Acórdão nº 665/04.4TBSCD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelEMÍDIO COSTA
Data da Resolução18 de Maio de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO O Ministério Público intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão, a presente acção com processo ordinário contra: - Sociedade Comercial (…) & Filha, Lda.

, - R (…) e marido, M (…), a primeira por si e como herdeira de N (…) e de J (…).

- M L (…), como herdeira de N (…) e de J (…), - M H (…) e marido, A (…), - A I (…), - M G (…), e - F (…)[1] e mulher B (…), pedindo que: - Se declarem nulos, por simulados, os negócios referidos no art. 50º da petição inicial e, bem assim, os referidos no art. 53º por emergentes daqueles negócios simulados; - Se declare nulo o negócio dissimulado referido nos arts. 59º e 65º, por contrário à lei e carecer da forma legal exigida; - Se ordene o cancelamento dos registos efectuados com base nos actos cuja declaração de nulidade se pediu.

Alegou, para tanto, em resumo, que, no dia 1/2/1994, foi averbada a propriedade da farmácia (…) a favor da 1ª Ré e que, por escritura de divisão e cessão de quotas e alteração do pacto social de 14/2/1996, foi alterada a estrutura da sociedade, que passou a ter como únicas sócias M (…) e M H(…); na mesma data, a Drª (…) e marido outorgaram escritura em que outorgaram uma procuração irrevogável a favor de F (…), conferindo-lhe poderes para ceder a quota do valor nominal de 20.000$00, pertencente àquela; o F (…) e mulher exerceram as funções de ajudantes técnicos de farmácia, na farmácia (…), desde 1985 até 14 de Fevereiro de 1996, mantendo-se aparentemente em tal função desde essa data até ao encerramento da farmácia, em 11 de Junho de 2003; mas, na realidade, desde a referida escritura de divisão de quotas e concomitantes procurações irrevogáveis, o F (…) e mulher são os verdadeiros donos da aludida farmácia, tendo aquela divisão e procurações visado encobrir uma verdadeira transmissão da propriedade da farmácia, com o intuito de enganar o Estado, contornando os requisitos estabelecidos na lei para tal transmissão e exploração de farmácias.

Contestaram, separadamente, os Réus (…). Todos defenderam a validade dos contratos outorgados e cuja nulidade se visa com a presente acção, culminando pedir a improcedência desta.

Efectuado o registo da acção, proferiu-se o despacho saneador, seleccionaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, de forma que não mereceu reparo a qualquer das partes.

Apresentaram alegações de direito os Réus F (…) e mulher, terminando por pedir que fosse declarada, à luz da nova lei, a validade dos negócios dissimulados de transmissão que atribuem a propriedade da farmácia (…) a eles, alegantes.

Finalmente, verteu-se nos autos sentença que julgou a acção totalmente procedente, declarando as invocadas nulidades e ordenando o cancelamento dos peticionados registos.

Inconformados com o assim decidido, interpuseram os Réus F (…) e mulher recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegaram, oportunamente, os apelantes, os quais finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª - “A presente acção foi intentada pelo M.P., em 17/09/2004, na sequência de uma inspecção do INFARMED à FARMÁCIA (…), sita em (…), em consequência da suspeição de uma provável situação de falsa propriedade de farmácia, em violação da legislação então vigente: - Lei 2125, de 20 de Março de 1965; 2ª - À altura da dita Inspecção foi apreendido o Alvará nº ..., com que laborava a (…); 3ª - Instaurada a acção, o M.P., como consta da “Nota Prévia”, das presentes alegações, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito para todos legais efeitos, peticionou a declaração de nulidade de todos os negócios simulados que tiveram por objecto a propriedade da dita Farmácia e, bem assim, a nulidade do negócio dissimulado por contrário à Lei e por vício de forma – tudo como melhor consta da P.I.; 4ª - As normas violadas com tais negócios teriam sido as previstas nos nºs 1. e 2. da Base II da lei 2125, de 20 de Março, que restringia a titularidade do direito de propriedade sobre farmácias a farmacêuticos ou sociedade em nome colectivo ou por quotas, se todos os sócios fossem farmacêuticos e enquanto o fossem; 5ª - Sendo certo que a nulidade dos negócios celebrados contra o expressamente previsto em tal Lei, acarretava como consequência a respectiva nulidade, nos termos do disposto no artigo 76º 2. do Dec.-Lei 48.547, de 27 de Agosto de 1968; 6ª - Quando a acção deu entrada em juízo era este o enquadramento jurídico da propriedade das farmácias; 7ª - Sucede que, na pendência da acção, surgiu a Lei nº 20/2007, de 12 de Junho – autorizando o Governo a legislar, designadamente, sobre a alteração da propriedade da farmácia, por forma a garantir que todas as pessoas singulares ou sociedades comerciais possam ser proprietárias de farmácias (art. 3º a); 8ª - Na sequência de tal autorização legislativa, surge o Dec. - Lei nº 307/2007 de 31 de Agosto que, no seu artigo 14º 1., estatui o seguinte: Podem ser proprietários de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais; 9ª - Apesar da riqueza do respectivo Preâmbulo, quanto ao pensamento legislativo do legislador, nada mais foi estatuído quanto ao regime transitório da nova Lei, no que diz respeito às situações jurídicas, atinentes à questão da propriedade, criadas na vigência da anterior Lei e que subsistem após entrada em vigor da nova Lei; 10ª - Perante esta situação, o Tribunal “a quo“ decidiu no sentido da nulidade de todos os negócios, simulados e dissimulado, este último por contrário à lei e por vício de forma – aplicando a legislação anterior; 11ª - Outras situações semelhantes, tramitadas no Tribunal Judicial de Benavente, Tribunais Cíveis de Lisboa e Porto foram decididas em sentido contrário, por aplicação da nova legislação, tendo em conta, designadamente, que o interesse colectivo que antes ditava as nulidades tinha sido abolido pelo Dec. - Lei nº 307/2007; 12ª - A decisão recorrida não interpretou, nem aplicou correctamente as disposições conjugadas dos artigos e 12º 2. do Código Civil - de facto, a correcta interpretação de tais normas conduziria à aplicação do artigo 14º 1. do referido Dec. - Lei nº 307/ 2007, de 31 de Agosto, ao caso dos autos; 13ª - A interpretação da nova lei, por parte do Tribunal “a quo”, está ferida de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da C.R.P., uma vez que tem subjacente a admissão de um duplo e discriminatório critério para aferição da legalidade dos negócios sobre a transmissão de farmácias, celebrados no âmbito da anterior legislação e ainda vigentes no período da lei nova: - os detectados pelo Infarmed e levados a Tribunal, são nulos; os não detectados, são válidos ou regularizáveis, nos termos da nova legislação; 14ª - Inconstitucionalidade esta que pode resultar não só da interpretação feita pelo Tribunal “a quo“, como da própria formulação incorrecta do preceito, por parte do legislador, ao deixar em aberto a possibilidade de discriminações de cidadãos, em consequência do referido critério fútil, de se ser ou não detectado, como definidor da legalidade ou da ilegalidade perante a lei! - inconstitucionalidade que, por ambas as razões se invoca, para todos os legais efeitos, quando interpretada no sentido da declaração de nulidade dos actos praticados no âmbito da legislação anterior, mas ainda subsistentes à altura da entrada em vigor da nova lei; 15ª - Não há nulidade do negócio dissimulado por falta de forma, dado que a todo o tempo o negócio pode vir a ser celebrado, utilizando para tanto as procurações irrevogáveis referidas em P) e X) dos Factos Assentes; de facto, as procurações, ditas irrevogáveis, destinam-se, precisamente, a celebrar os negócios quando for possível ou mais conveniente, para os respectivos intervenientes, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 265º 3. do Código Civil, não foram revogadas por acordo dos interessados, nem ocorreu justa causa de revogação por parte do mandante; 16ª - A decisão recorrida defendeu a tese da nulidade inelutável dos negócios simulados e dissimulado; 17ª - Ora, nem sempre os negócios nulos têm consequências fatais nas suas consequências; 18ª - O Código Civil é fértil em casos à partida considerados nulos, mas passíveis de confirmação.

Assim, v. g. art. 894º1.; 968º; 1939º 1. e 2. e 2309º; 19ª - Podendo afirmar-se que existe um princípio de confirmabilidade de negócios nulos; 20ª - Ao contrário do defendido pelo Tribunal “ a quo” a nulidade só é insanável se o interesse colectivo emanente da nulidade continuar a manifestar-se e a impedir, de forma constante, a confirmação; 21ª - O interesse que ditava a nulidade foi abolido já depois da propositura da acção; 22ª - Os negócios jurídicos referidos e documentados nos autos, devem ser aproveitados nos precisos termos em que os interessados o desejaram, porque não há, por parte do Estado, do Infarmed, ou dos Co-Réus, qualquer motivo ou interesse tutelado, público ou privado, para impor uma protecção que por ninguém é desejada; 23ª - A nova Lei tem como objectivo a regularização de situações ligadas ao sector da propriedade das farmácias; 24ª - O próprio INFARMED, seguindo a linha de orientação do douto Parecer da autoria do Prof. José de Oliveira Ascensão, tem vindo a proceder, em casos semelhantes dos autos à confirmação de actos nulos, no que diz respeito a actos relativos à propriedade de farmácias, de novo se retomando a temática da inconstitucionalidade, caso se mantenha a dualidade de soluções; 25ª - No caso dos autos a confirmação é possível, dado que foi dado como provado que o que os particulares quiseram foi transmitir a propriedade da farmácia para os ora Recorrentes; o INFARMED aceita a regularização da propriedade da Farmácia (…) pela via da confirmação e as procurações irrevogáveis permitem, a todo o tempo, dar...

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