Acórdão nº 382/08.6TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelJOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.Relatório Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de F…, nos Autos de Acção de Despejo (Ordinária) à margem referenciados que move contra O…, Lda., não se conformando com a Sentença proferida pelo Tribunal da 1.º instância que a julgou totalmente improcedente, dela vem interpor recurso de Apelação para este Tribunal.

A ré, O…, Ldª apresenta recurso subordinado, direcionando-o, tão só, quanto à decisão da matéria de facto do quesito 11.º da BI – Ponto 14.º da matéria assente na sentença recorrida -.

Os termos do processo: Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de F…, com residência na …, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra O…, Ldª, com sede na Rua …, pedindo a condenação desta a ver resolvido o contrato e a despejar de imediato o locado, melhor identificado na p.i, entregando-o à autora livre de pessoas e bens e nas exactas condições que antes se encontrava antes de executar as obras, bem como nos prejuízos que se vierem a apurar em execução de sentença provenientes destas e ainda em custas e procuradoria condigna.

Para tanto, alegou, em síntese, que a ré adquiriu o direito ao arrendamento e trespasse do locado no âmbito de um processo de execução fiscal movido contra R...

Este havia celebrado com F… um contrato de arrendamento, em 10 de Fevereiro de 1967, tendo por objecto todo o rés-do-chão e pátio a sul do seu prédio urbano destinado a comércio e indústria, sito na Rua ...

Nos termos de tal contrato, o inquilino foi autorizado a fazer obras de adaptação no pátio ao fim a que se destinava, sendo necessária a autorização do senhorio para obras futuras.

A ré, sem qualquer autorização da autora, procedeu de Outubro a Dezembro de 2007 à destruição de toda a fachada principal do edifício e respectivos pilares, destruiu as instalações interiores onde funcionava o posto de abastecimento, destruiu as oficinas de manutenção e lavagem de veículos, bem como o parqueamento público pago e apoio administrativo e as instalações sanitárias do pessoal que ali laborava. Por outro lado, executou outras obras quer neste local, quer no rés-do-chão do edifício, as quais alteram profunda e substancialmente a fisionomia quer interna quer externa do locado e impossibilitam a normal reposição do prédio ao seu estado anterior.

Devidamente citada, contestou a ré reconhecendo a existência do contrato de arrendamento, alegando, no entanto, que do mesmo resulta apenas a necessidade de autorização para a realização de obras no interior do prédio, obras essas que a ré não fez.

Admite ter efectuado obras que decorreram de 22 de Setembro a final de Novembro de 2007, as quais se destinaram a possibilitar o desenvolvimento da actividade explorada pela ré e a prosseguir a finalidade do contrato de arrendamento, designadamente dar cumprimento às normas legais vigentes aplicáveis ao ramo de actividade a que se dedica.

  1. O Objecto da instância de recurso; Nos termos do art. 684° e 685.º-A do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente.

    São as seguintes as conclusões que apresenta a recorrente: ...

    A ré respondeu e apresentou as suas alegações, concluindo: … 3. As questões a decidir são: I. O Ponto 16 – obras impossibilitam a normal reposição do prédio – terá de ser dado como provado? II. A matéria de facto do Ponto 21 – autorização de obras - deverá ser considerada como não provada? III. A matéria de facto do Ponto 11 deverá ser considerada como não provada? IV. As obras efectuadas justificam a resolução do contrato de arrendamento? A 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto: … I. Da reapreciação da prova.

    Autora e ré requerem, quanto aos pontos 11, 16 e 21 da Base Instrutória, a reapreciação da prova, com fundamento em erro na sua apreciação pela 1.ª instância.

    Relembramos as respostas dadas pela 1.ª instância: ...

    Como é sabido, para que a 2.ª instância se possa imiscuir na fixação da matéria de facto feita pela 1.ª instância, as partes terão de cumprir alguns requisitos: Nos termos do art.º. 712ºn.º 1 al. a) do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção da sua origem - a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: “Se do processo constarem todos os elementos de prova, que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida.” Dispõe o art. 685º-B do CPC, que tem por epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que “1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. ...”.

    Esta norma reproduz, em grande parte, o art. 690º-A do mesmo diploma - revogado pelo DL. 303/2007 de 24.08 - que foi aditado pelo DL. 39/95 de 15.02, que previu e regulamentou a possibilidade de documentação ou registo das audiências de julgamento, gravando-se a prova nelas produzida, tendo em vista, desse modo, criar um 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes a possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto relevante para a decisão de mérito.

    Como escreve o Conselheiro Abrantes Geraldes - in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, pág. 267 -, “Para que este poder de reapreciação possa ser amplamente utilizado, é necessário que todos os elementos de prova de que o tribunal recorrido fez uso constem do processo - o sublinhado é nosso.

    Se algum dos que ficaram expostos na motivação da decisão que concretamente incidiu sobre o ponto de facto impugnado não estiver acessível a Relação ficará inibida nos seus poderes de reapreciação”.

    Diz o artº 612º, nº 1 que o tribunal, sempre que o julgar conveniente, pode, por sua iniciativa, ou a requerimento das partes, e com ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, inspeccionar coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a entender necessária.

    A prova por inspecção tem por fim a percepção directa de factos pelo tribunal - artº 390º do Código Civil - e o seu resultado é livremente apreciado pelo tribunal - artº 391º do mesmo diploma -.

    A prova por inspecção é, pois, uma prova directa - no sentido em que coloca o julgador em contacto imediato com o facto a averiguar - e é uma prova livre, não vinculada - na medida em que o seu resultado é de livre apreciação pelo tribunal - - Alberto dos Reis, CPC Anotado, IV, págs. 308, 321 e 322, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 602 e Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2º, 2ª ed., págs. 559 e 560.

    O art.º 615º impõe que da diligência de inspecção seja lavrado auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo.

    Se a inspecção judicial for realizada no decurso da audiência de discussão e julgamento, não é necessário que seja lavrado um auto específico, mas os elementos úteis para o exame e decisão da causa a que se reporta o citado artº 615º devem ser consignados na respectiva acta de audiência de julgamento.

    A consignação desses elementos tem por finalidade permitir ao Tribunal da Relação o efectivo exercício dos poderes de controle da decisão sobre a matéria de facto que lhe são conferidos pelo artº 712º - Acórdãos da Relação do Porto de 04.04.90, 12.02.01, 17.10.02 e 4.2.2010, todos retirados do site www.dgsi.pt. -.

    A omissão da consignação daqueles elementos na acta de audiência de julgamento constitui uma irregularidade susceptível de ter influência na decisão da causa no caso de a inspecção judicial vir a ser um dos meios de prova em que o juiz fundamente a decisão sobre a matéria de facto.

    Se tal suceder, a irregularidade cometida produz uma nulidade secundária, atípica ou inominada, aplicando-se-lhe o regime dos artºs 201º, 203º e 205º.

    É no decurso da audiência de julgamento que o juiz deve fazer consignar na acta respectiva os elementos recolhidos durante a inspecção judicial, tendo as partes o direito de sugerirem a inclusão de determinados elementos ou de reclamarem contra a inclusão ou omissão doutros pelo juiz.

    Como escreveu Alberto dos Reis - CPC Anotado, IV, pág. 321 -, é ao juiz que cabe avaliar se tal ou tal averiguação é útil para a decisão da causa; mas não pode negar-se às partes o direito de pedir que determinado facto ou determinada observação seja consignado no acto.

    A nulidade é, pois, cometida no decurso da própria audiência de julgamento, pelo que, se a parte aí estiver presente, por si ou por mandatário, tem de arguir a nulidade durante a própria audiência, enquanto esta não terminar.

    Se não estiver, pode argui-la no prazo de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, interveio em qualquer acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. É o que resulta do disposto no artº 205º, nº 1.

    Tem-se defendido, doutrinal e jurisprudencialmente que, sempre que a violação das normas processuais esteja coberta por decisão judicial que ordenou, sancionou ou autorizou o acto ou omissão (mesmo que de modo implícito), pode reagir-se contra tal violação através de recurso da decisão.

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