Acórdão nº 1798/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelRICARDO SILVA
Data da Resolução07 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães,I.

  1. No processo comum n.º 352/05.6GEGMR, do 3.º Juízo Criminal de Guimarães, por sentença, proferida em 2007/05/17, foi, no que ora releva, decidido: –. Absolver o arguido Luís, da prática de um crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153.º, n.os 1 e 2, do Código Penal (CP).

    –. Condenar o arguido pela prática como autor material de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º do CP, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 5,00€, num total de 350,00€.

    –. Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente, e condenar o demandado, a pagar à demandante, Agostinha, a quantia de € 300,00 (trezentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

  2. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público: « Na motivação de recurso que apresentou formulou as seguintes conclusões; « 1- Perante os factos dados como provados, com os quais se concorda e correspondem inteiramente ao apurado em sede de julgamento, o arguido para além de ser condenado pelo crime de injúrias deveria também ter sido condenado pelo crime de ameaças, p. e p. pelo art° 153° do Código Penal.

    « 2- O tipo legal do crime p. e p. pelo art°153° do Código Penal visa tutelar o bem jurídico da liberdade de decisão e de acção e exige para a sua verificação: a promessa de um mal futuro, de modo explícito ou implícito; dependência desse mal futuro da vontade do agente; intenção de causar um facto maléfico, injusto e grave, consistente em danos físicos, económicos ou morais; que a ameaça seja adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

    « 3- A palavra hoje não poderá ser entendida como agora, neste instante ou de imediato, situação em que se concordaria com a Mm° Juíza de que não se referiria ao futuro, mas deverá sim ser entendida como o dia de hoje, que tem 24 horas, ou que poderá ser considerado entre o acordar e o deitar, entre o dia e a noite.

    « 4- O anúncio de um mal com a expressão "isto hoje vai tudo pelos ares", não pode ser limitado àquele momento, àquele instante, pois o hoje terá que ser entendido como até ao fim do dia considerando-se para esse efeito as 24 horas desse dia ou a hora que eventualmente o arguido terminaria esse dia que poderia ultrapassar as zero horas do dia seguinte.

    « 5- O arguido anunciou à ofendida que não naquele momento nem naquele instante iria tudo pelos ares mas sim que naquele dia – hoje – o poderia fazer.

    « 6- A palavra hoje inserida naquela expressão terá que ser entendida não como o presente, aquele momento, aquele instante, mas sim como até ao fim do dia independentemente de se considerar o limite as zero horas do dia seguinte ou a hora a que o arguido se deitaria e que poderia ultrapassar aquela hora.

    « 7- O arguido anunciou à ofendida um mal futuro, ainda que breve, que afectou a liberdade psíquica, a tranquilidade e a segurança da vítima, pelo facto desse mal anunciado se poder vir a concretizar a qualquer momento nesse dia, nessas próximas horas.

    « 8- O mal anunciado tem que ser adequado a causar receio e medo ao ofendido.

    « 9- A adequação da ameaça em vista a determinar ou provocar na pessoa do ameaçado um sentimento de insegurança, intranquilidade ou temor há-de aferir-se em função de um critério objectivo-individual.

    « 10- Perante o contexto situacional em que a ameaça foi proferida – na sequência de discussão envolvendo o arguido e ofendida – e o modo como o foi, tom de voz alto, gritado, agressivo, sublinham o seu carácter intimidatório, imprimem gravidade à mesma ameaça, não podendo deixar de traduzir a impressão no destinatário da ameaça de o agente estar resolvido a praticar o facto.

    « 11- A ameaça em causa, no contexto em que foi proferida, o modo como o foi, o objecto da mesma – destruição da habitação da ofendida -, e bem assim as condições da ofendida traduzidas no facto de ser viúva, viver só com a mãe com mais de 80 anos de idade e ser doente oncológica, o que a torna vulnerável, mostra-se idónea e apropriada, dentro de um critério de razoabilidade próprio do "homem comum" a criar um estado de medo e de intranquilidade.

    « 12- A concretização do mal anunciado com as expressões "isto hoje vai tudo pelos ares" e "rebento isto tudo" não tem que ser executado com explosivos.

    « 13- Esta palavra – explosivos – explodir – não foi considerada provada nos autos, apesar de ser a que constava na acusação.

    « 14- A expressão "ir tudo pelos ares" pode e deve ser entendido como derrubar tudo, atirar tudo pelo ar, quer com pontapés, com murros, quer com uso de utensílios designadamente paus, ferros, picaretas, pás e outros e, não apenas fazer explodir tudo.

    « 15- A expressão "rebento com isto tudo", deve ser interpretada no sentido de inutilizar tudo, danificar tudo, partir tudo, com pontapés, murros, recorrendo a utensílios tais como paus, ferros, picaretas, pás e outros.

    « 16- O arguido referiu-se sempre à habitação da ofendida, local onde o arguido e ofendida se encontravam, mais precisamente à porta de entrada daquela habitação.

    « 17- Mesmo que se entendesse que o arguido apenas poderia rebentar tudo ou mandar tudo pelos ares apenas com recurso a explosivos, com o que não se concorda com já referido, afigura-se que mesmo assim o arguido o poderia fazer apenas na parte da habitação da ofendida que não danificaria o restante prédio e designadamente a sua habitação, tudo dependendo da potência do explosivo a utilizar.

    « 18- A ameaça era adequada a provocar na ofendida medo e receio e prejudicar a sua liberdade de determinação.

    « 19- Ainda que se considere que só com explosivos o arguido concretizaria tal ameaça, qualquer pessoa e designadamente o arguido, embora eventualmente desconhecedor do manuseamento de materiais explosivos, - facto que não foi dado como provado - poderia socorrer-se de alguém que lhe prestasse "esse serviço" ou o ajudasse a executar tal propósito.

    « 20- As expressões "isto hoje vai tudo pelos ares" e "rebento isto tudo" não podem ser consideradas como o anúncio de um acto genérico e vago; pois o arguido ao dirigir-se à ofendida à porta da habitação desta, transmitiu a promessa de que iria atentar contra aquela habitação, contra os bens patrimoniais da ofendida e eventualmente contra a integridade física ou a vida da mesma caso ela se encontrasse no interior da residência.

    « 21- O arguido não precisava de concretizar se iria arrombar e deitar abaixo a porta de entrada, partir as portas e todos os objectos que a ofendida tem em casa, pois o arguido foi bem explícito: iria destruir tudo na habitação da ofendida.

    « 22- O mal anunciado não se traduziu num acto vago e genérico, mas sim num anúncio bem perceptível da intenção do arguido.

    23- Perante os factos dados como provados na sentença em apreço o arguido deverá ser condenado pela prática do crime de...

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