Acórdão nº 105095/19.4YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução15 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: A. T., instaurou o presente procedimento de injunção, subsequentemente tramitado como Ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias emergentes de contratos, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, contra S. M., peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.095,25 a título de capital, € 20,10 a título de juros de mora e € 102,00 a título de taxa de justiça paga.

Alega para tanto e em síntese que celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços em setembro de 2017, com vista à montagem e instalação elétrica na moradia desta, sita na Rua …, e que ficou acordado entre as partes o pagamento da quantia de € 6.000,00, acrescidos de IVA, e do preço a pagar pelo certificado a pedir à ....

Alega também que a Ré apenas pagou a quantia de € 2.500,00, sendo que o Autor procedeu à instalação elétrica nos termos acordados e pediu o certificado à ... atestando a conformidade da instalação, o qual lhe foi concedido em 16 de janeiro de 2018.

Mais alega que do valor total de € 7.595,25, onde se inclui o IVA e o custo do certificado da ..., permanecem em dívida € 5.095,25.

Alega por fim que apesar de interpelada para o efeito, a Ré não realizou o pagamento da referida quantia.

*A Ré deduziu oposição admitindo a celebração de contrato com o Autor, ainda que com preço diverso -€ 6.000,00 com IVA incluído.

Refere que não pagou o que falta do preço em virtude de ter interpelado por diversas vezes e ter dito que a instalação elétrica tem deficiências, e o sistema de telecomunicações não funciona, a que acresce o desalinhamento da instalação elétrica e o facto das lâmpadas nos corredores e quartos estarem tortas. Disse ao requerente para refazer o trabalho porque está mal feito e as instalações não funcionam, o que este até à data não fez. Refere que nada deve, o requerente é que não terminou o trabalho e o que fez está mal feito.

Conclui pela improcedência da ação, peticionando a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa adequada e indemnização de € 500,00.

*Por despacho proferido em 16/09/2020 foi determinada a notificação do Autor para querendo, se pronunciar quanto à matéria de exceção invocada em sede de oposição, nada tendo sido dito.

Apresentada a prova respetiva e realizada audiência de julgamento, foi proferido sentença que fixou o valor da causa em € 5.115,35, e decidiu julgar parcialmente procedente a ação intentada pelo Autor A. T. e, em consequência: “

  1. Condena-se a Ré S. M. a pagar ao Autor A. T. a quantia de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal civil e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

  2. Absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor.

  3. Não julgar verificada a litigância de má-fé por parte do Autor.” Mais atribuiu as custas do processo a ambas as partes, na proporção de 32% para o Autor e 68% para a Ré., sendo as custas do incidente de litigância de má-fé pela Ré, fixando-se as mesmas pelo mínimo legal.

    *Inconformada a R. apresentou recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “1. A douta sentença de fls. deve ser revogada.

    1. A Mma. Juiz a quo confundiu a instalação ITED, que se prende com as telecomunicações, com toda a instalação elétrica.

    2. Ao cometer este erro proferiu uma sentença injusta e contrária à lei.

    3. Foi junto aos autos um Relatório elaborado pela Direção de Inspeção e Auditoria a Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português, que identifica todos os problemas de eletricidade da obra.

    4. Este Relatório merecia ter tido outra atenção por parte da Mma. Juíza, atendendo à sua importância.

    5. Estamos perante o cumprimento defeituoso de uma obra no que toca à instalação da eletricidade e telecomunicações.

    6. Foram incorretamente dados como provados os factos 4), 6) e 8) 8. Foram incorretamente dados como não provados os factos c); d); e) e f).

    7. Entendemos da leitura da sentença que a Mma. Juíza a quo confunde a instalação elétrica com a instalação das telecomunicações, que são coisas diferentes e autónomas.

    8. Foi referido pela testemunha D. G. que existia sim o projeto ITED, relativo às telecomunicações, mas que não existia projeto de eletricidade.

    9. Não é o projeto de telecomunicações que está refletido no Relatório Técnico do Instituto Eletrotécnico Português.

    10. Este Relatório, como o próprio diz, é uma Auditoria às instalações elétricas.

    11. Da análise do Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas, do Instituto Eletrotécnico Português, realizado em 20/08/2020, conclui-se pela existência de 14 (catorze) deficiências do tipo Grave e Não Grave.

    12. São deficiências GRAVES as anomalias que constituem perigo para a segurança de pessoas e que devem ser imediatamente corrigidas, e são deficiências NÃO GRAVES-1 as anomalias cuja gravidade permite a manutenção da exploração da instalação elétrica, mas que devem ser corrigidas num prazo de 60 dias.

    13. Foram identificadas como GRAVES as anomalias identificadas nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, e 6.

    14. Todos estes pontos (à exceção do ponto 1 da bomba do furo da água que não foi, mas devia ter sido) foram trabalhos feitos pelo Recorrido.

    15. O Instituto Eletrotécnico Português é uma das maiores infraestruturas nacionais com atividade inspetiva e está reconhecido pela Direcção-Geral de Energia e Geologia como Entidade Inspetora de Instalações Elétricas (EIIEL), pelo que tem este Relatório Técnico de ter força probatória especial, não carecendo das declarações do seu subscritor para dar força ao mesmo.

    16. Portanto, concluímos que houve uma confusão entre a instalação de telecomunicações e a instalação elétrica, e que não foi dada a devida importância ao Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português, realizado em 20/08/2020.

    17. A partir do momento que se distingue a instalação elétrica da instalação das telecomunicações, a prova altera-se totalmente.

    18. Até porque, consequentemente se dará a devida importância ao Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português, realizado em 20/08/2020.

    19. Os defeitos identificados deverão ser os constantes da sentença, mais todos os identificados no Relatório Pericial, à exceção da anomalia 1 porque diz respeito à bomba de água.

    20. A instalação elétrica efetuada pelo Autor tem deficiências graves que se traduzem num mau funcionamento da mesma.

    21. A Recorrente referiu que também estava incluído no contrato os trabalhos a instalação dos anexos, da piscina e do furo da água.

    22. Trabalhos que não foram executados pelo Recorrido e por esse motivo entende a Recorrente que a obra não foi terminada.

    23. Ficou provado que a Recorrente desde logo reclamou dos defeitos visíveis e reclamava das falhas/quebras na eletricidade.

    24. Os defeitos detetados no Relatório Técnico realizado pela Direção de Inspeção e Auditoria para as Instalações Elétricas do Instituto Eletrotécnico Português foram apenas comunicados à Recorrida no início de 2021 (data em que veio a Portugal), tendo logo de seguida solicitado o orçamento também junto aos autos, pois só aí teve noção da gravidade/custo dos mesmos, tendo os defeitos sido comunicados/denunciados ao Recorrido na audiência de julgamento de 08/09/2021.

    25. Só com este Relatório é que foi possível concretizar os reais defeitos da obra, ou seja, só após agosto de 2020 é que se concluiu qual a gravidade dos erros na instalação elétrica.

    26. Portanto, é legítimo e suficiente a reclamação que a Recorrente fez durante todo este percurso, desde o momento anterior à presente ação judicial até agora que estão identificados e dados a conhecer os erros na execução dos trabalhos.

    27. Assim, há que dar como provado que a Recorrente interpelou várias vezes o Recorrido para que corrigisse os defeitos da obra, ainda que os mesmos não estivessem totalmente identificados à data.

    28. O simples facto de a Recorrida comunicar que algo de errado se passava com a instalação elétrica por não conseguir utilizar os eletrodomésticos é uma denúncia e uma interpelação ao Recorrido.

    29. Por último, ao ser julgada parcialmente procedente a ação como foi, ficou provado que o Autor peticiona valores que sabia não lhe serem devidos, falamos do IVA sobre os 6.000,00€. Ainda que este facto possa apenas dizer respeito à litigância de má-fé, o mesmo, da forma que se encontra redigido, não vai de acordo com os factos constantes dos autos.

    30. Por tudo o exposto, concluímos que a matéria de facto constante da sentença não faz jus ao que se passou.

    31. Os documentos acima analisados, bem como os depoimentos transcritos provam o erro de julgamento quanto a estes factos.

    32. Por tudo o exposto, entendemos que o tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da prova junta aos autos e da prova produzida em julgamento, devendo ser alterada a matéria de facto constante da sentença, concluindo-se pela improcedência total da ação.

    33. Considera a Mma. Juíza que os defeitos na obra são apenas o desalinhamento das tomadas e dos focos, os quais não são suficientes para invocar a exceção do cumprimento.

    34. Alterando-se a matéria de facto, entendemos que já pode sim ser invocada a exceção do cumprimento do preço, atendendo à gravidade dos erros.

    35. Da análise factual também concluímos que os defeitos foram sim denunciados, em várias fases, não só com o “abandono” da obra, como no decurso destes autos.

    36. As conversas e as interpelações que foram ocorrendo no decurso do tempo têm de ser consideradas denúncias e interpelações para cumprimento, e a junção aos autos do Relatório Técnico tem de ser tido como comunicação ao Recorrido dos defeitos da obra, os quais apenas foram detetados na data em causa, pelo que a comunicação estava em prazo.

    37. Conclui-se, assim, que estamos perante uma situação de cumprimento defeituoso da obra...

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