Acórdão nº 412/05.3TBCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução12 de Março de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

CÂMARA MUNICIPAL DE CANTANHEDE, em representação do Município de Cantanhede, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BRISA, Auto-Estradas de Portugal, S.A., pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer que as obras da A-14 provocaram os problemas que mencionou na petição inicial, e em consequência seja condenada a realizar as obras necessárias à eliminação daqueles, ou na alternativa de pagar à Autora uma indemnização nas indicadas quantias de €39.195,16 pelas obras de Ançã e de €115.637,50, pelas obras de Portunhos, sendo que estas poderão ser no valor de €190.550,50, ou então pagar à autora o que se liquidar em execução de sentença, tudo com juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento, alegou, que: A Ré mandou construir a auto-estrada A-14, mas no sub-lanço Santa Eulália/Coimbra-Norte foi realizada a drenagem de águas pluviais sem a necessária averiguação das condições de escoamento das linhas de água que as recebem, havendo várias deficiências nesse escoamento, provocando assoreamento de valas e terrenos, além de a obra ter implicado a impermeabilização de terrenos agrícolas e florestais, que antes absorviam parte da precipitação das águas pluviais e apesar de haver por isso um aumento de caudal das águas de 20% a 30% nas bacias atravessadas pela A-14, com aumento da velocidade de escoamento, não há bacias de escoamento ao longo da auto-estrada e respectivos acessos, gerando tal situação diversos prejuízos em vários zonas do concelho de Cantanhede, designadamente o assoreamento de culturas, vinhas, pomares e valas de drenagem, queda de muros, danificação de caminhos, inundações de estradas, de habitações e de currais – com morte de gado nestes, ocorrências que poderiam ser solucionadas com obras adequadas, as quais foram indicadas pela autora, que realizou estudos técnicos para esse efeito.

A fim de alcançar um acordo sobre o assunto, em 8/1/2002 foi realizada uma reunião entre a Autora e a Ré, representadas por vários técnicos, onde participaram técnicos de outras entidades e em 15/1/2002 houve nova reunião com as mesmas pessoas e ainda com um engenheiro representante da Ré, onde se acordou a colaboração entre Autora e Ré para resolver os ditos problemas, fazendo-se um estudo hidrográfico das zonas afectadas, seguindo-se nova reunião em 23/4/2003, onde participaram representantes das Juntas de Freguesia de Portunhos e Ançã, resultando dessas reuniões o compromisso de a Ré estudar e projectar a drenagem das águas pluviais da A-14 nas zonas de Ançã e Portunhos e posteriormente executar as obras no Inverno seguinte.

Todavia, feito o estudo pela Ré, esta nunca chegou a executar qualquer trabalho no terreno, havendo necessidade de fazer as obras, que importavam na zona de Ançã em €39.195,16 e na zona de Portunhos em €115.637,50, havendo quanto a esta a alternativa de construção de um colector rectangular que custava €190.550,50.

Nos termos da legislação aplicável à Ré, como concessionária de auto-estradas, a mesma é responsável pela indemnização dos prejuízos aplicando-se o artigo 483.º do Código Civil[1], justificando-se ainda a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 829.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, que force a ré a cumprir as obrigações em que for condenada, a qual deve ser fixada em €100 por cada dia de atraso nas obras necessárias para eliminar os problemas referidos.

  1. Regularmente citada, a ré contestou nos termos que fazem fls. 165 a 190 dos autos.

    Em primeiro lugar, requerendo a intervenção da empresa J ... & Companhia, S.A., e da seguradora Companhia de Seguros L ..., S.A., alegando, em síntese, que: Se forem provados os prejuízos invocados pela Autora, imputando-se os mesmos à Ré, serão eventualmente também da responsabilidade das chamadas, da J ... & Companhia, S.A., como empreiteira, em virtude do contrato celebrado com a Ré para a realização das obras da auto-estrada e tendo sido ali convencionado que a empreiteira deveria segurar a empreitada em seu nome e no da ré, o que foi feito, conforme apólice comprovativa do seguro efectuado por aquela empresa chamada com a Companhia de Seguros L ..., S.A., também chamada, devendo proceder o incidente de intervenção principal provocada das duas chamadas, nos termos dos artigos 325º a 329º do Código de Processo Civil[2].

    Depois, por excepção, defendendo-se com a prescrição do direito de indemnização invocado pela Autora, pedindo para ser absolvida do pedido, face ao artigo 493.º, n.º 3, do CPC, pois a Autora teve conhecimento do seu direito pelo menos em 16/11/2001 e a Ré foi citada em 21/3/2005, passado o prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC, que começa quando o direito puder ser exercido, dos termos do artigo 306.º, n.º 1, do mesmo diploma.

    Mais invocou o disposto nos artigos 328.º, n.º 1, 323.º, n.º 4 e 325.º, n.º 1, daquele Código, para dizer não ter havido qualquer reconhecimento do eventual direito da Autora, só se interrompendo a prescrição com algum acto judicial que dê a conhecer ao devedor a pretensão indemnizatória.

    Finalmente, por impugnação, afirmou que a obra da auto-estrada respeitou os projectos e as regras técnicas, sendo fiscalizada pela JAE e sendo a autora e terceiros os únicos responsáveis pelos danos alegados, havendo construções particulares, obras agrícolas e caminhos camarários que prejudicam o escoamento das águas através das suas linhas naturais, nem havendo adequada limpeza dessas linhas de água, pelo que, havendo assoreamentos, são devidos a isso e não à obra da auto-estrada, que não causou impermeabilizações nos graus indicados pela Autora.

    Concluiu pedindo a citação das referidas chamadas, a procedência da excepção de prescrição, com absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora ou, em qualquer caso, devendo a acção improceder quanto a si.

  2. Na réplica apresentada pela Autora a fls. 254, esta aduziu que por força das Bases I, n.º 1 e LIII, n.º 1, do D.L. nº 325/91 e dos artigos 1347.º e 1348.º do Código Civil, a Ré tem responsabilidade objectiva, tendo omitido o seu dever de prevenção do dano, perante o artigo 486.º do dito diploma, não se aplicando necessariamente o seu artigo 498.º.

    Por outro lado, disse a Autora que, nas reuniões entre as partes referidas na P.I., a Ré se comprometeu a estudar o assunto e a fazer depois as obras de drenagem das águas pluviais, só se tendo recusado a fazê-las por carta de 2/1/2004, sendo na pior das hipóteses a partir desta data que se deve contar o prazo de prescrição, que ainda não ocorreu, contando-se o prazo do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil desde aí e não a partir de 16/11/2001, embora a Autora entenda que nem sequer se aplica esse prazo prescricional a este caso.

    Pronunciou-se sobre os documentos juntos pela Ré, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição e terminando como na P.I.

  3. Por despacho de fls. 266 foi admitida a intervenção da empreiteira e da seguradora, que contestaram, respectivamente, a fls. 280 a 282 e 338 a 360 dos autos.

    4.1. A seguradora alegou que a sua eventual obrigação de indemnizar se funda numa relação conexa, podendo dar lugar à sua intervenção acessória (antigo chamamento à autoria), mas aceitou o seu chamamento como interveniente principal, dizendo que nenhum «sinistro» lhe foi participado e dando por reproduzidas as contestações da Ré e da outra interveniente.

    Aduziu ainda que o seguro cobria danos em consequência directa de execução de trabalhos, mas não omissões relativas ao sistema de drenagem e outras situações não cobertas pela apólice, não sendo o empreiteiro responsável por eventuais deficiências dos projectos, por só os ter cumprido, nem pelas consequências naturais e ambientais decorrentes da execução da obra, não estando os danos cobertos pelo seguro, nem tendo a Autora legitimidade para pedir o ressarcimento de danos ou indemnizações que não lhe dizem respeito.

    Invocou também a franquia a cargo do segurado, entre 1.000.000$00 10.000.000$00 por prejuízos materiais e a de 1.000.000$00 por perdas e danos a terceiros em geral.

    4.2. A empresa H ..., Engenharia e Construção, S.A., veio afirmar que anteriormente se denominava « J ... & Companhia, S.A.», e excepcionou com a sua ilegitimidade, pois limitou-se a executar a obra segundo o projecto da Ré Brisa, sendo a concepção e o projecto da obra que estão em causa, nenhuma das partes tendo alegado que houvesse deficiente execução dos trabalhos pela adjudicatária da empreitada da A-14.

    Invocou a seu favor o regime jurídico das obras públicas, constante do DL n.º 59/99, de 2/3 e o estipulado no contrato de empreitada, para dizer que só lhe cabe a responsabilidade pelos prejuízos que lhe sejam imputáveis e que não resultem da própria natureza ou concepção da obra.

    Alegou ainda a seu favor a excepção de prescrição, por só ter sido citada em 2/11/2005 e o prazo prescricional ter terminado em 8/1/2005, na própria tese da Autora.

    Subsidiariamente, invocou ainda que a sua posição deveria ser de interveniente acessória, mantendo nessa hipótese o que dissera sobre a sua ilegitimidade processual e sobre a prescrição.

    Finalmente aduziu que, a haver prejuízos, apesar da inexistência de ilicitude e culpa da empreiteira chamada, sempre esta teria transferido a sua responsabilidade civil para a interveniente seguradora.

    Por impugnação, veio dizer que desconhecia as reuniões indicadas na P.I., só tendo conhecimento dos problemas em causa ao ser citada, pelo que desconhece a matéria de facto de diversos artigos da P.I., rejeitando qualquer falta de zelo ou diligência na execução da obra.

    Terminou pugnando pela procedência da excepção de ilegitimidade, com a sua consequente absolvição da instância, ou não se entendendo assim, pela procedência da excepção de prescrição, levando à sua absolvição do pedido, e subsidiariamente que a acção seja declarada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT