIO 1 – Irresignada com a vertente da decisão-instrutória – exarada no despacho documentado na peça de fls.

1404/1457 –, que, por ajuizada insuficiência indiciária, concluiu pelo não pronunciamento dos cidadãos-arguidos A...

e B...

(cônjuges um do outro), pelo assacado e respectivo cometimento, de 3 (três) e 2 (dois) supostos ilícitos criminais de falsificação de documento (actas de assembleia-geral societária), [p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, al.

d), do Código Penal], sendo dois a título de pessoal co-autoria, dela recorreu a sociedade comercial, assistente processual, C..., S.A.

, pugnando pela correspondente anulação, ou, subsidiariamente, revogação, extraindo da respectiva motivação – ínsita na peça junta a fls. 1459/1470-1526/1548, cujo conteúdo nesta sede se tem por reproduzido – o seguinte – aperfeiçoado[1] – quadro-conclusivo: «[…] I. Não se verificando o cabal cumprimento do dever de fundamentação do despacho instrutório, em particular do dever de narração dos factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária, enfermará o mesmo do vício da nulidade, nos termos das disposições conjugadas do art. 308.º, n.º 2 e 293.°, n.º 3, al. b) do CPP.

  1. A referida nulidade deverá ser qualificada como nulidade sanável susceptível de ser arguida em sede de recurso, sendo aplicável, por identidade de razão, a norma constante do art. 379.º, n.º 2 do CPP.

  2. Não se propugnando semelhante entendimento, deverá, em nome da unidade e coerência lógicas do sistema, concluir-se que estamos perante uma nulidade insanável "sui generis', uma vez que, se a falta de narração dos factos na acusação conduz, nos termos do art. 311.º n.º 2, al. a) do CPP à rejeição desta, não faz sentido que o Tribunal de recurso deva apreciar um despacho de pronúncia ou não pronúncia se o mesmo for omisso quanto à narração dos factos indiciários.

  3. O Tribunal a quo na elaboração do despacho recorrido, não procedeu à enunciação dos factos suficientemente indiciados e dos factos não indiciados, nem procedeu à fundamentação, ainda que sintética, da prova apreciada, antes se limitando a transcrevê-la acriticamente, V. O que impossibilitou que o presente recurso pudesse reportar-se a todos os crimes imputados aos Arguidos e dificulta seriamente a sua elaboração [em particular o cumprimento do requisito do art. 412.º, n.º 3, al. a) do CPP], pelo que a decisão em crise é nula, nos termos do ano 308.º, n.ºs 1 e 2 e 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, o que deverá ser declarado, com as legais consequências. Sem prejuízo, VI. No que concerne à matéria de facto, entendeu o tribunal recorrido não pronunciar os arguidos A... e B... pela prática do crime de falsificação de documento da acta (registada) de 3 de Janeiro de 2011 (cf. fls. 124 a 127 dos autos) porquanto, alegadamente não resultaria dos indícios dos autos que os arguidos tenham feito constar factos falsos na acta em questão, designadamente a sua invocada qualidade de únicos sócios da sociedade D...

    S.A.

  4. Ao sustentar tal entendimento, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente a factualidade vertida nos pontos 49 a 53, 59 a 62 e 66 do RAI.

  5. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida nestes pontos são, desde logo: a. O contrato definitivo de transmissão de participações sociais junto como Documento n.º 7 do RAI e celebrado em 2 de Novembro de 2011, através do qual a Recorrente passou a ser detentora de 77,48% das participações sociais da D..., S.A.

    b. O Acórdão relativo ao Processo n.º 383/11.7TBCR que correu termos na 1.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra entre a assistente e os arguidos e que se juntou como Documento n.º 15 do RAI no qual se reconhece que a falsa resolução do referido contrato engendrada pelos Recorridos nunca poderia produzir quaisquer efeitos – o que os Recorridos bem sabiam.

    c. As acções (ao portador) da Recorrente correspondentes a 77,48% do capital social da D..., S.A. (v. fls. 70 a 112 dos autos) e que comprovam que é titular daquela participação social.

  6. Contudo, caso se entenda (como vem sido erradamente entendido) que existe aqui uma questão de natureza cível acerca da validade da conduta dos arguidos que obsta ao seu conhecimento em sede penal (o que não se concede), a verdade é que tal "obstáculo" inexiste no que respeita à titularidade das acções, no valor total de 300€, adquiridas pela assistente e pelos ofendidos E... e F... em proporções iguais aquando do aumento de capital e transformação da sociedade.

  7. O que decorre, desde logo, do facto de constar da Acta n.º 41 – junta a fls. 53 a 56 dos autos –, e prévia à celebração do contrato prometido, a se fez constar a qualidade de sócios da D..., S.A. da assistente e dos ofendidos L... e F....

  8. O mesmo decorre da Certidão Permanente constante de fls. 63 a 68 dos Autos (especificamente na Insc. 6, Ap. 319/20081203) onde se refere expressamente a entrada da assistente e dos ofendidos como novos sócios da D..., S.A XII. E decorre da carta remetida pelos próprios arguidos constante de fls. 113, na qual reconhecem a qualidade de sócios da assistente e dos ofendidos.

  9. Também decorre do auto de inquirição da Conservadora que procedeu ao registo daquela acta, na qual esta reconheceu, que, sabendo da qualidade da acta, não aceitaria o seu registo – cfr. fls. 227 a 229.

  10. Por outro lado, e apesar de o que se disse bastar para o preenchimento do tipo, cumpre sublinhar que, também ao sustentar que não existem indícios de que os arguidos já tivessem conhecimento da celebração do contrato prometido o Tribunal a quo andou mal, tendo julgado incorrectamente os factos vertidos nos pontos 59 a 61, 63, 64, 66, 67 e 73 do RAI.

  11. As provas que impõem decisão diversa nestes pontos são, designadamente: a. A procuração irrevogável que os arguidos passaram a F... para este celebrar o contrato prometido, junta a fls. 49 a 52, que afasta a alegação de desconhecimento absoluto da celebração daquele contrato.

    b. A carta junta como Documento n.º 9 do RAI remetida pelo ofendido F... a agendar a próxima Assembleia-Geral (AG) para o dia 15/02/2011 e que, apesar de ter sido recebida pelos Recorridos, não os impediu de realizar uma nova AG secreta no dia 3/01/2011.

  12. No que concerne à falsificação da acta de 15/02/2011, entendeu o Tribunal a quo que não verificou indícios de que os arguidos nela tenham feito constar factos falsos, o que significa que foram incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 101 a 104 do RAI, sendo aqui aplicável o que se disse nos pontos XIII a XIII das presentes conclusões.

  13. Foram ainda incorrectamente julgados os pontos 105 e 106 do RAI porquanto entendeu o Tribunal recorrido que não existem indícios de que os arguidos tenham agido dolosamente.

  14. Decisão inversa impõe-se, desde logo, pelo facto de os arguidos, tendo conhecimento da providência cautelar requerida e registada pela assistente e pelos ofendidos – a qual correu seus termos no 4.º juízo Cível de Coimbra sob o número de processo 111/2011 – terem renovado a deliberação de 3/01/2011, assim inutilizando a eventual procedência da providência cautelar, da qual já tinham conhecimento – v. acta junta a fls. 213 a 216.

  15. Foi ainda incorrectamente julgada a matéria concernente aos factos relativos à falsificação da acta de 17 de Maio de 2011, nos termos constantes dos pontos 122 a 130 do RAI.

  16. No que respeita às provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida no que respeita a estes factos, em particular à falsidade da informação nela aposta relativa à invocada titularidade de 100% do capital social da D..., S.A, à consciência da mesma e ao dolo na sua aposição também nesta acta, remetemos para o que se disse nas conclusões n.º XIII a XIII e XV a XVIII.

  17. No que respeita à falsidade da referência plasmada na acta de que foram exibidos os títulos representativos de 100% do capital social da sociedade D..., S.A, afigura-se como manifesto que os elementos que ora se enunciam impõem decisão inversa: a. As acções (ao portador) da Recorrente correspondentes a 77,48% do capital social da D..., S.A. (v. fls. 70 a 112 dos autos) e que comprovam que é titular daquela participação social – juntas aos autos logo em 7 de Julho de 2011, ao contrário daquelas forjadas pelos Arguidos e que só foram apresentadas em instrução por terem sido judicialmente compelidos a apresentá-las.

    b. Cf. Requerimento que originou o processo de rectificação do registo ilegal da deliberação (também ela ilegal) de 3 de Janeiro de 2011 ao qual se juntou cópia de algumas das acções detidas pelos ofendidos – v. fls. 232 dos autos – e do qual o mandatário dos arguidos foi notificado por carta datada de 20/01/2011, nunca tendo vindo alegar a sua falsidade – cfr. fls. 262 dos autos.

    c. Carta enviada ao ofendido F... e que data de 20/12/2010 (junta a fls. 113 dos autos), na qual os arguidos lhe solicitavam entregasse as acções.

    d. Carta remetida pelos arguidos à assistente e datada de 20/12/2010 (constante de fls. 220 a 223 dos autos), na qual os Arguidos referiram que a assistente deveria entregar as acções adquiridas.

    e. Resposta apresentada pelo mandatário dos arguidos – em Fevereiro de 2011 – ao pedido de cancelamento de registo deduzido pela assistente e que consta de fls. 263 a 270, na qual estes referem que as acções cujas cópias foram juntas estariam "ilícita e abusivamente na posse do requerente, o qual se aproveita da condição de antigo administrador para o efeito (cujo mandato já havia caducado em 31 de Dezembro de 2010.

    " – cfr. fls. 269.

    f. Petição inicial apresentada pelos arguidos refere-se, no seu ponto 141, que a assistente e os ofendidos deveriam entregar as acções que detinham – cf. fls. 280 a 311.

  18. Ora, de toda a prova supra transcrita, resulta, claramente, que os arguidos sabiam da existência das acções ao portador representativas do capital social da sociedade D...S.A. em data muito anterior à...

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