Acórdão nº 171/10.8TBSAT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução10 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

S… propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Sátão, contra A…, acção declarativa, com processo comum, ordinário pelo valor, pedindo o seu reconhecimento judicial como filha do réu.

Fundamentou esta pretensão no facto de a sua mãe, M…, no decurso das relações de namoro que mantinha, desde 1979, com o réu, ter acedido, por este a ter informado que pretendia casar com ela, a manter relações sexuais completas, na sequência das quais deu à luz no dia 10 de Julho de 1980, e de a sua mãe, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento, só com o réu ter mantido relações sexuais.

O réu defendeu-se por excepção peremptória, alegando a caducidade do direito da autora, atenta a idade desta ao tempo da propositura da acção, e por impugnação, limitando-se a negar a veracidade dos factos alegados por aquela como causa petendi.

A excepção peremptória da caducidade foi logo julgada improcedente no despacho saneador.

Por despacho de 29 de Junho de 2011 ordenou-se a realização, pelo Serviço de Biologia Forense do IML de Coimbra, da perícia hematológica, requerida pela autora, nas pessoas desta e do réu.

Porém, o réu declarou que não se disponibilizava a ir a Coimbra submeter-se a tal exame, por ser ofensivo da sua intimidade e invasivo e lesivo do direito constitucional à sua integridade física e moral, mas por despacho de 1 de Junho de 2011 esta posição do réu foi considerada infundada e ordenou-se a notificação dele para comparecer no Serviço de Genética de Biologia Forense do INML de Coimbra, sob pena do disposto no artº 519º, nº 2 do Código de Processo Civil, designadamente a sua condenação em multa.

Por despacho de 28 de Setembro de 2011 o réu foi notificado para comparecer no mesmo Serviço, em virtude da não realização do exame no dia designado, a que não compareceu, e advertido, nos termos do artº 519º, n.º 2 do CPC, designadamente da possibilidade de condenação em multa.

Por despacho de 16 de Janeiro de 2012 – cuja notificação às partes foi elaborada no dia 23 do mesmo mês, e que não foi objecto de reclamação nem de recurso ordinário - com fundamento na falta de comparência do réu e não justificação da falta, no Serviço de Genética e Biologia Forense do Instituto de Medicina legal – Delegação do Centro, condenou-se aquele em multa, fixada em 3 UC, e declarou-se que, no mais, a recusa do arguido em submeter-se ao exame biológico determinado será avaliado em sede de prova.

Por despacho ditado para a acta da audiência de discussão e julgamento, designada para o dia 27 de Março de 2012, o Sr. Juiz de Círculo de Viseu considerou ilegítima a recusa do R.

em se submeter ao exame médico-legal e ordenou a sua notificação para se submeter a tal exame.

No dia 27 de Fevereiro de 2012 o Sr. Juiz de Circulo proferiu, para acta da audiência de discussão e julgamento, este despacho: Na sequência do anterior despacho proferido a fls. 172 a 173, e considerando a posição assumida pelo réu a fls. 179 a 181, mantendo a recusa de submissão a exame médico-legal de determinação da paternidade biológica, decide-se, com os fundamentos e ao abrigo das normas legais e princípios jurídicos já enunciados no citado despacho, inverter o ónus da prova, presumindo-se assim que o réu A… é pai da autora S...

A sentença final julgou a acção procedente.

É esta sentença – e bem assim os despachos de 16 de Janeiro e de 27 de Novembro de 2012, que o condenou na pena processual de multa de 3 UC e declarou a inversão do ónus da prova, respectivamente – que o réu impugna no recurso, no qual pede a sua absolvição do pedido.

O recorrente rematou a sua alegação – apresentada por via electrónica no dia 28 de Fevereiro de 2013 - com estas conclusões: … Na resposta ao recurso a autora concluiu, naturalmente, pela improcedência dele.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    O âmbito do recurso é determinado, antes de mais, pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida. Dentro do objecto do processo e com observância dos casos julgados formados na acção, o âmbito do recurso delimita-se objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente, âmbito que pode ainda ser restringido pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição do recurso ou nas conclusões da alegação (artºs 684 nº 2, 1ª parte, e nº 3 do CPC).

    O recurso ordinário não pode, desde logo, incidir sobre matéria sobre a qual se formou, na instância recorrida, caso julgado[1].

    Uma das decisões proferidas pelo tribunal de que provém o recurso que merece a discordância do recorrente é a que o condenou na pena processual de multa de 3 UC por não ter comparecido na data e local designado para a realização da perícia hematológica.

    A este processo, dado que foi instaurado em data posterior a 1 de Janeiro de 2008, à aplicável, no tocante à impugnação das respectivas decisões, o sistema de recursos tal como foi reconformado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artºs 11 e 12 nº 1 deste diploma legal).

    No direito anterior a impugnação das decisões interlocutórias era instrumentalizada pelo recurso de agravo. Em face da supressão deste recurso ordinário poderia supor-se uma restrição da recorribilidade das decisões com tal natureza. Nada de menos exacto. A lei nova manteve a regra da recorribilidade das decisões interlocutórias, limitando-se, para obviar às desvantagens dessa recorribilidade, a estabelecer a regra da sua irrecorribilidade autónoma imediata, apenas admitindo a sua impugnação diferida e concentrada com o recurso interposto na decisão final (artº 691 nºs 1, 3 e 4 do CPC).

    A irrecorribilidade autónoma imediata das decisões meramente interlocutórias dá decerto satisfação ao princípio da celeridade, dado que impede que o movimento do processo seja, a todo o momento, interrompido e prejudicado pela interposição de recursos, e da concentração de meios, uma vez que possibilita a apreciação simultânea pelo tribunal ad quem, num só recurso, de todas as decisões interlocutórias desfavoráveis para o recorrente.

    Mas é claro que uma tal opção não é isenta de inconvenientes.

    Desde logo provoca uma permanente insegurança sobre e eficácia das múltiplas decisões interlocutórias, dado que obsta à formação de caso julgado e á produção do efeito preclusivo correspondente. O vencido pela decisão final, no recurso que dela interpuser, tenderá a impugnar toda e qualquer decisão interlocutória anterior que julgue relevante para a procedência do recurso.

    A recorribilidade diferida favorece, decerto, a celeridade processual, mas pode provocar, no caso de procedência do recurso no tocante a uma decisão interlocutória, a inutilização dos actos processuais praticados depois do proferimento da decisão revogada.

    A concentração da impugnação inerente à irrecorribilidade autónoma imediata das decisões interlocutórias diminui formalmente o número de recursos – mas aumenta materialmente, por impedir que sobre elas se forme de caso julgado, o número de questões susceptíveis de constituir objecto dele e a probabilidade de proferimento, pelo tribunal ad quem, decisões de forma inutilizadoras de decisões finais de mérito.

    Para obviar a este último inconveniente, a lei exceptua da regra da impugnação diferida e concentrada justamente o recurso da decisão que aplique multa – que deve ser interposto no prazo de 15 dias, contado da sua notificação (artºs 691 nºs 1, 2 c) e 5 e – numa repetição escusada, quanto ao prazo da interposição e ao seu terminus a quo - 27 nº 6 do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe foi impressa pelo artº 1 do Decreto-Lei nº 52/2011, de 13 de Abril). A razão pela qual uma tal decisão é recorrível imediata e autonomamente prende-se com a celeridade processual.

    Pois bem. Na espécie do recurso, a notificação do recorrente do despacho que lhe aplicou a multa foi elaborada no dia 23 de Janeiro de 2012, mas aquele só na sua alegação do recurso que interpôs da sentença final da causa – oferecida por via electrónica no dia 26 de Fevereiro de 2013 – é que impugnou a decisão correspondente.

    Segue-se, por isso, como corolário que não pode ser recusado, que o recorrente deixou caducar o direito à sua impugnação e que, portanto, aquela decisão passou em julgado (artºs 144 nºs 1 a 3, 145 nºs 1 a 3 e 677 do CPC, e 21-A nºs 1 e 5 da Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro).

    Assim, por constituir res judicata, o recurso da decisão final não pode ter objecto a questão da multa processual aplicada ao recorrente. Efectivamente, como dentro do objecto do processo, o recurso deve observar os casos julgados entretanto formados na acção – e como por força do caso julgado que se formou sobre a apontada decisão, está irrepetivelmente decidida a questão da sujeição do recorrente a pena processual de multa.

    O recorrente nota, a dado passo da sua alegação, que não podia recorrer do despacho que o condenou em multa, por ser jurisprudência constante dos Tribunais Superiores a da inadmissibilidade, em face do valor da multa não exceder “metade” do valor da alçada do Tribunal de 1ª instância.

    Mas esta proposição da irrecorribilidade da decisão que aplique multa pelo valor da multa concretamente aplicada não se tem por exacta.

    É verdade que além da tempestividade da interposição e da legitimidade do recorrente, a admissibilidade do recurso está sujeita a um outro pressuposto processual específico: a recorribilidade da decisão impugnada.

    A recorribilidade depende, relativamente ao valor, da conjugação de dois factores: é indispensável que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre e, além disso, que o valor da sucumbência seja superior a metade da alçada desse tribunal (artº 678 nº 1, 1ª parte do CPC).

    Esta exclusão da recorribilidade pelo valor da causa encontra a sua justificação na proporcionalidade entre aquele valor e a suficiência e a adequação da...

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