Acórdão nº 271/10.4T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2013
Magistrado Responsável | MARIA CATARINA GONÇALVES |
Data da Resolução | 24 de Setembro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
A...
e marido, B... , residentes na Rua (...), Íhavo e C...
, residente na Rua (...), Aveiro, intentaram acção, com processo ordinário, contra D...
e mulher, E...
, residentes em (...), França e F...
, residente na Rua (...), Vagos, alegando, em suma, que: correu termos um processo de inventário por óbito de G...
e mulher H...
que deixaram como únicos herdeiros o 1º Réu e I... (pai da 1ª Autora e do 2º Autor), tendo o 2º Réu desempenhado as funções de cabeça de casal; todavia, apesar de o referido I... já ter falecido – facto que era do conhecimento dos Réus – aquele inventário correu à revelia e sem qualquer intervenção dos Autores, sendo que os imóveis ali relacionados (um prédio urbano e um prédio rústico) foram licitados pelos 1ºs Réus pelo 1.995,19€, tendo sido depositadas tornas no valor de 1.246,99€; essa partilha foi realizada com o intuito de prejudicar o referido I... e os aqui Autores e actuaram de má fé e com abuso de direito, porquanto sabiam que o referido I... havia falecido, sabiam que os Autores eram os seus herdeiros e sabiam que os imóveis tinham um valor muito superior àquele pelo qual os licitaram; além do mais, os 1ºa Réus enriqueceram-se à custa dos Autores, pelo valor correspondente à diferença entre o valor das tornas que se encontra depositado e metade do valor real dos prédios que é superior a 15.000,00€.
Com estes fundamentos, pedem: a) Que seja anulada a sentença homologatória e a partilha do inventário, convocando-se os Réus para nova Conferência de Interessados, a fim de se proceder à partilha dos imóveis constantes da relação de bens no indicado processo de inventário; b) Que seja ordenado o cancelamento de todos os registos dos dois imóveis constantes da referida relação de bens, efectuados após a Conferência de Interessados dos aludidos autos de inventário; Subsidiariamente: c) Que a quota dos Autores seja composta com um dos imóveis, constantes da relação de bens dos autos de inventário ou em dinheiro, equivalente a metade do valor de ambos os imóveis, tudo de harmonia com o estipulado no artº 1389° do C.P.C.; Subsidiariamente: d) Que lhes seja restituído, com base no enriquecimento sem causa, o montante em dinheiro ou em imóvel, nomeadamente o prédio urbano, recebendo o valor correspondente à diferença entre as tornas depositadas e a metade do valor dos imóveis, que se vier a apurar, por meio de perícia colegial, a realizar nos presentes autos.
Os Réus contestaram, invocando a ilegitimidade do 2º Réu, por não ter qualquer interesse na partilha em causa nos autos, bem como a existência de erro na forma de processo, em virtude de o processado no inventário apenas poder ser impugnado por via de recurso extraordinário de revisão. Alegam que I... foi citado editalmente no processo de inventário, sendo vivo à data em que tal processo foi instaurado e desconhecendo os Réus se e quando faleceu; nem os Autores sabiam do paradeiro do pai – tal como os Réus não sabiam – sendo que o mesmo foi para a Venezuela em 1979, nunca mais voltou a Portugal e nunca mais teve contactos com os Autores. Sustentam ainda que, caso se demonstre que os Autores souberam logo do falecimento do pai, caducou o seu direito de requerer a anulação da partilha e prescreveu a possibilidade de invocarem o enriquecimento sem causa.
Concluem pela improcedência dos pedidos formulados.
Os Autores replicaram, pugnando pela improcedência das excepções invocadas e concluindo como na petição inicial.
Foi realizada a audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, onde se decidiu: • Julgar improcedente a excepção de nulidade por erro na forma de processo; • Absolver os Réus da instância – por força de uma excepção dilatória inominada – no que respeita ao pedido de que a quota dos Autores seja composta com um dos imóveis, constantes da relação de bens dos autos de inventário ou em dinheiro, equivalente a metade do valor de ambos os imóveis, de harmonia com o estipulado no artº 1389° do C.P.C.; • Julgar procedente a excepção de ilegitimidade do Réu, F..., absolvendo esse Réu da instância; • Julgar procedente a excepção peremptória de caducidade, julgando extinto o direito de pedir a anulação da partilha, absolvendo os Réus desse pedido; • Julgar improcedente a excepção de prescrição do direito de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa.
Prosseguindo os autos para apreciação do pedido formulado com fundamento em enriquecimento sem causa, foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.
Entretanto, e na sequência do óbito do Réu, D..., a também Ré, E..., foi habilitada para prosseguir a causa como sua sucessora.
Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a restituir aos Autores a quantia de 61.493,01€.
A Ré, não se conformando com a sentença e com o despacho saneador na parte em que decidiu o prosseguimento da acção para julgamento do pedido subsidiário por enriquecimento sem causa) veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: I. Está definitivamente declarada a extinção por caducidade do direito de os Autores requerem a anulação da partilha versada nos presentes Autos, efectuada e homologada, por douta Sentença transitada em julgado, no processo de inventário apenso.
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Não está provado que os Autores sejam os únicos e universais herdeiros de seu pai, interessado naquele inventário.
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Assim, não podiam os Autores formular nem ver reconhecido o direito ao percebimento da totalidade do valor do quinhão daquele seu pai naquele inventário e partilha.
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No caso dos Autos, não ocorre o requisito da falta de causa enunciado no Art.º 483.º do CCivil, uma vez que o acto ajuizado teve causa juridicamente relevante num inventário todo ele processado e decorrido em respeito da lei e em instância válida e regular, estando a partilha homologada por douta Sentença (há muito) transitada em julgado.
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Não pode fazer-se qualquer censura, a título de culpa, ou, sequer, por imoralidade, à conduta dos Réus naquele inventário e partilha.
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Foi por exclusiva incúria e inércia dos Autores que caducou o direito de requererem a anulação daquela partilha.
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Dessa caducidade não resulta para os Autores o direito à restituição do enriquecimento dos Réus, VIII. Seja porque não houve qualquer enriquecimento da sua parte, uma vez que se limitaram a intervir num processo de inventário, válido e regular com total respeito pelo estatuído legalmente, sendo a partilha homologada por douta Sentença, IX. Seja porque, uma vez verificada aquela caducidade do direito à anulação da partilha, está vedado aos Autores o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, porque a tanto se opõe a natureza subsidiária da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, como decorre do disposto no Art.º 474.º do CCivil.
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Acresce que, caducado o direito de pedir a anulação da partilha, esta passou a ter causa jurídica precisamente o acto (de partilha) que ficou convalidado por força daquela caducidade, radicando-se em definitivo os seus efeitos – com ou sem enriquecimento – na esfera do beneficiário desse acto, XI. Pois é esse o objectivo e finalidade do ordenamento jurídico no que respeita aos actos jurídicos.
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Assim, e porque com causa jurídica válida, a restituição por enriquecimento sem causa não pode ter lugar, porquanto, para além da subsidiariedade da obrigação de restituir, com a convalidação do acto pelo decurso do prazo de caducidade deixou de existir uma transferência patrimonial sem causa, deixando, mesmo, de haver enriquecimento injusto.
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Por essas razões, a acção deveria ter sido julgada totalmente improcedente e não provada logo no douto Despacho Saneador, e, não o tendo sido nessa fase processual, deveria ter sido julgada improcedente e não provada na douta Sentença recorrida, XIV. Violando tais doutas Decisões o estabelecido nas citadas normas legais.
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Acresce que o relatório pericial é desadequado à realidade e ineficiente para que se considere provada a matéria do Quesito 4.º da douta Base Instrutória – pelo que, e nessa parte, deve a douta Decisão de Facto ser revogada, respondendo-se negativamente àquele Quesito.
Conclui pela revogação do despacho saneador, na parte ora impugnada, e pela revogação da sentença, julgando-se a acção totalmente improcedente Os Autores apresentaram contra-alegações, que terminam com as seguintes conclusões: I.
A Apelante pretende revogar a proficiente Decisão do Tribunal a quo e, para o efeito, alega em síntese, com base em três grandes temas: - A Ilegitimidade dos Autores e aqui Apelados; - Falta do requisito imposto pelo artº 473º do CC. - falta de causa justificativa, para que possa proceder o pedido de enriquecimento sem causa, alegado pelos Apelados.
- Reconhecida a caducidade de os Apelados requererem a anulação da partilha, não podem socorrer-se do...
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