Acórdão nº 1396/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Fafe – 3º Juízo – Pº n.º 1051/07.0GAFAF ARGUIDO/RECORRENTE António RECORRIDO O Ministério Público OBJECTO DO RECURSO O arguido foi acusado pelo MºPº, imputando-lhe a autoria material, com dolo directo, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas nos artigos 131º e 132º nº 1 e nº 2 alíneas e) e j) do Código Penal.

Veio a ser assim decidido: I. Julgando a acusação parcialmente provada e procedente: a) condena o arguido pela autoria material de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de dez anos de prisão; b) absolve o arguido da imputada autoria material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º, 132º nº 2 alínea d) parte final (motivo fútil) e i) (frieza de ânimo) do Código Penal; II. Julgando o pedido de indemnização parcialmente provado e procedente: a) condena o demandado a pagar à demandante: - o que vier ser liquidado em incidente próprio relativamente a despesas de funeral e de deslocação aludidas nos pontos 31) e 32) da fundamentação de facto; - € 55.200 a título de alimentos, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 10 de Janeiro de 2008 até integral e efectivo cumprimento; - € 25.000 a título de compensação por danos não patrimoniais por esta sofridos, acrescidos de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento; b) absolve o demandado da instância relativa às pretensões deduzidas pela demandante nos artigos 30º e 39º do pedido cível; c) absolve o demandado do remanescente do pedido.

É desta decisão que vem interposto recurso, no qual se defende que das provas produzidas em audiência e da pericial e documental, resulta que o disparo não foi intencional, nunca tendo o arguido querido matar o seu irmão, tendo apenas ocorrido o disparo «porque a vítima agarrou os canos da arma em sua direcção, com o intuito de a retirar ao arguido e, nessa sequência a mesma disparou, não tendo sido possível determinar o autor do disparo».

Em consequência, o recorrente pede que se altere ou elimine a matéria de facto dos pontos 4, 6, 9, 13, 14, 16, 19, 20, 21, 22 e 28 e que se decida a sua absolvição ou, no máximo, que lhe seja aplicada uma pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos.

MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida assentou, no que interessa, na seguinte matéria de facto: 1. No dia 12 de Agosto de 2007, cerca das 22h30m, faltou a energia eléctrica na casa do arguido, sita no rés-do-chão, no Lugar de F, sendo que o contador de electricidade é comum à casa deste, de sua mãe, onde se encontra instalado, e de seu irmão Alberto, residente a cerca de 20 metros.

  1. Por esse facto, o arguido saiu repentinamente da sua casa e subiu as escadas dirigindo-se ao 1º andar do mesmo prédio, onde reside a sua mãe assim como o seu sobrinho C, filho do seu irmão Alberto.

  2. Aí, começou a pontapear a porta de entrada, ao mesmo tempo que gritava que a culpa da falta de luz era do C.

  3. A mãe do arguido e o neto saíram, então, à porta, tendo o arguido começado a protestar com ambos, em alta voz, tendo, mesmo, desferido um soco que se dirigia ao sobrinho mas foi recebido pela sua mãe, que se colocou à frente do neto.

  4. Nesse momento, e alertado pelo barulho, surgiu no local o Alberto, que por ter ficado bastante desagradado com a cena descrita, empurrou o arguido, tendo-se ambos envolvido em luta, no decurso da qual desferiram mutuamente diversos pontapés e murros.

  5. De seguida, o arguido saiu em direcção a sua casa, tendo C alertado o pai que o tio ia buscar a arma.

  6. No interior da habitação o arguido muniu-se da arma caçadeira que possuía, e cujas características concretas não foram apuradas.

  7. De seguida, deslocou-se para o exterior da residência, levando consigo a arma e alguns cartuchos 9. Assim que o arguido saiu da sua residência disparou dois tiros para o ar.

  8. Em circunstâncias que não foi possível esclarecer o Alberto muniu-se de um pau de características não apuradas.

  9. O arguido encaminhou-se para a eira aí encontrando o Alberto armado com o pau.

  10. Este desferiu uma pancada no ombro esquerdo do arguido com o referido pau.

  11. O arguido conseguiu colocar um cartucho de caça no interior da arma.

  12. Quando ambos se encontravam a pouca distância e de frente um para o outro, o arguido apontou a arma à vítima e efectuou um disparo que o atingiu no hemitorax anterior esquerdo – sobre o mamilo esquerdo – e lhe provocou as seguintes lesões: - contusão e equimose localizada junto do mamilo esquerdo, ligeiramente acima e desviado para a esquerda do mesmo, de 1,7 por 1,5 cm; - orifício único, sem orifícios satélites, de forma ovalada, de 2,8 por 2 cm, localizado na face anterior do hemitórax esquerdo, a 5,5 cm da linha média e a 4 cm do mamilo esquerdo; os bordos deste orifício são ligeiramente irregulares e apresentam-se infiltrados de sangue e enegrecidos por depósito de substância cinzenta-escura; o orifício apresenta nos quadros internos uma orla de contusão uniforme de 2mm de largura, que se apresenta ligeiramente mais larga na parte média dos quadrantes externos (4 milímetros de largura máxima) - orla de contusão excêntrica; na periferia do orifício observam-se ainda pequenas, irregulares e dispersas áreas de epiderme, de coloração avermelhada, áreas essas que são mais evidentes na parte inferior e lateral do orifício; este orifício é seguido de trajecto penetrante na caixa torácica - orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano comprido (caçadeira).

    - infiltração sanguínea no tecido subcutâneo e músculos em áreas adjacentes ao orifício de entrada dos projécteis de arma de fogo; - fractura dos arcos costais com infiltração sanguínea dos topos ósseos ao nível da 5ª, 6ª e 8ª costelas à esquerda pelo arco anterior, com destruição e perda de tecidos definindo-se a este nível um orifício de contornos irregulares, de 6 por 5 cm - orifício de passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo (caçadeira) em correspondência com o orifício de entrada supra descrito, seguido de trajecto penetrante na caixa torácica; - fracturas dos arcos costais com infiltração sanguínea dos ósseos ao nível da 5ª, 6ª e 8ª costelas à esquerda pelo arco anterior e da 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª costelas à esquerda pelo arco posterior; múltiplas perfurações dos tecidos moles ao nível dos espaços intercostais - aspecto compatível com lesões produzidas pela passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo (arma caçadeira): presença de múltiplos grãos de chumbo nas massa musculares da parede posterior do hemitórax esquerdo; - pericárdio com múltiplas perfurações por passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo; - múltiplas lesões perfurantes ao nível das aurículas e da parede antero-lateral e posterior do ventrículo esquerdo – aspecto compatível com lesões produzidas pela passagem de projécteis múltiplos por disparo de arma de fogo (caçadeira); 15. Realizada autópsia foi detectada a presença: - no espaço pleural esquerdo, em correspondência com o orifício de entrada descrito no hábito externo, de “bucha” constituída por material plástico; - de múltiplos grãos de chumbo no fundo de saco pleural esquerdo; - de múltiplos grãos de chumbo no parênquia pulmonar.

  13. O projéctil disparado pelo arguido entrou no corpo da vítima de frente para trás, muito ligeiramente de cima para baixo e ligeiramente da esquerda para a direita, sendo a bucha respectiva encontrada no interior do corpo da vítima.

  14. As lesões descritas em 14) provocaram, directa e necessariamente, a morte de Alberto.

  15. Após o sucedido, o arguido colocou-se em fuga, levando consigo a arma caçadeira, que não mais foi localizada.

  16. O arguido, quis tirar, como tirou, a vida ao Alberto.

  17. O arguido alvejou o irmão no tórax e a muito curta distância.

  18. Sabia que ao usar uma espingarda caçadeira, cujas características perigosas e potencialidades letais bem conhecia, disparando com ela pela forma supra descrita, iria provocar lesões nos órgãos vitais do seu irmão, susceptíveis de lhe causarem a morte, resultado que queria atingir.

  19. Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    RESPOSTA A Digna Procuradora-Adjunta responde ao recurso, defendendo a improcedência.

    PARECER Nesta instância, o Ilustre PGA também entende que o recurso deve improceder, aduzindo o seguinte: Ter havido dois disparos para o ar, ter o arguido colocado um cartucho na arma...

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