Acórdão nº 1216/15.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | ARLINDO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 24 de Abril de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A...
, viúvo, reformado, residente em (...), intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra B....
, casada, residente na R. (...).
[A fls. 461 v.º, o A. desistiu do pedido formulado inicialmente contra C....
, casado, com domicílio na (...), D... , Ld.ª, com sede na (...) e E... , Ld.ª, com sede na R. (...), tendo a D... desistido da intervenção da Companhia de Seguros P...
que foi interveniente nestes autos.] Por via da presente ação declarativa pretende o A. obter a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 365,150,00, mais € 5.000, 00, de danos não patrimoniais (considera-se a petição aperfeiçoada apresentada a fls. 215 e ss.).
Par tanto alegou ter-se a A. aproveitado da circunstância de o A. ter mais de 80 anos, ser uma pessoa só e deter poupanças, para lhe pedir empréstimos, obter procuração a seu favor com que efetuou transferências para a respetiva conta, levando-o a pagar a compra de uma casa que, na ignorância do A., ficou em nome da Ré.
Em consequência desta atuação, viu-se o A. na dependência de terceiros para sobreviver, chegando a sentir-se marginalizado tendo sido prejudicado no respetivo estado de saúde.
Contestando, disse a Ré ter o R. sabido que a mesma se prostituía, propondo-lhe que dele cuidasse e lhe prestasse favores de cariz sexual, passando a viver em conjunto com aquela, seu marido e filhos do casal. De modo que os primeiros € 10.000,00, foram entregues pelo A. à Ré como contraprestação por aqueles serviços sexuais. No mais, foi o A. que quis comprar a casa para a Ré para a agraciar. Sendo verdade que efetuou levantamentos e transferências de valores da conta do A., fê-lo para pagar despesas com finalização e equipamento da casa, o que fez com o acordo do A., que com eles quis efetuar uma dádiva à Ré e pagar-lhe por dele tratar e com ele manter relacionamento íntimo.
Elaborou-se despacho saneador tabelar e identificou-se o objecto do litígio e os temas da prova, os quais não foram objecto de reclamação.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 478 a 486, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, absolvendo a Ré do demais, condena-se a mesma a pagar ao A. a quantia de € 360.150,00.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.”.
Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré B... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 892), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1.º O presente recurso versa sobre decisão proferida e a fundamentação utilizada na douta sentença, por se entender que a mesma não se adequa objectivamente à prova produzida e constante dos autos, nem aos princípios orientadores do direito processual civil, impugnando-se a matéria de facto e de direito nela contida, por existirem pontos de facto incorrectamente julgados e erros de julgamento.
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Efectivamente, o Tribunal a quo, fez autêntica tábua rasa de toda a matéria fáctica alegada na contestação e da prova produzida pela Recorrente, quase que impossibilitando-a de poder demonstrar a justiça da sua pretensão, e nem sequer considerando aqueles elementos, com interesse para a decisão da causa, como críveis ou relevantes para a posição reclamada pela ora Recorrente.
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Impugnam-se os pontos 4) a 11), 13) a 16) e 18) a 20) da factualidade dada como provada, bem como os pontos 12), 13) e 14) da matéria de facto não provada, que, salvo o devido respeito, se consideram erradamente considerados, atentos os depoimentos das testemunhas apreciados na globalidade e no seu conjunto com a demais prova, conforme alegações supra expendidas na parte 1) desta peça.
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Salvo melhor entendimento, crê-se que o Tribunal a quo, quer na factualidade dada como provada (e não provada), quer na fundamentação da sua decisão, partiu de um errado pressuposto que inquinou o raciocínio do julgador e a sua decisão, não tendo ficado indiferente às duas versões dos factos apresentadas pelo A. e considerando, erradamente, que, por se tratar de uma pessoa viúva que recorria aos serviços sexuais prestados pela Recorrente, este seria uma pessoa ingénua, ignorante, frágil, pouco esclarecida, etc.
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Não obstante a sua idade, o A. tinha perfeita consciência e conhecimento do alcance das suas escolhas (válidas) … Escolhas estas das quais se poderá ter arrependido com o passar do tempo, mas isto não é, nem nunca poderá ser um pressuposto de responsabilidade civil (quer contratual, quer extracontratual) ou de enriquecimento sem causa.
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Os depoimentos indirectos prestados pelas testemunhas do A., marcados por leveza probatória, assumindo um discurso selectivo, incutidas de incoerência e falta de credibilidade, revelaram uma gritante parcialidade, uma forte animosidade para com a Recorrente, nunca tendo qualquer uma delas ouvido ou presenciado qualquer facto.
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Não consta da prova produzida, em momento algum, que a Recorrente começou a visitar o A. em x(...) por saber que ele vivia sozinho. A Recorrente conheceu o A. através da sua irmã O.... e apenas de deslocava a x(...) a pedido do A. para satisfazer os seus impulsos libidinosos.
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O A. estaria eventualmente a viver sozinho no seu apartamento de x(...) mas tinha alguma relação de proximidade com a sua prima.
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Não resulta da prova produzida que terá sido a Recorrente a propor ao A. para ir viver com ela para y(...).
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Não decorre da prova produzida que terá sido a Recorrente a pedir ao A. para que este a instituísse herdeira. O A. confessou ter feito um testamento a favor da Recorrente porque estava satisfeito com os serviços prestados por esta, revelando que tinha consciência dos seus actos.
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Não foi a própria Recorrente a pedir ao A. a outorga da procuração, a qual cumpre os requisitos de forma legais 12.º A procuração não concede à Recorrente poderes para celebrar negócios consigo mesma.
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O A. só não assistiu à escritura por sua livre vontade, ninguém o impediu de entrar.
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O A. cedeu validamente a sua posição contratual, através de documento reconhecido pelo notário, pelo que não podia ter alegado que só não assistiu à escritura porque foi impedido.
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A declaração de vontade do A., esta foi livre, esclarecida, real e ponderada, formada de um modo normal e são.
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O A. tinha consciência que estava a ser celebrada a outorga da escritura da casa e nada fez para obstar a tal celebração.
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Não resulta da prova produzida que o A. estava “convencido de que a mesma casa lhe pertencia e estava em seu nome”.
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A Recorrente cuidava do A. com carinho.
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Da prova produzida, não decorre que a saída do A. da casa da Recorrente tenha sido consequência directa daquela querela. Mas se o A. se aborreceu com a Recorrente por alguma razão e se vivesse enganado achando que a casa era sua, teria sido a Recorrente a ter de sair de casa e não o contrário… 20.º O A. sabia perfeitamente que tinha cedido a sua posição contratual pelo que bem sabia que a casa nunca se encontrou em seu nome.
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Decorre da prova documental que as transferências de “a) € 20.000, 00, em 11.10.2010; b) € 29.000, 00, em 28.10.2010; c) € 4.500, 00, em 29.10.2010; d) € 90.000, 00, em 2.11.2010; (…) [e] g) € 18.000, em 10.11.2010” foram realmente quantias transferidas para a conta da Recorrente, mas também decorre, por exemplo do Doc. 1 junto com a contestação, que tais quantias foram e poderão todas ter sido efectuadas pelo próprio A..
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Com o devido respeito, não se entende como é que o Tribunal a quo pôde concluir que, pelo menos quanto à transferência dos 18.000€, tenha sido a Recorrente a retirar da conta do A. tais valores, quando estamos perante um documento assinado pelo próprio A...
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Não podia ter sido a Recorrente a retirar da conta do A. outros valores (e) € 11.550,00, em 6.11.2010; f) € 2.100, 00, em 8.11.2010; (…) [e] h) € 5.000, em 11.11.2010) transferidos para contas distintas cujos titulares se ignoram. Nesta linha de pensamento, deveriam ter sido considerados todos os movimentos a débito dos extractos de conta do A. e ter responsabilizado a Recorrente por todos eles.
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Acresce que a data de outorga da procuração (recorde-se 27.10.2010) é posterior à data da transferência dos 20.000€ (11.10.2010).
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Todas as testemunhas foram suficientemente esclarecedoras e estavam perfeitamente conscientes da troca de mimos e carinhos que a Recorrente prestava ao A.
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O A. sempre teve consciência que o dinheiro não servia como empréstimo e que o mesmo não lhe ia ser devolvido.
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Não decorre da prova produzida que os valores realmente transferidos para a Recorrente “a) € 20.000, 00, em 11.10.2010; b) € 29.000, 00, em 28.10.2010; c) € 4.500, 00, em 29.10.2010; d) € 90.000, 00, em 2.11.2010; (…) [e] g) € 18.000, em 10.11.2010” tenham sido retirados por esta da conta do A. e que o tenham sido feito em seu proveito exclusivo.
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Das próprias declarações de parte do A., e a serem verdade, é curioso a presente acção (e até o mencionado processo crime) não ter sido intentada contra outros sujeitos processuais, uma vez que quem lhe terá tirado os cartões de crédito foi a O.... , irmã da Recorrente.
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O A. não detinha apenas a conta bancária do Banco..... Efectivamente, como resulta de fls. 363v., 373v., 387v. e 394v., foram efectuadas transferências bancárias para esta conta do Banco...., provenientes do próprio A.
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Ninguém retirou a titularidade das contas bancárias ao A.
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Verificando o extracto de conta de fls. 363v., à data de 28.02.2011, após ter procedido a um levantamento de 20,00€, o A. ficou com um saldo positivo de 107,56€, e no dia seguinte de 609,72€, recebendo pensões de Portugal e de Espanha. Pelo que este saldo era amplamente suficiente se considerarmos o valor do salário mínimo...
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