Acórdão nº 35/09.8TACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução18 de Maio de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório 1.

No âmbito do inquérito registado sob o n.º 35/09.8TACTB que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Castelo Branco, iniciado com a queixa que consta de fls. 1 a 4, apresentada por L... contra M…, o Ministério Público proferiu, em 31 de Julho de 2009, ao abrigo do disposto no art. 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP), despacho de arquivamento.

* 2.

Inconformado com esse despacho, o assistente L... requereu a abertura de instrução, nos termos do estatuído pelo art. 287.º, n.º 1, al. b) do CPP, para que a final fosse proferido despacho de pronúncia da arguida M…, pelo cometimento do crime que, no seu ponto de vista, estava suficientemente indiciado, ou seja, o crime de subtracção de menor, p. e p. no artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

* 3.

Admitida a abertura da instrução, teve lugar o respectivo debate, tendo a final sido proferido despacho de não pronúncia.

* 4.

Da referida decisão o assistente interpôs recurso, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – O recorrente entende que, face à prova produzida e que foi dada como assente, não devia ter o Mm.º Juiz a quo dado como provada a verificação da causa de justificação prevista nos artigos 16.º e 17.º do Cód. Penal.

  1. – Uma vez que nenhuma prova produzida ou carreada para os autos permite fundar um tal juízo.

  2. – Considera o recorrente que, no recorte subjectivo traçado, a decisão é manifestamente infundada e encerra em si erros notórios de apreciação de prova e de direito, não tendo o Tribunal a quo logrado fazer a melhor apreciação da prova produzida, que devidamente interpretada e julgada, imporia decisão diversa da recorrida.

  3. – Considerou o Tribunal a quo que a arguida, não obstante ter agido livre, voluntária e conscientemente, não estava em condições de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime em termos de se poder determinar por esse conhecimento.

  4. – Tudo em virtude de a al. c) do n.º 1 do artigo 249.º ter entrado em vigor apenas um mês e cinco dias antes da prática do facto e a conduta incriminatória – impedir o pai de visitar o filho, violando o regime de visitas estabelecido – não integrar, na sua génese, uma “maldade criminal” de tal magnitude que permitisse, por si só, perceber estar-se na presença de um crime.

  5. – Sendo que, julgou o mesmo Tribunal que um tal desconhecimento lhe não podia ser imputado.

  6. – Salvo melhor opinião e sempre com o respeito devido, nenhuma prova produzida, quer em sede de inquérito quer em sede de instrução – a qual se limitou à realização do debate instrutório – permite inferir a verificação de tal causa de exculpação.

  7. – A própria denunciada jamais foi confrontada com o conhecimento ou desconhecimento da lei, o qual jamais foi por ela afirmado, sendo que, no essencial, acabou por confessar a prática do ilícito.

  8. – Ora, nos termos do artigo 283.º, n.º 2, e artigo 308.º, n.º 1, do CPP, o Juiz profere despacho de pronúncia se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena.

  9. – Tais indícios reportam-se não só ao tipo objectivo mas também ao subjectivo de ilícito e, consequentemente, também a verificação das causas de exclusão da culpa e/ou da ilicitude deve ser sindicada à luz deste critério.

  10. – Tal juízo de falta de consciência resultou de uma presunção judicial que teve na sua origem o facto de a lei apenas se encontrar em vigor há um mês e cinco dias aquando da prática do facto ilícito.

  11. – Presunção essa que, como melhor se explanou supra, nem sequer partiu de qualquer afirmação de inconsciência por parte da arguida.

  12. – Ora entende o recorrente que a presunção “nascida da juventude legal”, só por si e porque não acompanhada da prova de quaisquer factos, não é passível de integrar o conceito de indícios suficientes.

  13. – Pelo que a decisão assim proferida, ao não submeter a prova aos factos que constituíam pressupostos de verificação da causa de exculpação, violou o artigo 124.º do CPP, bem como violou o artigo 308.º do CPP.

  14. – Na mesma violação incorreu o Mm.º Juiz a quo na parte da decisão em que considerou que a falta de consciência da ilicitude não era imputável à arguida.

  15. – Também sobre estes factos nenhuma prova foi produzida nem em sede de inquérito nem em sede de instrução.

  16. – O que resulta à saciedade, demonstrado de uma leitura dos factos considerados indiciados. Porque nenhum deles pode suster as duas afirmações em que se baseou o despacho de não pronúncia – verificação da causa de exculpação e não imputação do conhecimento à arguida (veja-se ponto 1 a 20 da decisão instrutória para os quais se remete e aqui se dão por inteiramente reproduzidos para os devidos e legais efeitos).

  17. – Pelo que, para além das violações supra referidas, a decisão proferida encontra-se ferida do vício a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  18. – Por outro lado e ainda que assim se não se considerasse, e face à matéria carreada para os autos, sempre a decisão a proferir teria de ser no sentido diametralmente oposto àquela que veio a ser proferida. Exigia-o uma correcta interpretação da parte final do artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal.

  19. – O Mm.º Juiz a quo afirma, bem no entender do recorrente, que: «a ressonância ética da sua conduta sem dúvida que lhe permitiria perceber que a sua atitude era reprovável pois que iria privar o menor e o seu pai de conviverem com a assiduidade a que estavam obrigados e que o assistente dificilmente poderia exercer o regime estabelecido entre ele e a arguida acerca das visitas»; «está em condições de perceber que, do ponto de vista da boa fé, a sua atitude decidida uniteralmente e sem prévia comunicação ou audição do assistente era reprovável».

  20. – Ora sabendo a arguida do ponto de vista da boa-fé, dos costumes, o desvalor da sua conduta e a ressonância ética da mesma; 22.ª – Tendo conhecimento – porque se tratou de questão amplamente debatida na sociedade civil – inclusive discutida em programa de prime time que exclusivamente lhe foram dedicados – que o regime das responsabilidades parentais fora amplamente alterado; 23.ª – Era ou não era exigível que a mesma agisse com outro tipo de cuidado? Entende o recorrente que a resposta à presente questão é afirmativa. Como mui bem vem ensinado na doutrina, o que está em causa é “saber se, naquela situação concreta, a pessoa tinha obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse lícito ou ilícito e em consequência disso tentar verificar se assim era ou não” … “e fizesse um esforço no sentido de o verificar, assim se poderia dizer que a sua própria falta de consciência da ilicitude era ou não censurável”, in Direito Penal, vol. II, pág. 346, Ed. da AAFDL 1983, Teresa Pizarro Beleza.

  21. – E assim, ainda que se considerasse que a tenra idade do novo quadro legislativo por si só poderia justificar a verificação da causa de exculpação, sempre a mesma deveria ter sido afastada pelos motivos acabados de enunciar.

  22. – Pelo que, ao decidir diferentemente, sempre o Tribunal violou o artigo 17.º do Cód. Penal.

  23. – E nem se lance mão dos argumentos que “en passant” são referidos pelo Mm.º Juiz a quo, como sejam, o do preenchimento do conceito de injustificado, o qual importaria a atipicidade da sua conduta. Pois um tal conceito apenas poderá ser analisado na perspectiva do menor e nunca dos progenitores, sob pena de esvaziamento total da norma incriminatória.

  24. – É pois à luz do supremo interesse do menor e não do dos progenitores que o carácter injustificado da conduta deve ser analisado e determinado. Pelo que, também a interpretação da al. c) do n.º 1 do artigo 249.º, nos termos em que foi efectuada na decisão recorrida, viola o artigo 9.º do Cód. Civil, o qual é aplicável in casu, por estarmos na presença de um conceito vago e indeterminado cujo conteúdo urge precisar –, sendo que tal conceito impõe ao intérprete a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

  25. – Por fim, sempre se dirá que, também quanto à questão da alteração não substancial dos factos, nenhuma razão assiste ao Mm.º Juiz a quo. Entende o recorrente que a conduta da arguida é subsumível não só na al. c) do preceito do Cód. Penal, mas também na al. a) do mesmo normativo. Pois contrariamente ao aí referido, a entrada em vigor do artigo 1906.º do CC impõe a todos os progenitores – tenham ou não regulado o regime do exercício das responsabilidades ao abrigo de legislação anterior e independentemente desse regime – que, doravante, decidam em comum as questões essenciais à vida dos menores.

  26. – A decisão recorrida, ao afirmar que a interpretação assim efectuada configura uma aplicação retroactiva da lei, ignora por completo a natureza das relações em análise. Na verdade, o exercício das responsabilidades parentais impõe aos progenitores deveres, direitos e poderes que vão sendo exercidos dia a dia. Estamos, portanto, no domínio das situações de execução duradoura. O que impõe que se proceda à separação entre o passado e o futuro, separação essa dada pelo momento da entrada em vigor da nova lei.

  27. – E porque assim, a aplicação imediata e a todos os progenitores, independentemente do regime estabelecido, do estatuído na nova redacção do artigo 1906.º não traduz qualquer aplicação retroactiva da lei, antes e tão só a sua aplicação imediata, pelo que sempre a presente decisão se encontraria ferida, por violação do n.º 2 do artigo 12.º do Cód. Civil.

  28. – E nem se alegue que os regimes estabelecidos estão ao abrigo do caso julgado e, como tal, impassíveis de ser alterados pela nova legislação, pois a afirmação assim efectuada olvida a natureza do processo, ao abrigo do qual foi proferida a decisão – jurisdição voluntária.

Nestes termos e...

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