Acórdão nº 537/12.9TBGRD-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA INÊS MOURA
Data da Resolução01 de Outubro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I.Relatório Por sentença de 26 de Abril de 2012 foi decretada a insolvência da S (…), Ldª.

Foi fixado o prazo para a reclamação de créditos, tendo a 11/07/2012, a Sr.ª Administrador da Insolvência apresentado a lista dos créditos reconhecidos nos termos do art. 129.º do CIRE.

Foram apresentadas impugnações pela credora K...

, S.A. quanto à natureza dos créditos reconhecidos dos trabalhadores da Insolvente, por entender que os mesmos não beneficiam de privilégio imobiliário especial.

Os credores alvo da impugnação vêm responder pugnando pela improcedência da mesma.

Realizada tentativa de conciliação a mesma não surtiu efeito.

Foi proferido despacho saneador afirmando a validade e regularidade da lide. Foi efectuada a verificação parcial de alguns créditos, selecionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal adequado, tendo o tribunal respondido à matéria de facto sem que tenha havido reclamação.

Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada pela K... e julgou verificados e reconhecidos os créditos reclamados por oito trabalhadores da insolvente, no valor que indica, procedendo à graduação de todos os créditos, sendo que quanto ao produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o n.º (...)/19951018 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º (...) graduou em primeiro lugar para serem ser pagos, em igualdade de circunstâncias e por rateio se necessário, os créditos dos trabalhadores da insolvente que considerou beneficiarem de privilégio imobiliário especial sobre o produto da venda do imóvel; em segundo lugar o crédito da K... garantido por hipoteca; em terceiro lugar, o crédito do Intituto da Segurança Social, I.P., em quarto lugar, o crédito da Fazenda Nacional e em quinto lugar em igualdade de circunstâncias e por rateio se necessário, os restantes créditos comuns. Fez também a graduação para o produto da venda dos bens móveis.

A credora K..., S.A. não se conformando com a sentença proferida, na parte em que reconheceu como privilegiados os créditos dos trabalhadores a fim de serem pagos com preferência sobre o produto da venda do imóvel adjudicado à Recorrente no âmbito de processo de execução fiscal anterior à declaração de insolvência, vem dela interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões: A. Decorridos os termos normais do processo de execução fiscal e decorridas as formalidades legais de venda, a aqui recorrente no âmbito desse mesmo processo de execução adquiriu o imóvel, em referência, tendo sido emitido o respectivo título em 24 de Janeiro de 2012 e registada a seu favor a respectiva propriedade.

  1. No âmbito dos presentes autos de execução, a aqui recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 256º n.º 1 alínea h) do CPPT, não obstante a sua qualidade de credor hipotecário, procedeu ao depósito do respectivo preço, ou seja, Euros. 42.000,00 (quarenta e dois mil euros).

  2. Por decisão de 26 de Abril de 2012, foi a sociedade declarada insolvente e, por conseguinte, foi apreendido à ordem dos presentes autos de insolvência, o produto da venda.

  3. Ora, no que tange à graduação especial e respeitante ao produto da venda do imóvel vendido no âmbito do processo de execução fiscal, o crédito da aqui reclamante deveria ter sido graduado em primeiro lugar, à frente dos créditos dos trabalhadores.

  4. Com excepção de algum valor, eventualmente sobrante, o preço respeitante à venda não pertence à insolvente.

  5. Assim, decretada a insolvência da sociedade na fase pós-venda (como foi o caso), o produto da venda obtido através da execução, não pode ser rateado, na sua totalidade, pelos credores, nos termos em que se encontra decidido.

  6. O produto da venda já não se encontra na disponibilidade do executado para ser entregue à massa insolvente e rateado, na sua totalidade, pelos credores.

  7. Já não há nenhum bem penhorado; o que há (o que agora há) são, tão-só, créditos: o crédito da reclamante (ora recorrente), o crédito de eventuais credores reclamantes, o crédito das custas da execução e, enfim, se algo sobejar, o crédito remanescente final do executado (entenda-se insolvente) referente ao preço do bem vendido na execução.

    I.Assim o único bem da insolvente nestes autos é o valor que sobrar, após pagamento dos créditos resultantes do processo de execução.

  8. O rateio do valor, na totalidade, do produto da venda não preenche o fundamento de remessa previsto no artigo 85º nº 2 do CIRE; K. A declaração de insolvência determina a suspensão das diligências executivas e providências requeridas que atinjam bens integrantes da massa insolvente.

    L. Não sendo o produto da venda um bem da insolvente não são aplicáveis in casu os artigos 85º e 88º do CIRE.

  9. A transferência da titularidade do direito sobre a coisa faz-se, aquando da venda em execução, do executado para o adquirente (artigo 824º, nº 1 do CC). Por isso, o vendedor não é, nem o tribunal, nem o exequente, mas sim o executado, apesar da venda poder ser realizada contra a sua vontade. De outro modo não se entenderia que o remanescente do preço, depois de pagos os créditos, revertesse para o executado.

  10. O que não existe, no caso do depósito à ordem da execução do preço da venda nesta realizada, é algo configurável em termos de pertença ou de direito de propriedade do Executado, que possamos reconduzir à facti species do artigo 85º, nº 2 do CIRE, quando se refere a actos (…) de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.

  11. Não é este, com efeito, o estatuto do produto ou valor da venda no período em que este se mostra capturado pela execução, expressando tal valor um crédito (depositado num banco à ordem do Tribunal) dotado, nesse período, de uma afectação funcional específica (a que decorre do fim visado por aquela execução em concreto) que só poderá ser referenciada ao património do Executado (aqui à massa insolvente) na parcela sobrante, após satisfação das custas da execução e dos créditos graduados.

  12. Outra interpretação, viola, salvo melhor entendimento, o princípio da confiança, ínsito do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição, donde ressalta, além do mais, a garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.

  13. Bem como, “o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico”.

  14. A sentença recorrida viola as disposições constantes dos artigos 85º e 88º do CIRE, dos artigos 824º, 874º C. Civil, artigo 919º do C. Processo Civil e violação frontal do princípio da confiança ínsito no princípio do estado de direito e dos princípios dos artigos 2º e 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    II. Questões a decidir Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrentes nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 a 3 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

    - do preço respeitante à venda não pertencer à insolvente, não devendo por isso verificar-se a remessa da execução ao processo de insolvência nos termos do artº 85º nº 2 do CIRE; - dos créditos dos trabalhadores da insolvente não beneficiarem de privilégio sobre o produto da venda do imóvel adjudicado à Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal.

    III. Fundamentação de Facto.

    Tendo em conta o disposto no artº 713 nº 2 e 659 nº 2 do C.P.C. resultam provados os factos enunciados na decisão sob recurso, a que se aditam outros com interesse para a decisão da causa e que resultam dos elementos juntos aos autos: 1) Consta do documento apresentado pelo Credor A(…) à Administrador da Insolvência, denominado «CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO», datado de 16 de Junho de 1998, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: «(…) Entre: A (…), Solteiro, Contribuinte N.º (...), com o Bilhete de Identidade N.º (...), Filho de (...) e de (...), natural de (...) e Residente em (...) – Pinhel.---------------------------- E a Firma: S (…). LDA. Contribuinte N.º (...), com sede na (...) N.º18 – (...) – Guarda, é feito um contrato de trabalho a prazo regido pelas seguintes cláusulas que ambas as partes se obrigam a cumprir ------------------------------------ 1- A primeira outorgante obriga-se pelo presente contrato a dar á segunda outorgante o concurso do seu trabalho na profissão de Serralheiro 1ª, mediante o ordenado mensal de Esc.:80.502$00 ---------------------------- 2- O trabalho da primeira outorgante é prestado nas obras a que a segunda outorgante está a proceder no Distrito de Guarda.-------------------- (…)».

    2) Consta de missiva junta aos autos, por A (…)datada de 30 de Novembro de 2011, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o seguinte: « Exmo. Sr.: Gerente da Firma S (…) Lda Eu, A (…), venho por este meio rescindir, com justa causa, o contrato de trabalhoque me liga a esta empresa por falta de pagamentos dos salários dos meses de Agosto de 2011, Setembro de 2011, Outubro de 2011 e Novembro de 2011.

    Aproveito a mesma, para solicitar que nos termos do artigo 43º do Decreto de Lei 220/2006, de 3/12 e artigo 341 do Código do Trabalho, se digne a passar-me, no prazo legal de cinco dias úteis, a declaração de situação de desemprego (modelo RP 5044-DGSS, sob pena de, havendo recusa, ter de recorrer ás[sic] entidades competentes. (…) RECEBI O ORIGINAL NO DIA 2 DE DEZEMBRO 2011...

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